Por Sezostrys Alves da Costa*
Centenas de camponeses que habitavam estas terras no inicio dos anos 70 foram surpreendidos com a explosão do conflito armado, denominado Guerrilha do Araguaia, onde as forças militares aqui chegaram e impuseram um verdadeiro Estado de Sitio e perseguiu, torturou e executou dezenas de militantes do PCdoB e por consequência, centenas de camponeses foram submetidos a todo tipo de barbárie e atrocidades. Tudo isso, proveniente do Golpe dado à democracia brasileira em 1964.
Ao longo dos anos, muitas lutas travamos e neste curso, documentos em posse de camponeses comprovam o nível de controle e perseguição cometida pelos militares durante e depois dos conflitos na Guerrilha do Araguaia, movimento insurgente dirigido na clandestinidade pelo Partido Comunista do Brasil entre os anos de 1972 a 1975, na região compreendida entre o Sul do Pará, o Norte de Goiás e o Sul do Maranhão, imensa área que ficou conhecida como Bico do Papagaio, cuja expressão na opinião de um dos generais que atuou na repressão política fora “a maior guerra do Brasil rural no Século XX” no enfrentamento à Ditadura Militar.
Com o apoio das forças de segurança e policiais dos Estados do Pará, do Goiás e do Maranhão, os militares comandados pelo Planalto Central instituíram na região um verdadeiro Estado de Sitio, onde controlavam tudo e todos, fazendo com que todos os moradores das pacatas cidades e vilarejos tivessem sem nenhuma explicação, suas liberdades proibidas pelos militares pelo fato de serem ou não amigos de integrantes do movimento guerrilheiro, onde todos os homens sem exceção foram retirados de suas casas sob ordens de prisão e levados a cárceres que funcionavam em vários locais espalhados pela região, onde o mais utilizado foi o que era instalado na Base Militar de Bacaba, o Antigo DNER (Casa Azul) como era conhecido e a Base de Xambioá. Tal Base foi utilizada principalmente para isolar os camponeses de seus familiares porque ficava do outro lado do Rio Araguaia e só os militares faziam a travessia, pois todos os barcos que trafegavam no Araguaia eram monitorados.
Este documento que estamos publicando mostra claramente o formato que era usado para manter o controle dos camponeses na região. Muitos lavradores após passarem meses presos sob graves violações de seus direitos fundamentais e muitas das vezes torturados até a náusea, quando não eram mortos e desapareciam.
Centenas de camponeses tinham que se apresentar a cada 15 dias nas bases militares e era forçados a prestar informações acerca do que sabiam ou tinham visto em relação a movimentação e localização dos guerrilheiros e suas bases de apoio popular.
Todas as vezes que um camponês tinha a necessidade de se deslocar entre os municípios e localidades da região tinham que ir até uma Delegacia e após longos interrogatório é que as forças de segurança locais emitiam um ATESTADO DE CONDUTA, infame documento que lembra o nazismo.
Tendo uma foto do camponês ao centro, tinha que ser apresentado em todas as unidades de revista militares para que daí tivesse a sua passagem autorizada seja pelos rios ou caminhos terrestres.
Nem transportar uma mudança o camponês podia, tinha que haver conferência de todos os objetos e posterior emissão de Autorização pelas autoridades militares da referida localidade.
O direito de ir e vir era severamente controlado pelos brutamontes de 64.
O achamento dessa documentação nas mãos de camponeses faz com que possamos ter uma ideia mais geral de como funcionava o aparato repressivo nos sertões araguaianos e revelam o nível de pressão que eram submetidos os trabalhadores rurais do Sul do Pará.
Contudo, este modus operandis não ficou por ai, perseguiram até movimentos insurgentes que foram organizados para resistir à grilagem de terras nos sertões araguaianos em 1986, como ilustra o documento oriundo de relatório de monitoramento ao Camponês João de Deus Nazaro de Abreu e de outras lideranças camponesas que resistiram à intervenção militar na chamada trincheira de perdidos. Processo em que foi firmemente encampado pelo Advogado do Mato Paulo Fonteles, que foi o defensor dos camponeses ora presos por resistirem ao Regime e o Latifúndio nestas terras, vindo meses depois a ser assassinado pelos jagunços ligados a UDR.
De outro lado, um relatório do Ministério Público Federal, datado de 2001, detectou a existência de estruturas militares, que ainda realizavam monitoramento e vigilância relacionadas à Guerrilha do Araguaia.
Tornando a luta pela organização camponesa, a busca pela memória e o devido resgate da dignidade destes camponeses, uma batalha incansável, mais nunca invencível.
Diversos golpes houveram no curso destes anos, mais o aguerrimento e força de vontade pra vencer estes desafios tem sido maiores e muito mais fortes.
O Golpe de 64 resultou num duro golpe aos sonhadores por liberdade e democracia, quando aniquilaram dezenas de combatentes e camponeses no Araguaia entre os anos de 1972/1975. Quando camponeses sonhavam ter um lutador para os defenderem e assegurarem as liberdades tão sonhadas, em 1987 assassinaram o Advogado do Mato Paulo Fonteles.
A partir de 2007, camponeses voltaram a sonhar por restabelecerem suas dignidades, tendo o resgate das suas memórias e por consequência, terem o reconhecimento do Estado Brasileiro de que os perseguiram, vendo este sonho se tornar realidade em 2009, mesmo ano em que um brutamonte da Direita, por meio da Justiça Federal do Rio de Janeiro, interrompeu este sonho, promovendo um golpe aos direitos camponeses, onde dezenas de camponeses anistiados vieram a óbito sem ter sua dignidade de fato restabelecida.
E nos dias atuais, após vários anos de muita luta e perseverança, temos visto com muita preocupação e temor, um novo golpe em curso neste País, um governo ilegítimo que não tem compromisso com a causa dos direitos humanos, tomar de assalto o comando do Brasil e golpear mais uma vez nossos sonhos. Temos a convicção de que este golpe não se sustentará e a força e resistência popular das massas voltarão a escrever as páginas da história com respeito e preservação da Democracia que tanto lutamos pra estabelecer.
Sezostrys Alves da Costa é presidente da Associação dos Torturados na Guerrilha do Araguaia (ATGA)