Por Paulo Fonteles Filho.

O antigo Museu da Guerrilha do Araguaia em São Geraldo do Araguaia (PA) foi incendiado na noite de ontem, 14 de abril. O sinistro ocorreu depois que Eduardo Lemos Porto, ex-proprietário e ex-agente do Centro de Inteligência da Marinha (Cenimar) na ditadura militar ter sido preso por tráfico de drogas pela Polícia Militar do Pará.

O fato é que o abandonado Museu foi alvo de diligência da Comissão da Verdade do Pará – com o apoio da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará – em fins de 2015. Tal ação recolheu um rico acervo documental e depois de detida análise revelou que o Museu da Guerrilha serviu, durante mais de vinte anos, de fachada para as ações de monitoramento, vigilância e informações, além de promover a “guarda” de objetos que poderiam ter pertencido aos guerrilheiros desaparecidos nas matas do Pará.

A infiltração do agente na região onde foi deflagrada a Guerrilha do Araguaia (1972/1975) correspondeu às preocupações com que a repressão teve com a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e a rearticulação do Partido Comunista da Brasil (PC do B) no curso nas crescentes lutas de resistência dos posseiros contra a grilagem e aos projetos de grandes empreendimentos capitalistas na Amazônia paraense.

A ação de Eduardo Lemos Porto, ligado à Marinha desde 1973, foi de assessoria as ações do Grupo Executivo Araguaia-Tocantis (GETAT), instrumento que militarizou a questão fundiária na região e ligado diretamente ao então Conselho de Segurança Nacional (CSN), da Presidência da República.

Os documentos recolhidos comprovam, ainda, que a estrutura de vigilância e de informações aos órgãos de segurança do Estado perdurou até a década de 2000 e que indígenas e o movimento dos camponeses que lutam para conquistar reconhecimento e reparação, ligados à Associação dos Torturados na Guerrilha do Araguaia (ATGA), foram monitorados pela estrutura clandestina.

Acontece que Eduardo Lemos Porto parece ter sido abandonado pelo esquema clandestino e ao entrar em desgraça passou a achacar militares da ativa, que o levou a passar alguns anos dentro do Programa de Proteção à Testemunhas do Governo Federal. No período anterior vendeu farto material etnográfico e abandonou o Museu.

O incêndio criminoso ao prédio, construído pelo Batalhão de Engenharia do Exército e cedido em 1986 ao ex-agente para a criação do Museu de História Natural da Amazônia – o nome foi mudado na década de 1990 para Museu da Guerrilha do Araguaia – pode ter sido uma resposta ao tráfico de drogas, mas, também, uma tentativa de apagar os crimes cometidos pela repressão política na região do Araguaia, durante e depois da Guerrilha organizada pelo então clandestino Partido Comunista do Brasil.

Para entender o caso:

 

Museu da Guerrilha do Araguaia: Instrumento da Espionagem Militar (Por Evandro Medeiros)

 

Comissão da Verdade do Pará revela forte vigilância  sobre indígenas:  http://paulofontelesfilho.blogspot.com.br/2015/09/comissao-da-verdade-do-para-revela.html?q=museu

Comissão da Verdade do Pará recolhe arquivos de ex-agente da repressão: http://paulofontelesfilho.blogspot.com.br/2015/09/museu-do-araguaia-era-fachada-para-acao.html?q=museu

Comissão da Verdade do Pará localiza acervo e promove diligência para salvaguardar coleção:

http://paulofontelesfilho.blogspot.com.br/2015/06/comissao-da-verdade-do-para-localiza.html?q=museu

Comissão da Verdade do Pará recolhe documentos e propõe centro de memória da luta dos posseiros:
http://paulofontelesfilho.blogspot.com.br/2015/06/comissao-da-verdade-do-para-recolhe.html?q=museu

Localizado acervo do Museu da Guerrilha do Araguaia: http://www.vermelho.org.br/noticia/265969-11

Monique Malcher: Não se pode calar o passado.