O Instituto Paulo Fonteles de Direitos Humanos (IPF-DH) e a Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH) vem a público denunciar a perseguição política e o indiciamento do professor universitário e cineasta Evandro Medeiros, divulgado em matéria do jornal de Marabá O Correio de Tocantins, pelo delegado da 21° Seccional de Marabá, Washington Oliveira, pelo crime de ‘impedir ou perturbar serviço de estrada de ferro e incitar o crime’.
É uma clara demonstração do que se transformou o aparato de segurança pública no Pará: o braço policial dos interesses do capital e da mineradora Vale. Essa processo atenta contra a constituição federal e colide com os direitos de organização e livre manifestação e expressão.
Na opinião de Evandro Medeiros, esse processo de indiciamento “causa indignação, porque é um acinte, um assédio da Vale sobre os direitos e sobre aqueles que lutam. A pena prevista é de dois a cinco anos de prisão ou pagamento de multa e com isso a Vale pretende claramente, colocar o medo e intimidar a população de Marabá e todos aqueles que estão na organização disso. A gente continua na luta, não vai ter arrego”.
A justiça brasileira em vez de punir os verdadeiros criminosos que em busca do lucro provocaram a tragédia de Mariana, cujo rompimento da barragem deixou um rastro de devastação em 3 estados brasileiros e 19 pessoas mortas, sendo este o maior desastre ambiental no país. O IPF-DH e o SDDH se unem à CPT na defesa da liberdade do professor Evandro Medeiros e esperam que a justiça paraense não se omita e sucumba aos interesses espúrios e persecutórios da mineradora Vale.
#nãotemarrego
Hecilda Veiga, pelo Instituto Paulo Fonteles de Direitos Humanos.
Marco Apolo Leão, pela Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos.
Polícia Civil indicia professor
por Luciana Marschall (O Correio – Jornal de Carajás)
O delegado Washington Oliveira, que atua no expediente da 21ª Seccional Urbana de Polícia Civil, em Marabá, divulgou nesta sexta-feira (1º) que indiciou Evandro Medeiros, professor da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará, em dois artigos do Código Penal após ele ser denunciado pela Mineradora Vale por participar de um protesto contra a empresa em novembro do ano passado. Conforme o delegado, caso o Ministério Público do Estado do Pará ofereça denúncia contra o indiciado, ele será acusado pelos artigos 260 – impedir ou perturbar serviço de estrada de ferro – e 286 – incitar, publicamente, a prática de crime.
“Após a Polícia Civil ter recebido a notitia criminis (comunicação) da empresa Vale, notificando fatos que, em tese, se consubstanciariam em crimes previstos nestes dois artigos, a polícia imediatamente promoveu a instalação de novo inquérito policial contra o cidadão, haja vista que, conforme alegações da empresa, o mesmo teria promovido a consumação dos referidos delitos no dia 20 de novembro de 2015, após ter promovido a incitação de alunos e professores para que os mesmos promovessem o bloqueio da Estrada de Ferro Carajás, à altura do KM730, em Marabá”.
As penas dos crimes, caso somadas em concurso material, podem chegar a mais de cinco anos e meio de privação da liberdade. A autoridade policial afirma que há indícios de que foram colocados obstáculos na linha e praticados atos que poderiam resultar em desastre. “Ocasionando, inclusive, grave risco de vida às pessoas que se encontravam no local”. Oliveira afirma, ainda, que o professor, ouvido em depoimento, confessou que se encontrava naquela data no local.
“Isso corrobora as fotografias anexas e mídias juntadas pela empresa Vale e, utilizando-me das minhas prerrogativas constitucionais e do meu entendimento jurídico, consubstanciado em lei federal, que regulamenta nossas atribuições, foi constatado por essa autoridade policial que o cidadão Evandro Medeiros realmente viera consumar os delitos previstos nos dois artigos, motivo pelo qual, a partir desse momento, se encontra devidamente indiciado”. O professor, apesar de confirmar que houve protestos à altura da EFC, negou que tenha havido obstrução dos trilhos em depoimento.
Para o delegado, há a possibilidade, ainda, de a Polícia Civil representar pela prisão preventiva de Evandro Medeiros. “A Polícia Civil não descarta a possibilidade de estar promovendo uma representação criminal, onde se requer a decretação preventiva do referido cidadão com fundo no artigo 312, do Código do Processo Penal, tendo em vista a necessidade de promovermos a garantia de uma regular instrução criminal, para que ele não venha oferecer seu poder de influência sobre testemunhas, autores, partícipes e bem como para que possamos garantir futura e correta aplicação da lei penal”, finalizou o delegado.
OUTRO LADO
O professor, procurado pelo CORREIO ainda nesta sexta, se manifestou afirmando ser “lastimável” a decisão do delegado responsável pelo inquérito policial. Conforme Medeiros, ao ser ouvido em depoimento – acompanhado de assessoria jurídica da Comissão Pastoral da Terra (CPT) – teve o entendimento de que não haveria inquérito policial instaurado. “Naquela ocasião o delegado teve outro posicionamento, foi extremamente educado, pediu desculpas por tomar o meu tempo, disse que estava cumprindo seu papel e queria me ouvir e pediu que desse meu depoimento. Afirmou que eu tinha o direito de ficar calado e eu disse que queria falar porque não tinha nada a esconder”, disse.
Ele afirma, ainda, que relatou à autoridade policial o que ocorreu naquele dia. “Informei que havíamos feito um protesto em solidariedade à população de Mariana, impactada pela tragédia (rompimento de barragem ocorrido no ano passado), que eram aproximadamente 30 pessoas, entre professores e estudantes, e que em nenhum momento houve bloqueio da ferrovia com pneus ou quaisquer outras coisas que constituíssem barricadas ou impedissem a passagem de trem. Falei que a Vale mentia, caluniava e usava de argumentos que não eram verídicos, pois não era dia do trem de passageiros fazer viagens e o trem de cargas nunca chegou. Relatei que não havia nenhum motivo para Vale paralisar suas atividades porque o número de pessoas que estava lá não faria bloqueio”.
Na ocasião, diz o professor, o grupo ainda foi visitar casas de moradores do Bairro Alzira Mutran, impactados pela circulação dos trens, e que foram retirados do local pela Vale, na última semana, após decisão judicial determinando que a empresa pagasse aluguel para as famílias, uma vez que as casas estão condenadas em razão da trepidação resultante do tráfego ferroviário.
Medeiros informou, ainda, que ao final do depoimento o delegado informou que não seria aberto inquérito. “Ele ressaltou que estava cumprindo seu papel e que como já havia um processo civil mobilizado pela Vale contra a minha pessoa no Fórum (a empresa moveu ação judicial contra o professor), ele sugeriu à advogada que fizesse uma petição solicitando que o procedimento que ele deveria instaurar fosse anexado ao outro. Ele disse naquele momento que não via necessidade de instaurar inquérito já que havia outro processo e que só faria a documentação para anexar ao processo já em andamento no fórum”, diz.
Por fim, Medeiros desabafou sobre as acusações. “É lastimável que ele (delegado) tenha mudado de posição e que ele ventile até a prisão preventiva. Lastimável porque fica explícita a situação de que ele deve estar sendo pressionado pela empresa Vale para tomar uma atitude. A Vale deve estar querendo tirar de foco a situação recente em que foi obrigada pela Justiça a se posicionar e a indenizar famílias e quer usar esse fato novamente para se vitimar”.
Vale se posiciona sobre o caso
Procurada pelo Jornal, por meio da assessoria de comunicação, a Vale se posicionou em nota:
“O professor Evandro Medeiros é réu em ação movida pela Vale por ter obstruído a Estrada de Ferro Carajás, no dia 20 de novembro, no município de Marabá, em uma manifestação contra o desastre com a barragem da Samarco, em Mariana (MG). O protesto impediu o transporte de cargas e passageiros. Por dia, cerca de 1.300 pessoas utilizam o trem de passageiros da Vale para se locomover entre os estados do Maranhão e Pará. Para muitos dos 27 municípios a ferrovia é o único meio de transporte da população.
Em casos de obstrução da linha férrea, a empresa precisa adotar os procedimentos judicias para preservar o direito de propriedade e a manutenção do transporte de cargas e passageiros, conforme determinado no contrato de concessão celebrado com a União. Logo, em cumprimento à legislação vigente, a Vale está obrigada a requerer judicialmente a desocupação da linha e o restabelecimento das condições de segurança ferroviária em caso de bloqueio do tráfego de trens por terceiros. A pessoa que invade ou obstrui a ferrovia será acionada judicialmente e responderá a inquérito policial e ação penal, podendo gerar uma aplicação de multa diária e prisão, de acordo com a decisão judicial.
É importante ressaltar que a ocupação da ferrovia compromete a segurança das operações e, principalmente, da população, dos empregados e dos usuários do trem de passageiros, tendo em vista que as locomotivas transportam grande quantidade de combustível. Além disso, um trem, quando carregado, precisa de pelo menos dois quilômetros para parar completamente após o acionamento dos freios de emergência e de 500 metros quando não está carregado. Em caso de manifestações onde há queima de pneus ou madeira, por exemplo, o risco de explosão pode se tornar maior.
A Vale respeita e acredita na livre manifestação e destaca que não ingressa na Justiça com o intuito de proibir protestos ou manifestações de qualquer natureza em relação às suas atividades. Como forma de buscar soluções conjuntas para a gestão de impactos socioculturais, econômicos e ambientais, e, com vistas ao desenvolvimento sustentável, a empresa mantém equipes dedicadas ao contínuo relacionamento com as comunidades vizinhas às suas operações”.
Fonte: http://www.ctonline.com.br/?inicial¬icia=policia&titulo=BgN7bt%2Bpd1fGNvLPDw%3D%3D
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