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Por Paulo Fonteles Filho.
Quando a Ditadura Militar tornou público que havia elegido os posseiros do Araguaia como inimigos da Lei de Segurança Nacional (LSN) em 1980, no curso da disputa pela direção do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Conceição do Araguaia, presidido então pelo tristemente famoso pelego e grileiro Bertoldo Siqueira, apaniguado do regime militar, é que uma noite terrível – dos assassinatos políticos – vai conspirar severamente por mais de dez anos para consolidar, na Amazônia, o conluio criminoso entre a repressão política, o latifúndio e a impunidade.
Como marco deste processo cruento está o assassinato de Raimundo Ferreira Lima, o “Gringo”, principal liderança da luta camponesa em toda a região do Araguaia, ligado à Comissão Pastoral da Terra (CPT) e candidato a presidente da Chapa 2, da oposição sindical, a 29 de Maio de 1980. Daquela luta oposicionista participavam, ainda, João Canuto de Oliveira, Padre Josimo, Belchior, Paulo Fonteles, Expedito Ribeiro de Souza; todos mortos por pistoleiros nos anos que se seguiram, entre 1980/1990.
Naqueles dias, no alvorecer da década de 1980, diante da eminente vitória da representação legitima dos camponeses o governo terrorista dos generais empastelou as eleições, através do Ministério do Trabalho e de seu titular, o coronel Jarbas Passarinho. O medo dos dirigentes da repressão política se explicava pelo caráter amplo da Chapa 2 que reunia figuras de proa da oposição ao regime, como o Deputado Federal Aurélio Peres, ligado ao MDB e militante do então clandestino Partido Comunista do Brasil (PC do B), Dom Pedro Casaldáliga e Dom Tomáz Balduíno.
Acontece que, depois da morte de “Gringo” a ditadura deixa de exercer o controle férreo sobre as almas da região e a luta dos posseiros passa a ter pessoa e postura. Em Xinguara, como exemplo, cerca de 5 mil trabalhadores saíram às ruas enfrentando o medo, o silêncio e os caudatários do Major Curió.
Naquele processo político-sindical os arautos do regime – Curió e Passarinho -pregoavam uma paranoica campanha anticomunista, com amplo apoio da Polícia Federal e até da Rádio Nacional de Brasília promoveu uma intensa campanha para a Chapa 1, completando toda uma operação militar-ideológica no processo eleitoral. Tal empreendimento reacionário assegurou a direção do STR de Conceição do Araguaia até 1985, quando foram definitivamente banidos junto com os militares encastelados no poder desde 1964.
Em 1980, segundo a CPT, foram registrados 56 conflitos pela posse da terra apenas na região do Araguaia e adjacências onde ocorreu a guerrilha. Tais conflitos produziram 30 mortos entre camponeses, pistoleiros e grandes latifundiários com amplo apoio da ditadura militar. Vale ressaltar que a grande maioria dos mortos eram pistoleiros que atuavam a soldo dos grandes empreendimentos agropecuários que ensejavam retirar os lavradores de suas posses, o que representava uma ofensiva do movimento social camponês naquela imensa região.
Na base dessa disputa estavam inseridas visões diferenciadas sobre a Amazônia. Sabe-se que desde o fim da década de 1960 a Amazônia vem sendo objeto de uma insana espoliação e de uma intensa devastação de seus recursos naturais. Suas terras têm sido griladas ao longo de mais de 40 anos ou cedidas a poderosos consórcios como também a grupos estrangeiros.
A ditadura militar promoveu a expansão da empresa capitalista no campo, momento em que a terra passa a ser mercadoria e ocorre a transição do predomínio econômico e político do latifúndio ao predomínio econômico e político da empresa agropecuária.
E com a derrota militar das Forças Guerrilha do Araguaia, as terras, antes largas e prenhes de fartura, são inseridas nas relações capitalistas de produção controladas pela grande empresa privada e o poder dos generais vai favorecer e acelerar o malsinado modelo. E essa mudança radical vai alimentar uma profunda revolta na imensa massa camponesa pelos sertões do Araguaia.
A geração de “Gringo” foi de lavradores que conheceram os insurgentes do Araguaia e por conta da luta pela posse da terra promoveram a “Guerra dos Perdidos”, em 1976. Tal geração de camponeses resistiu à instalação de diversos grupos financeiros que ocupavam vastas áreas, tais como Sul América, Atlântica, Boa Vista, Peixoto de Castro, Bradesco e Bamerindus; os alemães Atlas e Volkswagen; os norte-americanos King’s Ranch, United Steel Corp. e John Davis.
No caso de John Davis, coronel aposentado do Exército dos Estados Unidos, dezenas de posseiros realizaram ação coletiva armada, na PA-70, próxima à região do Araguaia, depois das provocações do militar ianque que, pela força, tentava desalojar os lavradores de suas posses. Do choque resultou a morte do norte-americano bem como de seus dois filhos.
O fato é que os projetos instalados pós-64 preconizavam a internacionalização da Amazônia, através das enormes facilidades dadas pelo governo central, através da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) e do Banco da Amazônia S/A (Basa), para a instalação de transnacionais e a medida de força para varrer quaisquer surto de rebeldia se confirmava pela teoria da Lei de Segurança Nacional (LSN).
A partir do II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), que teve vigência de 1974 até 1984, portanto 10 anos, a LSN foi redirecionada a fim de facilitar que empresas nacionais e estrangeiras pudessem obter imensos benefícios legais e tributários, promovendo a concentração da terra e a expropriação dos camponeses numa verdadeira aliança, cuja concepção leva-nos a conclusão de que os pobres do campo eram uma grande ameaça à segurança nacional para os generais encastelados no poder.
A criação de órgãos executivos voltados para a questão de terras, como o Getat, ensejava a militarização da política fundiária e este instrumento da repressão era dirigido diretamente pelo Conselho de Segurança Nacional (CSN). O famigerado Getat interferiu direta e militarmente sobre as terras conflagradas de todo o sul do Pará. Um dos resultados foi a célebre garimpo de Serra Pelada, maior garimpo a céu aberto que se têm notícia no mundo, dirigida pelo Major Curió. Como se sabe com rigor documental, a Serra Pelada fora pródiga para pouquíssimos e calvário para milhares de brasileiros.
É nesse ambiente, explosivo e brutal, que os posseiros do Araguaia, heróis da luta libertária dos brasileiros, descortinam, muitas vezes com armas nas mãos, os horizontes da luta pela posse da terra e das liberdades públicas.
Arquivo de Alex Costa Lima.
Digitalização: Jean Brito,
Tinha pouco conhecimento desse assunto, embora cresci vivenciando essa experiência triste, pois a minha família também foi vítima desta violência sem tamanha. Fomos expulso da terra que nascemos e demos os primeiros passos. Joel Augusto da Luz
Muito bom esse resgate da HISTÓRIA VIVIDA POR PESSOAS DO NOSSO MEIO ARQUIVOS DA HISTÓRIA DO NOSSO PAIS POR MUTOS DESCONHECIDO