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O Instituto Paulo Fonteles de Direitos Humanos republica artigo de Vladimir Safatle que toca em aspectos fundamentais da luta que enfrentamos hoje. Primeiro a ação violenta e de infiltração das forças de segurança a serviço da desmobilização popular e da intimidação da população, contra isso a saída é não nos intimidarmos frente a violência do estado e mostrar com a mobilização da sociedade que não tem arrego. Levanta também a importante questão da não-cooperação e da não-violência-ativa como pilares e ação de resistência à barbárie que se intensifica no Brasil. Assim é fundamental no Pará e no Brasil que nos somemos na construção da unidade do campo popular pelos direitos humanos e que nos manifestemos.
por Vladimir Safatle
Cada época tem sua imagem. Há momentos nos quais a essência de tempos históricos determinados encontra sua figura sensível. A ditadura militar teve, por exemplo, a figuração precisa de sua barbárie bruta na foto de Vladimir Herzog enforcado em uma cela, com os joelhos dobrados quase no chão. Demonstrava-se, de forma grotesca, o descaso com qualquer princípio elementar de verossimilhança. Isto é essência mesma de um estado policial: um regime no qual você deve acreditar que alguém morreu enforcado, mesmo que sua foto demonstre exatamente o contrário.
Desde então alguns dizem que o país mudou, mas certamente não para a polícia militar. Ela continua agindo como se devêssemos acreditar que pessoas se enforcam com o joelho dobrado no chão. Não é por acaso que, segundo estudos da socióloga norte-americana Kathryn Sikkink, o Brasil é o único país na América Latina no qual tortura-se mais hoje do que na época da ditadura militar. É porque aqui a imprensa e a classe política dão carta branca para a polícia agir da maneira como convier na defesa dos interesses do seu partido. Sim, não se enganem pois a polícia tem partido. Enquanto o sr. Alexandre Frota e o coral gospel “Jesus ama Ustra e seus amigos” entoam o hino Escola sem Partido, alguém deveria começar por exigir uma Polícia sem partido.
Desde os tempos mais remotos da humanidade, a tática da provocação e da infiltração é utilizada para desqualificar quem contesta o poder. Foi assim em Roma, na Babilônia e nas manifestações de 2013. Vimos inúmeras vezes em que a polícia provocava, jogando bombas em manifestações até então pacíficas, infiltrando-se, atirando a esmo. Ou seja, a função da polícia brasileira não era garantir a ordem, mas produzir e gerenciar a desordem. Produzir imagens de terror para minar o apoio popular às manifestações. Enquanto isto, o Ministério Público, especialmente o de São Paulo, nem cogitava agir a fim de enquadrar o uso da força do braço armado do Estado. O que não era de se estranhar, já que o governador do nosso cafezal, assim como outros governadores pelo país, aplaudiam enquanto seus soldados matavam oito manifestantes, feriam 837 e prendiam 2.608 só em 2013 (dados da ONG Artigo 19). Em outros lugares do mundo, isto seria descrito como uma carnificina. No Brasil, é defesa da ordem.
Então vieram as manifestações pelo impeachment e o milagre aconteceu: uma polícia ordeira, catracas abertas para manifestantes passarem gratuitamente, confraternização entre a polícia e as senhoras com sua nostalgia por “intervenção militar”. Em troca a PM fazia o milagre da multiplicação e anunciava ter 500 mil manifestantes em um espaço no qual só cabiam 200 mil. Mas como lembra a foto de Herzog, verossimilhança não é o forte da corporação.
Agora, 62% da população quer que o sr. Michel Miguel devolva ao povo o cargo que ele usurpou e convoque eleições gerais. As ruas voltaram a se encher e a polícia voltou a mostrar qual é o seu partido. Domingo, São Paulo foi palco de uma enorme manifestação, sem patrocínio da mídia e com proibição do governo de São Paulo. Como tudo ia bem, a polícia precisava produzir sua desordem, fornecer imagens de caos. Assim, bloqueia-se previamente novas adesões da população.
Michel Miguel, ao tomar de assalto a república, prometeu ao país a “pacificação”. Na sua novilíngua isto significa: bomba, bala e “cadeia preventiva”. A imprensa pode, pela enésima vez, insuflar o espantalho dos black blocs e auxiliar o governo em sua luta desesperada por não cair. Mesmo esta Folha publicou um editorial no qual eles eram comparados a fascistas exatamente um dia depois da estudante Deborah Fabri ter perdido um olho por ação da polícia. Não houve o mesmo tom de indignação com o segundo fato, nem com o fato de um tenente-coronel ter descrito essa violência inaceitável com um singelo: “quem planta rabanete, colhe rabanete”.
Prefiro não acreditar que alguém entenda que vidraças de bancos e lixeiras sejam mais importantes do que a integridade física de nossos cidadãos. Por outro lado, que fique claro: a arma mais forte atualmente será ampliar as formas de não cooperação com o governo e de não violência. A violência black bloc só serve para fortalecer o estado atual das coisas. Mas se estivermos realmente interessados em não violência a primeira coisa a fazer é ter uma crítica implacável da violência da polícia, de suas práticas primárias de provocação e de seu comprometimento político-partidário.