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Só eleições diretas vão garantir a retomada do crescimento e da geração de empregos e o reencontro com a democracia no Brasil (Foto José Cruz/ABr)
A reforma da Previdência proposta pelo governo ilegítimo exige a idade mínima de 65 anos e 49 anos de tempo de serviço. Obriga jovens de 16 anos a largarem os estudos para trabalhar, a fim de ter o direito à aposentadoria integral.
O objetivo é claro. Dar continuidade ao processo de desmonte do Estado, iniciado por FHC e interrompido nos governos do PT. Busca-se desmantelar o sistema de proteção social, iniciado com Getúlio Vargas, atualizado na Constituição de 1988 e aprofundado no meu governo e no de Lula.
Irão se esforçar para desregulamentar a economia e reduzir impostos sobre os muito ricos e privatizar as empresas do Estado. Além de revirar o mercado de trabalho, “flexibilizando” os direitos dos trabalhadores e tornando a aposentadoria privilégio de poucos.
Tais propostas voltam à ordem do dia, depois de derrotadas nas últimas quatro eleições presidenciais. Por isso, o impeachment. O programa neoliberal do PSDB, rejeitado no voto pela população, necessita que se suspenda a democracia para ser executado.
O neoliberalismo pelo governo Temer, cujo receituário é brandido pelos meios de comunicação e líderes da oposição tucana como solução para o País, resultará em mais desigualdade. Tal modelo não tem como conviver com a plenitude do Estado Democrático de Direito.
Em A Doutrina do Choque, Naomi Klein mostra que os teóricos e políticos adeptos do neoliberalismo advogam o uso das crises para impor medidas impopulares justamente quando os cidadãos estão impactados por outros eventos.
Em nosso caso, a crise econômica e o impeachment foram a oportunidade para a retomada do receituário neoliberal. Múltiplos agentes políticos e empresariais se associaram para revitalizar um modelo que dá sinais de esgotamento e profundas contradições em países da Europa e nos Estados Unidos.
Chama atenção a sofreguidão dos militantes empresariais encarnados no “pato amarelo”. Defendem que o único caminho diante do conflito distributivo, acirrado pela crise, é o corte dos gastos sociais, jogando o ônus da crise econômica exclusivamente nas costas dos trabalhadores e da classe média.
Afastam a possibilidade de aumento de impostos num país que tributa, sobretudo, ganhos de salário. Tal debate está interditado. Aí não importa se a consequência é a queda ainda maior da demanda e mais crise ao se derrubar o investimento público e o consumo, num quadro de anomia do investimento privado.
Defendo que ajustes precisavam ser feitos. Ajustes equilibrados, para melhorar a qualidade dos gastos e reduzir as despesas. O limite da redução das despesas foi, porém, atingido.
Há necessidade urgente de reformas, não para retirar direitos, mas, como a tributária, para ampliar a arrecadação e alterar o caráter regressivo do nosso sistema de impostos. Não podemos continuar a ser dos poucos países do mundo, em companhia da Estônia, a não tributar dividendos ou taxar ganhos de capital.
Ainda há quem queira acreditar no milagre do corte de gastos. Disseminou-se a ideia de que o golpe, travestido de impeachment, rapidamente reverteria a crise e, a partir daí, bastaria cortar gastos. Ora, a crise fiscal nunca se deveu a uma ampliação dos gastos. O Brasil enfrenta um problema fiscal que tem a ver com a desaceleração econômica, responsável pela queda vertiginosa das receitas.
É necessário reconhecer que desonerações efetuadas ao longo do meu governo, tanto aquelas sobre a folha de pagamentos quanto as que incidiram sobre setores produtivos, reduziram as receitas. Os resultados foram apropriados pelas empresas na forma de aumento da margem de lucro.
Tais desonerações também não produziram, na maioria dos setores, aumento da capacidade produtiva e, consequentemente, da arrecadação futura, impondo ônus excessivo à gestão fiscal do Estado. Por isso é necessária a revisão de tais desonerações.
Mesmo assim, o País vai precisar de medidas que se contraponham à crise. Durante meu governo foram criminalizadas todas as medidas fiscais contracíclicas. A PEC 55, pró-cíclica, vai eliminar agora todo e qualquer espaço para a política fiscal, além de enrijecer a política monetária.
Lá atrás, as manobras dos golpistas foram bem-sucedidas. Vetaram, ao longo do meu governo, todas as iniciativas para se reverter a crise, instituindo a política do “quanto pior melhor” e as “pautas-bomba”. Pior. Mobilizaram parte da população contra seus próprios interesses, cerceando a ampliação de oportunidades e de direitos.
Em várias ocasiões, declarei que o golpe contra meu mandato era um golpe contra a democracia, contra o povo brasileiro e contra a nossa Nação. Apesar dos meus críticos, promovemos um inédito processo de redução da desigualdade nos últimos 13 anos.
Foram as políticas de transferência de renda, de valorização do salário mínimo, de ampliação do acesso a serviços públicos e do incremento do investimento público que transformaram o Brasil e nos tiraram do mapa da fome.
Inédito, esse processo não garantiu uma efetiva transformação estrutural de nossa histórica concentração de riqueza. E foi insuficiente, pois acabamos impedidos de avançar na redistribuição da riqueza, na tributação dos mais ricos com impostos progressivos, tema interditado no País.
A PEC 55 vai impedir que o povo se beneficie do crescimento pelos próximos 20 anos com base no argumento da austeridade. Ao estabelecer que os gastos públicos terão crescimento real zero, a PEC terá efeito contracionista, puxando o crescimento do PIB para baixo.
O mais trágico é que resultará na redução per capita dos gastos sociais federais. Como trata apenas de gastos primários, a proposta não contém uma só medida voltada às despesas financeiras, como os juros da dívida pública.
Arbitrando de forma autoritária o conflito distributivo em torno da alocação do Orçamento, a PEC é contra a maioria da população. Retira dos cidadãos o direito de, a cada eleição, escolher o programa de governo expresso no Orçamento e, com isso, os caminhos para o desenvolvimento. É hoje um dos pilares do Estado de Exceção implantado no Brasil.
Renascido como fênix depois de quase 13 anos, o neoliberalismo do consórcio Temer-PSDB é coerente com o fato de nossas grandes empresas produtivas terem se tornado financistas. Que acreditem e defendam o ideário neoliberal não surpreende.
Mas que se somem na defesa de uma proposta que diminui o crescimento econômico e promove a retração do mercado consumidor só se entende diante da elevada rentabilidade obtida com o giro financeiro. Sem dúvida, um dos maiores desafios ao desenvolvimento no Brasil tem sido a contaminação dos setores produtivos pelo giro da dívida pública.
A importância que o resultado financeiro assumiu para o desempenho de nossas grandes empresas, inclusive secundarizando eventuais limitações de competitividade, explica o desinteresse com que o setor produtivo tratou a queda dos juros em 2012 e 2013. Serve também para entender o engajamento desses segmentos a favor do golpe, atraídos, entre outras questões, pela perspectiva de reformas e medidas fiscais.
A interrupção da normalidade democrática e o caminhar rumo ao Estado de Exceção são as bases jurídicas para a retomada do neoliberalismo. Não são as bases para “ordem, progresso e retomada do crescimento”, como prometeram antes do golpe. É o contrário. Ainda que setores da mídia mostrem com parcimônia os dados sobre a situação, o aprofundamento da crise está explícito.
A realidade sempre se impõe. Está cada vez mais evidente que os golpistas acreditaram no que propagandeavam e subestimaram os fatores que levaram à crise econômica: o fim do superciclo das commodities, a desaceleração da China, o fraco crescimento dos países desenvolvidos, o fim da política de expansão monetária dos Estados Unidos e a queda de arrecadação.
Minimizaram, sobretudo, as graves e nefastas consequências econômicas da crise política por eles criada. Tais fatores não se alteraram com a conclusão do impeachment. A “sangria“ continua e passa a ataque mortal. A crise agravou-se com a ilegitimidade, os escândalos de corrupção e as falsas profecias.
Agravou-se tão rápida e profundamente que a instabilidade gerada no atual governo e entre as instituições permite antever a possibilidade do golpe dentro do golpe: a eleição indireta para presidente, que não produzirá estabilidade ou segurança institucional.
Afasta a esperança e se revela mais um ataque à democracia, incapaz de conduzir à recuperação econômica.
A intolerância e o ressentimento diante da falta de sintonia entre as expectativas do povo e as entregas do governo minam a legitimidade da democracia. Para a população, primeiro vem a perda de poder, pelo desrespeito aos resultados legítimos da eleição.
Depois, a cassação de direitos, por meio de reformas que promovem retrocessos e exclusão. Quando as teses econômicas dominantes impedem a priorização de investimentos sociais, os governos deixam de responder às necessidades dos eleitores.
A política torna-se irrelevante para a vida dos cidadãos. Daí o risco da anti-política virulenta, em que argumentos são substituídos por slogans e sensacionalismo. Por isso, se o golpe destruiu o presente do Brasil, cabe a nós lutarmos pelo futuro.
A saída não é a marcha da insensatez golpista, mas a participação popular. Está na convocação imediata de novas eleições para presidente, como propus anteriormente. Junte-se às diretas, é hora da reforma política, proposta por mim em 2013.
Não há como sair da crise sem redefinir o sistema político, carcomido por práticas fisiológicas e corruptas, combalido pela fragmentação de partidos e pela lógica do imediatismo que não leva em conta os interesses do País.
Esse é o caminho para conter o retrocesso e garantir que a vontade do povo prevaleça quando se define o nosso destino. Reitero: o momento é grave, mas ainda há tempo de salvar a nossa jovem democracia e promover a retomada da economia. A palavra é legitimidade. Um banho de legitimidade para lavar a alma do Brasil.
Para isso, Diretas, Já!