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“Quem grita vive contigo”  (Milton Nascimento)

 

Por Paulo Fonteles Filho.

 

A resistência camponesa na fronteira amazônica foi determinada pela penetração econômica do grande capital, disso sabemos. A grilagem fez a miséria, a sífilis e a pistolagem prosperar na medida em que as matas eram derrubadas e as lâminas eram afiadas para sangrar a carne e os dias, em aramadas terras porque o capital sempre chega primeiro distribuindo obscurantismo e fome.

Corrutelas se abriam com a velocidade com que os papéis corriam lépidos nos cartórios em beneficio dos novos bandeirantes, também paulistas, sob os interesses da Brasil Central, uma autarquia que representava poderosos interesses econômicos no sentido da expansão do capitalismo no Brasil. Eram os filhos desbotados – pelo tempo – de Bartolomeu Bueno da Silva, Anhanguera. E uma velha tradição, as digitais da Casa Grande e três séculos de escravidão fez ressurgir, na fronteira amazônica, uma atroz espiral de violências contra o povo.

No instante em que a grande empresa aramou as terras – impulsionando o velho latifúndio, agora modernizado pelos potes de ouro da Sudam – um estampido de vinte soou na mata, eram as revoltas camponesas transformando árvores, escarpadas e grotões em trincheiras, enfrentando novos bugreiros, gente do SNI, o Major Curió e a Polícia Militar do Pará.

A tragédia que se segue, por quatro décadas na fronteira amazônica, deixa a terra saqueada, índios e camponeses mortos, milhões de hectares de floresta transformada em pasto e a resistência, muitas vezes em armas, dos posseiros.

O fato é que com a aniquilação da guerrilha do Araguaia (1972-1975), os projetos de ocupação da ditadura ganham força através dos órgãos oficiais, como o INCRA, que executava o Projeto Fundiário de São Geraldo, no baixo Araguaia, abrindo picadas, assentamento de marcos e topografia num intento que iria desalojar milhares de famílias de colonos pobres.

Ocorre que aquelas tensões já vinham desde 1971 quando Paulo Rodrigues, guerrilheiro desaparecido, já enfrentava as ameaças do grileiro Antonino, da IMPAR. Tal exemplo ganhou o respeito dos colonos pobres, insuflando-os contra o latifúndio e dando-lhes exemplo de como se ‘tratar’ com a grilagem e pistolagem, irmãs siamesas na tragédia imposta pelo capital.

Ali, entre o igarapé dos Perdidos e Caianos, região onde o intento guerrilheiro tivera muita força, inclusive com a fundação de ‘Patrimônio’ – hoje ‘Boa Vista do Araguaia’, município da Piçarra do Pará – uma patrulha da Polícia Militar do Pará e da Polícia Federal fora emboscada, sendo mortos dois soldados e ferindo outros dois, inviabilizando o trabalho dos órgãos fundiários. Outras duas emboscadas foram realizadas pelos posseiros, sem mortes.

Era outubro de 1976 e o episódio entrará para a história como “A Guerra dos Perdidos”, uma segunda guerra na visão dos camponeses e que tem ganhado importantes leituras de intelectuais, cineastas e jornalistas como é o caso Romualdo Pessoa, Rodrigo Peixoto, Leonencio Nossa e Erik Rocha, cujo documentário sobre o tema deve ser lançado ainda em 2017.

A repressão política vai ser inclemente, religiosos – como o padre Maboni e o agente pastoral Hilário Lopes Costa – e dezenas de camponeses serão presos e torturados, ficarão meses confinados no antigo Presídio São José, em Belém do Pará, acusados de crimes contra a Lei de Segurança Nacional (LSN).

Paulo Fonteles, ex-preso político e advogado da CPT irá assumir o caso e libertar os posseiros da ‘Guerra dos Perdidos’, angariando enorme prestígio entre os colonos e a alcunha de ‘advogado-do-mato’, pela intransigente defesa e coragem na luta pela terra na Amazônia.

Paulo Fonteles será assassinado em 11 de junho de 1987 pela UDR, ação organizada por antigos agentes da repressão política.

#PauloFontelesVive

Relatório sobre a “Guerra dos Perdidos” do CIE (1977)

Memória social da Guerrilha do Araguaia e a guerra que veio depois, de Rodrigo Peixoto

Romualdo Pessoa fala da guerra depois da guerrilha do Araguaia