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Euclides Farias
Da lavra do compositor paraibano Vital Farias, a música Saga da Amazônia é talvez a melhor síntese da guerra nada silenciosa e desigual travada na floresta entre a cobiça e o sentido de preservação das espécies.
É certo que o tema inspirou centenas de compositores, mas da discografia ao alcance essa emerge como símbolo de cantoria a desafiar com versos cortantes a ganância e o desprezo ao homem amazônida.
Na música de Vital, a Amazônia é palco de conflitos já contados, mas não se tem conhecimento, numa única composição, de texto tão denso e revelador da variedade de tensões e mazelas que cercam a região.
Na canção, desfilam mitos amazônicos, devastação à flora e à fauna, genocídios indígenas, assassinatos na luta pela posse da terra, investimentos predadores de grandes projetos extrativistas e a internacionalização de imensas áreas pelo poder do capital internacional.
Desfila, porém, sobretudo, um apelo à vida:
“No lugar que havia mata, hoje há perseguição/Grileiro mata posseiro, só pra lhe roubar seu chão/Castanheiro, seringueiro já viraram até peão/Afora os que já morreram como ave de arribação/Zé de Nana tá de prova/Naquele lugar tem cova, gente enterrada no chão…”, canta Vital, num arrebatador testemunho à história.
Função social da arte, a música-denúncia de Vital não tem ranços nem faz coro a cantilenas de ongs secretamente subvencionadas por laboratórios farmacêuticos e cosméticos. Está focada no drama humano, a cada árvore que tomba, a cada bicho que morre. “Se a floresta, meu amigo, tivesse pé pra andar, eu garanto, meu amigo, o perigo não tinha ficado lá”, aposta o cantador.
A música é sábia por não advogar à Amazônia a condição de santuário, por cuja redoma os caboclos enxergarão contemplativamente a terra e os rios intocáveis. O artista quer a floresta e as águas a serviço da prosperidade medida, porque tudo ali é finito. O que não quer, deixa claro, é a Amazônia como almoxarifado. E reage, sem precisar dizê-lo senão pela negação à dor, a cínicos pretextos que soam tão verdadeiros quanto os cantos de sereia.
Se a Amazônia é hiléia, última fronteira, pulmão do mundo ou outra falácia qualquer é porque o resto do planeta se esqueceu de cuidar do próprio quintal, destruindo-o sem legar bem à humanidade.
Tenho dito.