Por Sergio Suiama, Via Facebook.

No dia internacional da luta das mulheres, a Justiça Federal de Petrópolis qualifica a proteção contra o estupro como uma “vantagem a minoria selecionada que serve aos interesses globalistas”.

No dia de hoje, 08 de março, tomamos conhecimento da lamentável sentença do juiz federal de Petrópolis que rejeitou a denúncia do MPF pelo estupro da única sobrevivente da Casa da Morte, Inês Etienne Romeu.

Inês foi sequestrada por agentes da ditadura militar em maio de 1971 e levada ao centro clandestino de torturas, posteriormente denominado “Casa da Morte”, em Petrópolis. Lá foi barbaramente torturada e estuprada por pelo menos duas vezes por um militar à época identificado apenas como “Camarão”. Denunciou o fato à OAB em 1979, após o início da “abertura lenta e gradual”, tornando-se uma das principais testemunhas do funcionamento clandestino e ilegal da repressão política. Assim como todos os demais crimes cometidos contra dissidentes políticos, o estupro contra Inês remanesceu não investigado até 2013.

Graças à ordem judicial de busca e apreensão, pedida e cumprida pelo MPF na casa do coronel já falecido Paulo Malhães, foi possível, após quase três anos de investigações, descobrir a verdadeira identidade de “Camarão”, o militar Antonio Waneir Pinheiro Lima.

Além de sustentar que os crimes foram anistiados e estão prescritos, a decisão judicial ignora ou desqualifica todas as provas obtidas e, o que é pior, desqualifica o valor da palavra da vítima do estupro, dizendo que o fato só foi relatado após 8 anos do ocorrido, como se fosse possível à vítima ir a uma delegacia de polícia em 1971 registrar queixa contra os militares que a violentaram e torturaram.

A única certeza do magistrado volta-se contra a vítima, por ele qualificada como uma terrorista perigosa, condenada pela Justiça Militar da ditadura a 10 anos de prisão por sequestro seguido de morte. Com base nesta certeza, o juiz federal conclui sua sentença dizendo que “ninguém é contra os “direitos humanos”, desde que sejam direitos humanos de verdade, compartilhados por todos os membros da sociedade, e não meros pretextos para dar vantagens a minorias selecionadas que servem aos interesses globalistas.”

Como se trata de uma ação penal por crime de estupro, imagina-se que a “vantagem” à “minoria selecionada” seja o direito de todas as mulheres de não sofrerem violência sexual.

O MPF irá recorrer da sentença.

Abaixo, a transcrição de parte da decisão:

“Além do desrespeito à Lei de Anistia de 1979, as imputações criminais feitas na denúncia atentam também contra outra causa de extinção de punibilidade: a PRESCRIÇÃO, conforme dispõe o art. 107, IV do CP.

Assim, além de ser caso de desrespeito ao direito adquirido em razão da Anistia de 1979, o caso também é de evidente desrespeito a outro direito adquirido do acusado, tendo em vista a verificação da prescrição: o de tentar fazer retroagir uma “norma” de caráter penal com a finalidade de prejudicar o acusado.

O direito adquirido à extinção da punibilidade em razão da prescrição e a proibição de retroatividade de normas de caráter penal também são direitos humanos. A violação dessa norma também ofende a dignidade humana.

A fls. 1482 consta cópia da capa de peças de informação autuadas no âmbito MPF sob o no 1.30.001.006267/2012-58, que contém o seguinte título de capa: “Representação do coordenador do Grupo Justiça de Transição do RJ visando à apuração de mortes e desaparecimentos de militantes políticos, ocorridos no Estado do Rio de Janeiro durante o regime de exceção”.

Esse documento indica a criação de um “grupo” no âmbito do MPF com o nome de “Justiça de Transição”. Isto parece indicar a criação pelo MPF de um simulacro de tribunal de exceção.

O inciso XXXVII do art. 5o da Constituição estabelece o seguinte: “não haverá juízo ou tribunal de exceção”.

A proibição de existência de juízo ou tribunal de exceção também é um direito humano. A violação dessa norma também ofende a dignidade humana.

Ainda que não estivessem demonstradas todas as referidas violações aos direitos e garantias fundamentais da pessoa humana, e fosse lícito o oferecimento da denúncia, também não há qualquer indício de existência real da narrativa ali descrita.

Os únicos documentos apresentados pelo MPF para fundamentar toda a acusação são as cópias de certidões emitidas pelo escrivão da 3a auditoria da 1a Circunscrição Judiciária Militar, emitidas em outubro de 1979 (fls. 69/70) e janeiro de 1979 (fls. 71/72).

Todas as demais peças que instruíram a denúncia, não se caracterizam como documentos que possam servir como prova de fatos no juízo penal. Reportagens – não importa a quantidade – não constituem documentos. Entrevistas não constituem documentos. Deduções não constituem documentos. Sentenças proferidas por tribunais de organismos estrangeiros não constituem documento. Petições e decisões judiciais proferidas em âmbito de medidas cautelares não constituem documentos. Note-se que as declarações de Inês Etiene constantes de termo lavrado na sede da OAB/RJ (cópia de fls. 384/387), foram prestadas em 05/09/1979. Ou seja, OITO ANOS após o tempo do crime segundo a denúncia. Além disso, nesse termo consta a expressa ressalva no sentido de que o “relatório” (cópia de fls. 390/402), datado de 18/09/1971 e assinado por Inês, constitui uma “reprodução feita nesta data, daquele inicialmente escrito em 18 de setembro de 1971, com algumas correções e adições, tornadas necessárias, em face do decurso do tempo e de fatos supervenientes”. Assim, evidentemente, o denominado “relatório” de fls. 390/402 também não constitui documento.

De acordo com a certidão de fls. 69/70, Inês Etienne Romeu foi condenada pelo Superior Tribunal Militar a pena de prisão perpétua pelo crime do art. 28, § único do Decreto Lei no 898/69, reduzindo a pena para 30 anos, na forma do artigo 51, do Decreto Lei no 898/69. Ainda de acordo com tais documentos, “o Juízo, por despacho de 21/8/79, ajustou a pena da sentenciada para 8 anos de reclusão, correspondente a pena mínima prevista no parágrafo único do artigo 26, da vigente Lei de Segurança Nacional (Lei no 6.620/78)”.

De acordo com a certidão de fls 71/72, Inês Etienne Romeu “também respondeu a processo pela 1a Auditoria de Aeronáutica da 1a. CJM, sendo condenada em sessão de 1/9/1972, à pena de 2 anos e 6 meses de reclusão, como incursa no art. 14 do Dec. Lei no 989/69, cuja decisão foi confirmada pelo Superior Tribunal Militar.

Dessa forma, por essas certidões, resta provado que Inês Etienne Romeu foi condenada pela Justiça Militar, por sentenças transitadas em julgado, pela prática dos crimes de sequestro seguido de morte (art. 28 § único do Decreto Lei no 898/69) e de associação a agrupamento que, sob orientação de governo estrangeiro ou organização internacional, exerce atividades prejudiciais ou perigosas à Segurança Nacional. (art. 14 do Decreto Lei no 898/69).

Como escreveu Olavo de Carvalho, ninguém é contra os “direitos humanos”, desde que sejam direitos humanos de verdade, compartilhados por todos os membros da sociedade, e não meros pretextos para dar vantagens a minorias selecionadas que servem aos interesses globalistas.

REJEITO A DENÚNCIA, com fundamento no art. 395, III (falta de justa causa para o exercício da ação penal), do CPP.

Intime-se o MPF. Após, dê-se baixa e arquive-se.

Petrópolis, 06 de março de 2017.

ALCIR LUIZ LOPES COELHO

Juiz Federal Titular

Fonte: https://www.facebook.com/SergioSui?fref=ts