Um delegado e um investigador da polícia civil envolvidos na operação que resultou na morte de 10 pessoas em Pau D’Arco, no sudeste paraense, deram detalhes que reforçam os indícios de que houve crime de execução na ação policial, de acordo com informações da delação premiada que os dois fizeram ao Ministério Público do Pará (MPPA).
No dia 24 de maio, durante uma operação policial que cumpria 14 mandados de prisão contra suspeitos de envolvimento na morte de um segurança da fazenda Santa Lúcia, dez trabalhadores foram assassinados a tiros. De acordo com a perícia do Centro de Perícias Científicas Renato Chaves (CPC), nove vítimas receberam tiros no peito, mas nenhum à queima rouba. A única mulher foi baleada na cabeça.
Membros do MPPA concederam uma entrevista coletiva no final da tarde desta segunda-feira (10) em Belém, informando que as investigações do caso indicam crimes de execução cometidos por agentes da segurança pública. Além dos dois policiais civis que fizeram a delação, outros 11 policiais militares também já foram presos temporariamente após a justiça acolher o pedido de prisão do MPPA.
Segundo a delação, PMs cercaram os agricultores e os perseguiram pela mata fechada dentro da fazenda. Os policiais civis contam que encontraram cadáveres no chão quando chegaram ao local do crime, além de pessoas feridas, algumas delas algemadas e ainda vivas.
“Não houve confronto. No decorrer das investigações e com a delação de dois policiais civis, nós concretizamos a hipótese inicial de execução, que foi materializada”, disse o promotor de justiça Alfredo Amorim, que coordena as investigações.
“Quando os policiais civis chegaram ao local do crime, foram abordados pelos policiais militares, que diziam ‘E aí, delegado, como é que vai ser? Não pode sair ninguém vivo daqui’, num claro sinal de intimidação. A intimidação era para que os policiais civis aderissem aos crimes ou poderiam se tornar vítimas também”, afirmou o promotor Amorim.
O promotor de justiça Leonardo Caldas reforçou a tese de execução ao informar que a prova técnica produzida até o momento caminha neste sentido. “Os tiros dados nas vítimas não foram à distância. Parte dos tiros foi dada à queima-roupa. A direção destes foi de cima para baixo. Tudo isso, desde que recebemos a prova pericial, indica a execução. Nenhuma das dez vítimas tinha resquícios de pólvora nas mãos. É difícil imaginar cenário de confronto se em um dos lados não houve resistência”, ressaltou.
Prisão temporária
Segundo os promotores do MPPA, as 13 prisões temporárias foram solicitadas para que não haja interferências nas investigações, após o órgão receber informações de que PMs suspeitos de participação nas mortes estavam abordando e intimidando policiais civis e outras testemunhas.
A prisão pode ser prorrogada ou convertida em prisão preventiva, conforme análise do MPPA, responsável pela ação penal. Alfredo Amorim destacou que o pedido foi destinado a 13 policiais pois não há indícios, até o momento, de que outros agentes da segurança publicaram tiveram envolvimento nas mortes.
Oito dos nove policiais que se apresentaram espontaneamente em Redenção após terem prisão determinada pela justiça foram trazidos para Belém na tarde desta segunda. O policial que se entregou no interior do estado e não estava com o restante do grupo deve chegar na terça-feira (11).
O MPPA informou que as investigações continuam para apurar novos elementos que auxiliem no esclarecimento das mortes e algumas medidas ainda dependem de laudos técnicos. Uma das linhas de investigação é de que houve um suposto financiamento das mortes na fazenda Santa Lúcia.
“Serão responsabilizados não só aqueles que agiram para ceifar a vida das pessoas, como também aqueles que deveriam ter agido para evitar ou tomar providências imediatas por conta do crime que foi praticado”, disse o procurador-geral de justiça do Pará, Gilberto Martins.
A prisão dos 13 policiais foi pedida pelos promotores de Justiça de Redenção Alfredo Martins de Amorim, José Alberto Grisi Dantas e Leonardo Jorge Lima Caldas. Os policiais que tiveram prisões temporárias determinadas pela justiça são:
– Advone da Silva;
– Carlos Gonçalves de Souza;
– Cristiano da Silva;
– Douglas da Silva Luz;
– Euclides Lima Júnior;
– Jonatas Pereira e Silva;
– Neuily Sousa da Silva;
– Orlando Cunha;
– Welington Lira;
– Ricardo Moreira;
– Rodrigo de Souza;
– Rômulo Neves;
– Ronaldo Silva.
A defesa dos dois policiais civis que tiveram prisão decretada infromou que não irá se manifestar. Já o advogado dos 11 PMs informou, por telefone, que recebeu com perplexidade a decisão, já que os policiais militares estão colaborando com as investigações. Ele disse que irá recorrer da decisão.
Os policiais militares fizeram exames de corpo de delito e foram levados para o comando geral, onde ficam presos os PMs em Belém. Os policiais civis são levados para o quartel do Corpo de Bombeiros.
Em entrevista coletiva, o secretário de segurança do Pará, Jeanot Jansen, informou que não ficou surpreso com o pedido de prisão temporária dos policiais. Ele informou que irá aguardar a conclusão do inquérito para se manifestar sobre o caso.
A chacina
A chacina de Pau D’Arco, como o crime ficou conhecido, aconteceu no dia 24 de maio, na fazenda Santa Lúcia. Um grupo de policiais civis e militares foi até a fazenda para dar cumprimento a mandados de prisão de suspeitos de envolvimento na morte de Marcos Batista Ramos Montenegro, um segurança da fazenda que foi assassinado no dia 30 de abril.
De acordo com a polícia, os assentados tinham um arsenal de armas de fogo e reagiram à presença dos policiais. Houve troca de tiros, que resultou nas mortes, mas familiares das vítimas e sobreviventes alegam que a ocupação da fazenda era pacífica, que os policiais chegaram de forma truculenta e atiraram sem provocação.
Segundo a Comissão de Direitos Humanos da Alepa, no dia em que os posseiros foram mortos, policiais envolvidos na operação retiraram os corpos antes que perícia fosse realizada.
Perícia e reconstituição
A Polícia Federal realizou a reconstituição para levantar o que ocorreu na fazenda Santa Lúcia. Sessenta atores participam da reconstituição, considerada a maior reprodução de crime já realizada pelos policiais do Pará. Além dos atores, uma equipe de peritos criminais federais de Belém e Brasília, Policiais Civis e Militares e peritos criminais do Centro de Perícias Científicas Renato Chaves também acompanharam a reconstituição.
Sobreviventes disseram que os posseiros foram executados. Policiais que participaram da operação afirmaram que houve confronto.
A perícia feita nos corpos concluiu que nove posseiros foram baleados no peito e uma mulher atingida na cabeça com um tiro à queima-roupa. Ainda segundo os peritos, não havia marcas de bala nos coletes dos policiais.
Outra morte
Na sexta-feira (7), o agricultor Rosenilton Pereira de Almeida foi assassinado no município de Rio Maria, no sul do Pará. A Polícia Civil disse que investiga se o assassinato de Rosenilton tem ligação com as mortes dos dez posseiros na fazenda Santa Lucia.
Segundo a Comissão Pastoral da Terra, Rosenilton liderava um grupo de camponeses que voltou a ocupar a fazenda há quinze dias. Testemunhas disseram que dois homens em uma moto abordaram Rosenilton quando ele saía desta igreja. Ele foi assassinado com quatro tiros.