Por Eduardo Reina

Um anexo de relatório do Exército sobre a guerrilha do Araguaia revela que foi utilizado napalm no ataque.

O documento “Manobra Araguaia/72 – Apoio Aéreo – Anexo D” é assinado pelo tenente-coronel Flarys Guedes Henriques de Araújo, então chefe da 3ª Seção do BEM/11, em novembro de 1972.

O bombardeio com napalm, uma bomba incendiária composta por uma resina, agente espessante, que misturado a gasolina gelificada se transforma num gel pegajoso e incendiário, foi muito utilizado pelo exército dos Estados Unidos na guerra do Vietnã, no mesmo ano em que a Força Aérea Brasileira o utilizou no Araguaia: 1972.

Para tentar descobrir esconderijos e para atacar os guerrilheiros dentro da floresta amazônica, a Força Aérea jogou napalm em três áreas no sul do Pará, região do Araguaia.

“As missões pretendidas pelo CMP (Comando Militar do Planalto), aqui mencionadas no item 1, foram executadas no decorrer das operações; há a acrescentar àquele repertório o bombardeio de três áreas com bombas ‘napalm’ e de emprego geral”, registrou o tenente-coronel no documento classificado como “secreto” pelas forças militares.

O item 1 do relatório, a que se refere Araújo descrevia o apoio aéreo pretendido e solicitado à Força Aérea, durante a Manobra Araguaia/72. A ação visava essencialmente permitir ao comando do CMP a realização de atividades como transporte de tropas, de suprimentos, evacuação aeromédica, reconhecimento aéreos e missões aerofotográficas, apoio aéreo aproximado, atividades de busca e salvamento e controle de tráfego aéreo civil na região do Araguaia.

Mas não especificava o bombardeio com o agente napalm. O comando do CMP estava a cargo do general Orlando Geisel, ministro do Exército.

Veja a íntegra do documento ao final da matéria

O uso de napalm em guerras produziu uma foto clássica. Uma garotinha correndo nua, chorando, com o corpo queimado por napalm após um ataque com a bomba incendiária.

Kim Phuc, hoje com 58 anos, tinha 9 anos quando foi atingida por napalm. Ela realizou tratamento a laser no ano de 2010 para suavizar as dores do corpo e no tecido cicatrizado em todo seu braço esquerdo, pescoço e costas queimados no bombardeio.

O napalm gruda na pele. As vítimas não conseguem escapar do calor intenso. Kim Phuc teve a pele destruída até a camada de colágeno. Foram criadas cicatrizes profundas, com até quatro vezes a espessura da pele.

“Jogaram napalm lá na floresta, perto de onde estavam os guerrilheiros. Jogaram junto com bombas”, lembra Pedro Matos do Nascimento, o Pedro Marivete, camponês na região de São Domingos do Araguaia, que foi preso e torturado num centro de tortura em Marabá na década de 1970, a chamada Casa Azul. Marivete hoje é anistiado político.

A utilização da bomba incendiária napalm no Araguaia foi realizada de forma não oficial. Sequer constou dos relatórios oficiais assinados pelos generais Olavo Vianna Moog e Antônio Bandeira, segundo os jornalistas Taís Morais e Eumano Silva no livro “Operação Araguaia”.

Esses relatórios estão contidos em uma pasta azul com o título “Manobra Araguaia 72” com mapas, fotografias e documentos timbrados do Ministério do Exército e Comando Militar do Planalto. A Manobra Araguaia contou com forças do Exército, Marinha e Aeronáutica e registram as ações contra os militantes do PC do B na guerrilha do Araguaia.

O Anexo D não revela quanto foi utilizado de napalm. Nem as localidades onde o desfolhante foi jogado. Mas mostra que foram realizadas 551 horas de voo, com o consumo de 184.500 litros de combustível.

Detalha ainda que foram transportados 675 homens por quatro helicópteros e 13 aviões utilizados nessas missões pela FAB.

Em 1998, a Folha de S.Paulo havia publicado matéria que dizia que um artigo, escrito pelo coronel do Exército Álvaro de Souza Pinheiro, apontava que a Força Aérea Brasileira havia bombardeado a Serra das Andorinhas, na região do Araguaia, no sul do Pará, durante os combates à guerrilha.

O texto está contido na revista Airpower Journal, da Força Aérea do Estados Unidos.

Agora, os documentos secretos do próprio Exército comprovam o uso dessa arma cruel, condenada por organismos internacionais.

As Forças Armadas não se pronunciam sobre este episódio.

Abaixo, trecho do documentário “Camponeses do Araguaia – A Guerrilha Vista por Dentro”, de Vandré Fernandes, com imagens de um bombardeio aéreo.

 

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