A empresária Maria Inez Resplande de Carvalho, viúva de Honorato Babinski, herdou com os três filhos a fazenda Santa Lúcia com 5.694 hectares, no município de Pau D´Arco, a 50 quilômetros de Redenção, no Sul do Pará. A partir do ano de 2013, a propriedade foi ocupada por trabalhadores rurais sem-terra, iniciando uma série de conflitos que teve seu ápice no dia 24 de maio, durante uma operação das polícias Civil e Militar para cumprir mandados de prisão contra acusados da morte de um segurança da fazenda. Dez trabalhadores rurais foram mortos a tiros. Os policiais dizem que foram recebidos à bala e revidaram. Testemunhas da chacina, porém, afirmam que os sem-terra foram torturados e executados. O Ministério Público Federal, a pedido do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), determinou que a Polícia Federal investigasse o crime. Ninguém foi preso ainda.
Como parte das investigações a Secretaria de Segurança Pública do Pará afastou das atividades 29 policiais, sendo oito da Polícia Civil, incluindo dois delegados, e 21 da Polícia Militar, por acusação de envolvimento na chacina. A secretaria diz que o afastamento, que é temporário, foi em conformidade com uma resolução do Conselho Estadual de Segurança Pública. Mas a seccional paraense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PA) pediu afastamento dos policiais até a conclusão das investigações.
De Goiânia, onde reside e tem negócios no ramo imobiliário, Maria Inez Resplande de Carvalho falou por telefone na última quarta-feira (31) com a agência Amazônia Real sobre o conflito agrário envolvendo os sem-terra, a tentativa de venda da propriedade ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), a morte de um segurança da fazenda e a chacina em Pau D´Arco.
“A gente fica assustada, não imaginava isso. A gente espera que a pessoa vai se entregar, é isso que a gente espera”, diz Maria Inez Resplande, sobre as mortes dos 10 sem-terra.
“Tenho os meus questionamentos também: quem estava por trás disso? Quem financiava armas para o bando? Eles tinham armamento forte, inclusive pistola de uso restrito da polícia”, completa.
A entrevista foi precedida por uma autorização da advogada Olga Moreira, pois, segundo Maria Inez, é a primeira vez que a família se manifesta à imprensa nacional. No Pará, os Babinski têm negócios nos ramos agropecuário e madeireiro.
À reportagem, a advogada encaminhou um documento com relato histórico do conflito agrário na fazenda Santa Lúcia 1, que envolve ocupações de trabalhadores rurais sem-terra a partir de 2013 e três reintegrações de posse determinadas pela Justiça do Pará em 27 de janeiro de 2016, 23 de fevereiro e 20 de abril de 2017.
Segundo o documento, a fazenda Santa Lúcia 1 era de propriedade do fazendeiro Honorato Babinsk, que faleceu em 17 de março de 2013 aos 74 anos de idade. “A propriedade é legalizada e produtiva, tendo como atividade principal a agropecuária. Ele deixou três filhos e a esposa, o que, para alguns da região, começaram a ver a família como alvo vulnerável”, diz o relato da família.
Conforme o documento, a primeira ocupação de sem-terra na fazenda Santa Lúcia aconteceu em 30 de outubro de 2013. “Desde então a propriedade sofre com esbulho possessório, o que teoricamente não deveria existir, pois se localiza aos fundos de uma propriedade rural e sua divisa é com Assentamento Guarantã, que apresenta natureza pacífica por muitos anos.
Conforme os Termos de Boletim de Ocorrência registrados contra os invasores constam uma sucessão simultânea e habitual de crimes, dentre eles: ameaças de morte, desmatamento, incêndios, tentativa de homicídio, cárcere privado, matança de semoventes [bovinos, ovinos e suínos], queimadas em áreas de preservação, extração ilegal de madeira, furto de arames e estacas, além do crime de dano qualificado”.
Segundo o relato da família Babinski, a primeira ação de reintegração de posse com pedido de liminar foi ajuizada em 2013. “Em 4 de novembro de 2015, a propriedade sofreu esbulho novamente, sendo invadida pelas mesmas pessoas e com apoio da Fetraf [Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar do Pará], sendo que a liminar foi cumprida no dia 27 de janeiro de 2016. Em 17 de outubro de 2016 ocorreu nova invasão.”
De acordo com o relato da família, em 09 de fevereiro de 2017, um dos proprietários da fazenda sofreu ameaças. “Ele foi mantido em cárcere privado, sem beber, sem comer, sendo torturado psicologicamente, ouvindo repetidas vezes que se voltasse à fazenda seria morto, ato liderado por “Tonho”, Antônio Pereira”, diz o documento.
Antônio Pereira Milhomem é uma das dez pessoas mortas durante a operação da polícia na fazenda Santa Lúcia 1, no dia 24 de maio, sendo seis de sua família: o casal Jane Júlia de Oliveira e Ronaldo Pereira de Sousa, Wclebson Pereira Milhomem, todos com mandados de prisão preventiva, além de Regivaldo Pereira da Silva, Weldson Pereira da Silva e Nelson Souza Milhomem. Também morreram os sem-terra Bruno Henrique Pereira Gomes, Hércules Santos de Oliveira e Ozeir Rodrigues da Silva.
Ainda segundo o relato da família Babinski, a liminar de reintegração de posse da fazenda foi revigorada, sendo cumprida em 23 de fevereiro de 2017. Na ocasião, um oficial de Justiça esteve na propriedade notificando as mesmas pessoas que habitualmente invadiam para que deixasse a propriedade em 24h, sob pena de multa, e foi atendida a notificação.
“No entanto, três dias depois, as mesmas pessoas retornam (26/02/2017), desta vez, muito mais violentas, chegaram com bastante armas, escorraçando funcionários e ameaçando que matariam todos os gados.”
Morte de segurança foi estopim
Segundo a família Babinski, no dia 23 de março de 2017, a Justiça “revigorou a liminar para a terceira reintegração de posse. A decisão judicial ressaltou que, se fosse o caso, efetuasse prisões em flagrante daqueles que incorressem no crime de desobediência. A liminar foi cumprida em 20 de abril de 2017, quando pessoas foram conduzidas até a delegacia. Em 30 de abril de 2017, houve nova emboscada no interior da propriedade que resultou na morte do vigilante Marcos Batista Ramos Montenegro,” diz o documento.
O Incra diz que tentou comprar a fazenda por R$ 21,9 milhões para fazer a reforma agrária e assentar 87 famílias sem-terra. Mas a família desistiu e requereu o arquivamento do processo administrativo. Os herdeiros dizem que desistiram do negócio por morosidade do órgão federal. Leia a entrevista a seguir:
Amazônia Real – Como a senhora recebeu a notícia do conflito com dez mortes de sem-terra na fazenda Santa Lúcia 1?
Maria Inez Resplande – A gente fica assustada, não imaginava. A gente espera que a pessoa que está cumprindo um crime, vá se entregar. É isso que a gente espera.
Amazônia Real – Há uma suspeita de participação de seguranças da fazenda no massacre. O que a senhora tem a dizer?
Maria Inez Resplande – Essa informação eu não posse lhe dar porque eu não estava lá. O que me passaram na empresa [Elmo Segurança Especializada] é que a polícia, quando vai fazer esse trabalho, não pede nada para ninguém. Simplesmente pediram os locais onde eles [os seguranças] sofreram emboscadas, porque foram várias emboscadas e várias tentativas de homicídio. Agora, a gente não tem que falar do ocorrido, a gente tem que esperar o inquérito e as informações da polícia.
Amazônia Real – Qual é a situação da empresa Elmo Segurança junto à Polícia Federal?
Maria Inez Resplande – Quando a gente contrata uma empresa de segurança, nós checamos junto à Polícia Federal. Ela continua ativa. Nós checamos novamente, e na Polícia Federal está tudo certo com a empresa. Eu contratei uma empresa ativa. Eu tive esse cuidado. Já contratamos outra empresa de segurança, fiz a mesma coisa, chequei antes.
Amazônia Real – Por que a família desistiu de vender a fazenda para o Incra?
Maria Inez Resplande – O Incra fez uma proposta de compra e venda direta da fazenda. Foi feito uma vistoria pelo Incra, que solicitou vários documentos ao Interpa [Instituto de Terras do Pará] e checaram todos os documentos da fazenda. O Incra só faz uma proposta de compra e venda direta quando está tudo legal. Nós tivemos muita resistência para aceitar a compra e venda. O Incra demorou muito para fazer a avaliação, para falar o valor e não marcou a audiência pública. Com a morosidade do Incra, nós tomamos a decisão de enviar uma carta, que foi protocolada no Incra, relatando a insatisfação e desistimos do negócio. O Dr. Ailtamar [advogado especializado na questão agrária, Ailtamar Silva] é a melhor pessoa para falar sobre isso. Nós desistimos de vender a fazenda ao Incra. Fomos procurados novamente, mas nós não temos interesse. Nós sabemos o que vivemos. Vivemos um verdadeiro terrorismo. Eu penso que, se essas pessoas conseguirem ter essa terra, vão incomodar outros proprietários. Nunca tomei um remédio na minha vida. Meus três filhos e eu tomamos remédio de tarja-preta por conta de toda situação que já vinha ocorrendo conosco, e a gente pedindo socorro, pedindo atendimento da polícia.
Amazônia Real – O que a senhora quer dizer com “vivemos um verdadeiro terrorismo”?
Maria Inez Resplande – Em 21 de abril de 2017 estávamos começando a reestruturar a fazenda, após a terceira reintegração de posse [cumprida em 20 de abril]. Um tratorista estava lá e, de repente, fomos surpreendidos por um bando se aproximando da cerca. Eles entraram, as imagens de vídeos mostram isso. O “Tonho” estava com uma arma na mão. Eles partiram contra o meu filho, que teve o carro atingido por um tiro. Minha nora estava no carro também. Um segurança foi baleado, mas graças a Deus teve a sorte de não ser morto. Foi um dia de terror. Acho que a tentativa era de matar alguém para desestruturar a nossa família e a gente vender a fazenda a preço vil para alguém que tem interesse em comprar. Esse pressão é para justamente acontecer isso. Esse povo [os sem-terra] está há mais de 14 anos fazendo esse tipo de coisa.
Amazônia Real – Quem queria que a família desistisse do negócio com o Incra?
Maria Inez Resplande – Esse é o histórico do Estado do Pará. Quando a gente fica viúva com filhos jovens, é muito forte isso no Pará, a gente sofre pressões para vender a fazenda. Eu sempre fui pela Justiça, mas tem muitas pessoas interessadas em comprar terras a preços vil. No histórico do Pará existe isso, alguém que tem muito poder na região quer comprar a fazenda a preço baixo e coloca gente para perturbar. Já houve mortes assim, vários casos. Uma amiga já passou por isso. Mataram o marido dela. Ela não tinha experiência nenhuma, ela vendeu a fazenda. Tem vários casos assim. Eu acredito que tenha um peixe grande por trás disso. Isso deve ser investigado também.
Amazônia Real – Na sua opinião, as pessoas que morreram não eram sem-terra?
Maria Inez Resplande – Tenho os meus questionamentos também: quem estava por trás disso? Quem financiava armas para o bando? Eles tinham armamento forte, inclusive pistola de uso restrito da polícia.
Durante a entrevista, a reportagem perguntou a opinião de Maria Inez sobre a operação policial e a suspeita de execução dos sem-terra, mas ela não respondeu as perguntas.