As lideranças indígenas Munduruku divulgaram uma nova carta na quarta-feira (23) na qual exigem das empresas responsáveis pela construção e administração das usinas hidrelétricas Teles Pires e São Manoel, ambas na divisa de Mato Grosso com o Pará, uma indenização de R$ 300 milhões pelo dano moral coletivo ao povo pela retirada de cemitérios de 12 urnas funerárias. Elas contêm restos mortais dos ancestrais. A iniciativa das empresas causou sofrimento aos parentes dos mortos.
As peças em cerâmica foram retiradas de cemitérios por arqueólogos contratados pelas empresas durante as obras de construção das usinas, em 2014. Os Munduruku dizem que não foram consultados.
A empresa Companhia Hidrelétrica Teles Pires S/A (CHTP) diz, em nota pública, que as urnas “foram resgatadas e catalogadas e, após orientações do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), em consonância com o Ministério Público Federal (MPF), estão mantidas no Museu de História Natural de Alta Floresta (MT) sob a guarda da empresa”.
Os índios não sabiam do paradeiro das urnas até o dia 20 de julho passado, quando visitaram o museu após um protesto no canteiro de obras da usina São Manoel.
O pedido de indenização dos índios Munduruku, conforme apurou a reportagem, precisa ser analisado primeiro pela Justiça Federal, instituição que pode determinar a abertura de um processo por dano moral coletivo favorável à etnia indígena.
O MPF em Mato Grosso, que pode ingressar com uma ação civil pública, já confirmou que recebeu a carta das lideranças, mas não fez declarações à imprensa sobre o caso. O órgão disse que enviará a carta às empresas CHTP e Empresa de Energia São Manoel (EESM).
O documento é o resultado do 1º. Encontro dos Caciques do Povo Munduruku do Alto Tapajós, que aconteceu entre os dias 15, 16 e 17 desde mês, reunindo 508 pessoas, entre elas, 136 caciques, 11 pajés, mulheres, estudantes e professores na Aldeia Sai Cinza, em Jacareacanga, no sudoeste paraense.
Na carta enviada ao Ministério Público Federal (MPF) e à Fundação Nacional do Índio (Funai), os Munduruku reivindicam do governo Michel Temer (PMDB) a demarcação dos territórios Sawre Muybu, Sawre Jaybu, Sawre Apompu, Apiaká do Pontal e Isolados, todos ameaçados por obras de hidrelétricas na bacia do rio Tapajós, no Pará.
Na reunião, as lideranças também discutiram o fortalecimento, incentivo e promoção nas aldeias Munduruku. Tomaram decisões e aprovaram, por unanimidade, o nome do cacique Adaisio Munduruku, 34 anos, como o novo presidente da Associação Indígena Pusuru. Estiveram presentes à reunião lideranças das associações Kerepo, Wuyxaxima, Dace, Da´uk, Waro Orebu, Aro, Pariri, Apiaká Sawara, Movimento Ipereg Ayu, professores (as) e representantes da organização Mulheres Munduruku.
Também participaram do encontro na aldeia Sai Cinza representantes da Federação dos Povos Indígenas do Pará (Fepipa), da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia (Coiab), do Serviço Florestal Brasileiro, da Funai, do ICMBio e padres da Igreja Católica.
Em entrevista à Amazônia Real, o cacique Adaisio Munduruku, presidente da Pusuru, disse que os pajés decidiram que as 12 urnas funerárias (artefatos de cerâmica) serão enterradas, ainda este ano, num local próximo de onde foram retiradas na região da aldeia Teles Pires, em Mato Grosso.
“Esse pedido de indenização não pagará o nosso sofrimento, mas servirá para garantir recursos financeiros para educação, saúde em todas as 138 aldeias Munduruku”, disse Adaisio Munduruku, que enviou a carta à agência Amazônia Real.
A ocupação de São Manoel
Em julho passado, cerca de 200 indígenas Munduruku ocuparam o canteiro de obras da hidrelétrica São Manoel, em Mato Grosso, onde trabalham 2.500 operários, em protesto contra os impactos socioambientais das barragens das usinas, incluindo Teles Pires. Eles exigiram a devolução das 12 urnas funerárias.
A desocupação do canteiro aconteceu após a Justiça Federal, a pedido do MPF em Sinop (MT), determinar que o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), general Franklimberg Ribeiro de Freitas, se reunisse com as lideranças. Na ocasião, os pajés e lideranças visitaram o Museu de História Natural de Alta Floresta, onde puderam ter acesso às urnas no dia 20 de julho.
“Algumas dessas urnas funerárias são as que a empresa UHE Teles Pires destruiu nos lugares sagrados em Sete Quedas. Os caciques, juntos com os pajés, são os responsáveis em definir o local onde serão enterradas as 12 urnas, e isso foi decido no nosso encontro”, disse, em entrevista à reportagem, Candido Waro Munduruku, liderança que esteve na reunião na Aldeia Sai Cinza, no Pará.
Além da devolução das urnas, os índios Munduruku querem um pedido de desculpas por parte das empresas responsáveis pelas obras das usinas de Teles Pires e São Manoel. O lugar que eles classificam como sagrado são as Corredeiras Sete Quedas, onde vive a “Mãe dos Peixes” e os espíritos dos ancestrais. “Um lugar onde não se deve mexer.” O local ficou inundado pela barragem da hidrelétrica de Teles Pires. Segundo as lideranças, a região servia para a reprodução de peixes, base da alimentação dos índios. Entre as espécies estão o pintado, o pacu, o pirarara e o matrinchã.
A hidrelétrica Teles Pires foi construída no rio Teles Pires, afluente do Tapajós, entre os municípios de Jacareacanga (PA) e Paranaíta (MT). É administrada pela Companhia Hidrelétrica Teles Pires S/A (CHTP), Sociedade de Propósito Específico (SPE), responsável por construir e fazer operar a UHE Teles Pires. É constituída pelo Consórcio Teles Pires Energia Eficiente, formado pelas empresas Neoenergia, Eletrobras-Eletrosul, Eletrobras-Furnas e Odebrecht Energia.
Já a usina hidrelétrica São Manoel está localizada entre Jacareacanga, no Pará, e Paranaí e Apiacás, em Mato Grosso. A usina é administrada pela Empresa de Energia São Manoel (EESM), consórcio responsável pela construção da hidrelétrica e formado pelos acionistas EDP Brasil S.A., Furnas Centrais Elétricas e China Three Gorges Corporation (CTG).
O que dizem as empresas?
Na ocasião da ocupação do canteiro de São Manoel, em julho, a CHTP divulgou uma nota à imprensa em que declara que as 12 urnas funerárias dos índios Munduruku foram “encontradas nas proximidades do canteiro de obras da Usina Hidrelétrica Teles Pires, durante o trabalho de monitoramento arqueológico. Disse que as peças “foram resgatadas e catalogadas pela empresa Documento Cultural, responsável pelos estudos e, após orientações do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), em consonância com o Ministério Público Federal, estão mantidos, desde sua descoberta, sob a guarda da CHTP em Alta Floresta”.
Segundo a nota, “a empresa CHTP vem buscando auxiliar o povo Munduruku na destinação definitiva destas peças que, após orientação do Iphan, foi encaminhado, no início deste mês (de julho), para uma sala de reserva técnica do Museu de História Natural, reservada especialmente para sua guarda e acondicionamento.”
“Desde seu resgate e catalogação, a CHTP sempre manteve o material sob sua guarda em Alta Floresta, em ambiente devidamente climatizado e com umidade monitorada. Desse modo, até que o povo Munduruku aponte o local adequado à destinação final das peças, com a concordância e anuência da Funai e do Iphan, a CHTP garante a guarda e preservação dos vasilhames na sala de reserva técnica do Museu de Alta Floresta onde estarão devidamente guardadas, com segurança e seguindo normas e padrões de armazenamento de peças arqueológicas”, diz a nota.
A reportagem não localizou representantes da assessoria da empresa EESM, responsável pela obra a usina de São Manoel, para falar sobre o pedido de indenização dos Munduruku. A Amazônia Realenviou perguntas para empresa CHTP, que administra a hidrelétrica Teles Pires. A assessoria de imprensa disse que a empresa não foi comunicada oficialmente sobre o pedido de indenização. “A Companhia Hidrelétrica Teles Pires só irá se manifestar depois que receber a carta ou se for comunicada oficialmente pelos órgãos envolvidos ou pelo próprio povo Munduruku”, diz a nota da empresa.
O Munduruku se autodenominam Wuyjuyu, que quer dizer em português “formiga vermelha”, nome em alusão aos guerreiros o povo. O grupo indígena com mais de 15 mil pessoas vive em aldeias entre os estados do Mato Grosso, Pará e Amazonas. Leia mais sobre a ocupação da usina São Manoel aqui.