Os últimos tiros disparados pelo tenente da reserva José Vargas Jimenez, 68 anos, o “Chico Dólar”, foram contra o próprio peito. Ao voltar do mercado, na manhã de quinta-feira (31), a esposa do militar, encontrou-o caído no chão do quarto da casa no Bairro Nossa Senhora das Graças, em Campo Grande. Os familiares não comentaram o que motivou o suicídio, mas confirmaram a causa da morte.
Fonte da família, ouvida pelo Campo Grande News, afirmou que não havia razões aparentes para Jimenez se matar. “Ninguém suspeitava de nada”, disse. O militar, que disparou dois tiros contra o peito, foi levado com vida para a Santa Casa de Campo Grande e submetido à cirurgia. Teve três paradas cardíacas e morreu. Ele foi sepultado no cemitério Memorial Park.
A morte de Jimenez, ex-chefe de grupo de combatentes durante a operação “Marajoara” na guerrilha do Araguaia (1967 a 1974) teve, até o momento, pouca repercussão na mídia. Ele ganhou notoriedade entre os colegas de fardas ao escrever dois livros (“Bacaba – Memórias de um Guerreiro de Selva da Guerrilha do Araguaia”, em 2007, e “Bacaba II – Toda a Verdade sobre a Guerrilha do Araguaia e a Revolução de 1964”, publicado em 2011) sobre a guerrilha.
“Bacaba” era o nome de espécie de acampamento dos combatentes militares do Araguaia. Ficava em fazenda do mesmo nome, na rodovia Transamazôniza, na divisa entre o Pará e Tocantins. Em depoimento à Comissão Especial da Lei da Anistia, da Câmara dos Deputados, no dia 3 de dezembro de 2008 (leia na íntegra), Jimenez falou, entre outros assuntos, sobre a Bacaba, para onde levou, no início da operação, 40 camponeses, suspeitos de participarem da guerrilha.
“Nesse primeiro dia [3 de outubro de 1973], nós prendemos 40 camponeses. Era difícil deslocar na selva com 40 camponeses e mais 30 que constituíam o nosso grupo. Então, o Curió [Sebastião Rodrigues de Moura, conhecido como Major Cuiró] designou dois grupos de combates, dois sargentos com curso de guerra na selva, como eu, para que levassem os 40 camponeses para a base de operações de combate Bacaba. Nós ainda não conhecíamos a base”, contou.
Conforme a contabilidade de Jimenez, foram mortos 32 guerrilheiros durante o período em que esteve no Araguaia. “Eu saí de lá dia 27 de fevereiro de 1974. Passei praticamente seis meses. E nesses seis meses morreram 32 guerrilheiros, três militares e outros dois ficaram feridos”, contou.
Ainda no depoimento à Comissão, o militar afirmou que resolveu escrever os livros para “contar a verdade”. “Tive problemas depois que saí: neurótico de guerra. Porque quando se sai de uma guerra fica-se neurótico até se readaptar à sociedade. Quer dizer, não pedi nenhuma indenização, porque achei e acho que estava fazendo a coisa certa”, disse.
Tortura – Jimenez também trabalhou no DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informação – Centro deOperações de Defesa Interna), onde participou de torturas de presos políticos. Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo (clique aqui e leia na íntegra), ele relatou um episódio de tortura psicológica para descobrir detalhes sobre roubo de oito pistolas.
Para fazer o preso confessar, ele contou que fez o seguinte: “Saí e chamei três agentes da PF, grandes, barbudos e com cara de mau. Na frente do homem [civil], perguntei aos agentes: ‘Vocês viram as duas filhinhas dele lá na favela, uma de 12 e uma de 14 anos. Vocês gostaram? Vão lá comer elas, podem ir estuprar elas’. Para proteger as filhas, ele entregou tudo”.
Quanto às torturas físicas, ele descreveu: “A gente usava socos em pontos vitais, choques elétricos, dava tapa no ouvido e botava o sujeito em cima de duas latinhas de leite condensado”.