Enquanto há, no estado, 340 pretendentes a adoção, 55 crianças ainda aguardam em abrigos por uma nova família. Série produzida pelo G1 fala sobre esta realidade no Pará.

ia, por que ele está indo e eu não?”. “E eu, quando vou?”. “Quando é que eu vou ter um pai novo, tia?”. Essas são frases ditas por crianças do abrigo Euclides Coelho, em Belém, quando veem os colegas deixarem a instituição depois que encontram uma família. No Pará, há 344 famílias em busca de crianças, um número muito maior do que de crianças disponíveis para adoção. Ainda assim, 55 meninos e meninas, acolhidos em diversos abrigos do estado, segundo o Cadastro Nacional de Adoção (CNA), permanecem em uma longa espera por um lar. Isso porque muitos deles não preenchem os perfis desejáveis pelos requerentes.

Selo Destinos Cruzados (Foto: Ilustração: Alexandre Mauro/G1)Selo Destinos Cruzados (Foto: Ilustração: Alexandre Mauro/G1)

Selo Destinos Cruzados (Foto: Ilustração: Alexandre Mauro/G1)

Destinos Cruzados é uma série de reportagens do G1 que vai mostrar o cenário da adoção no Pará, o tempo como inimigo de quem espera por uma família nos abrigos e, ainda, como a adoção tem o poder de aflorar o instinto paterno e materno.

Segundo o juiz titular da 1ª Vara da Infância e Juventude, João Augusto Figueiredo de Oliveira Jr, a maioria dos adotantes sonha com bebês de até dois anos e em boas condições de saúde, mas os meninos e meninas com mais de 10 anos são a maioria nos abrigos do estado – somam 38 entre os 55 que esperam um lar (veja gráfico abaixo). Além disso, parte dessas crianças são portadoras de HIV, de deficiência física, mental, ou doenças crônicas, que necessitam de acompanhamento especializado. Um desafio a mais para os pretendentes à adoção.

Dolorosa espera

Para uma criança ou adolescente que espera por adoção, o tempo é o maior inimigo e os dias são cheios de expectativa e esperança. Para eles, as horas passam mais devagar e seus sonhos são sempre mais modestos. P. H, de 12 anos, planeja apenas ganhar um lar antes de completar a maioridade. “Eu só quero ter um pai e uma mãe”, diz o menino P. H, de 12 anos.

P. H tem motivos para se sentir assustado com a chegada dos 18 anos. Ele poderá ficar sob a guarda do Estado somente até esta idade e, de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), depois disso o garoto precisará seguir para uma república. Só que em Belém há poucas instituições com este perfil. Assim, para o menino, cada dia vivido em um abrigo é de esperança em encontrar uma família, sobretudo para usufruir de detalhes, como um abraço.

“Parece que o tempo não passa”, diz o garoto, que já está em uma idade pouco procurada por novos pais.

 

Em todo o Brasil, apenas 0,59% dos 42.573 cadastrados aceitam crianças com até 12 anos de idade, totalizando somente 247 pretendentes. O cenário pouco animador parece deixar F. B, de 13 anos, – e seu irmão, também disponível para adoção no Euclides Coelho – conformado com a possibilidade de seguir a vida sozinho, mas nunca sem esperança, sobretudo depois de acompanhar tantos colegas saindo com seus novos pais e mães.

“Eu gosto do abrigo. Aqui vou para a escola, participo de atividades, mas quero muito encontrar uma família nova. Espero que esse dia chegue logo”, diz F. B.

 

Andreza Ferraz, psicóloga do abrigo Euclides Coelho, em Belém, explica que, em geral, as crianças menores conseguem ter instrumentais internos para passar por situações difíceis. “Elas entram, choram, estranham, mas depois elas se acostumam. Mas quando começa a passar o tempo, elas criam vínculo de amizade e os colegas começam a ir embora e ela fica. Isso começa a mexer na rotina e a criança se angustia”, diz.

Consequências comportamentais

Paula Martins, também psicóloga, acrescenta que o tempo prolongado em uma casa de acolhimento pode fomentar em crianças e adolescentes algum nível de sofrimento emocional. Ela explica que, por mais que a cultura institucional priorize o cuidado e o bem estar, o abrigo não é um lar, os vínculos familiares estão condicionados pelas circunstâncias institucionais, como um funcionário ser desligado ou pedir demissão, ou outro ser trocado de setor, por exemplo.

Some-se a isso a ansiedade de ver os colegas serem adotados e, além do sentimento de solidão pela súbita “perda” do parceiro de abrigo que agora tem uma família, a criança pode experimentar a angústia de ver esse processo repetir-se diversas vezes, mas nunca com ela. “Os efeitos psicológicos podem ser diversos e as consequências comportamentais podem ser o pouco envolvimento emocional deste menor, apatia ou desinteresse por atividades em grupo, agressividade ou baixa autoestima”, explica a psicóloga.

Vídeo mostra, além da pureza, um pouco da rotina de crianças que moram em abrigos

Vídeo mostra, além da pureza, um pouco da rotina de crianças que moram em abrigos

Mas podem surgir comportamentos completamente opostos como um apego excessivo devido o medo da perda iminente. “Estes sentimentos podem se intensificar com o passar dos anos e, na medida em que o jovem vai tomando consciência de que está atingindo a idade limite para permanecer no abrigo, podem tornar-se adultos inseguros ou com altos níveis de ansiedade. Porém, com uma equipe multiprofissional que ofereça bom suporte emocional, estes efeitos podem ser reduzidos”, explica.

Alegria no abrigo

“A maior felicidade pra gente é quando chega um pretendente e leva uma criança. É um momento muito feliz”, diz Regina Maia, assistente social do Euclides Coelho. Ela recorda um caso recente em que uma criança de 10 anos, do distrito de Mosqueiro, em situação de conflito familiar, foi levada para o abrigo junto com o irmão, já que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê que a criança não pode ser separada dos irmãos.

Por causa da idade, os dois já estavam sem perspectiva de serem adotados, mas surgiu um casal pretendente, da mesma localdiade, interessado em adotá-los. “Obrigado por ter cuidado dos nossos filhos enquanto nós não chegávamos”, disseram à assistente social do abrigo. “Foi muita coincidência. Eles moravam próximos e os caminhos deles se cruzaram”, diz Regina. Ela explica que o caso dos dois irmãos era de reincidência. Houve várias tentativas de fazer a mãe biológica ficar com os filhos, mas a genitora tinha transtorno mental.

Crianças recebem carinho e apoio nos abrigos (Foto: Fotos e Arte: Luiz Fernandes e G1/Pará )

Crianças recebem carinho e apoio nos abrigos (Foto: Fotos e Arte: Luiz Fernandes e G1/Pará )

“Observamos o amor dessa família que adotou as crianças na mesma hora. Na verdade, nós já sabemos quando vai rolar a adoção ou não, identificamos na troca de olhares cheios de amor e através de outros detalhes. É como um nascimento para os pretendentes”, diz a psicóloga. “Uns avaliam a criança da cabeça aos pés, mas outros já chegam se emocionando e se apaixonam no primeiro olhar”, conclui.

Veja o vídeo citado no link abaixo.

FONTE: https://g1.globo.com/pa/para/noticia/destinos-cruzados-no-pa-maior-parte-das-criancas-que-aguarda-por-adocao-esta-fora-do-perfil-procurado-por-futuros-pais.ghtml