Em discurso para ganhar apoio ao processo de privatizações, governador tucano elogia linha privatizada e omite problemas de sua gestão nas linha públicas. Justiça vê processo suspeito
A Justiça determinou a suspensão do leilão de privatização das linhas 5-Lilás e 17-Ouro do Metrô – objeto da greve de 24 horas promovida hoje pelos metroviários de São Paulo. Na decisão, o juiz Adriano Marcos Laroca, da 12ª Vara de Fazenda Pública, acolhe pedido feito pelos vereadores paulistanos Sâmia Bomfim e Antônio Vespoli, ambos do Psol. E reitera os argumentos de que os requisitos técnicos exigidos para o leilão privilegiam a participação de duas empresas privadas nacionais – CCR e Invepar.
“O estado de São Paulo não tem autorização constitucional para conceder o serviço público de transporte metroviário de passageiros da capital”, afirma Laroca em seu despacho. Ele aponta ainda danos ao patrimônio público, como “fixação de valor irrisório para pagamento da outorga fixa dos serviços, em torno de 180 milhões de reais (valor mínimo), correspondente a apenas 2,69% dos custos das duas linhas acima nos últimos quatro anos”.
No início da manhã desta quinta-feira (18), o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), publicou um vídeo em rede social criticando a greve dos metroviários, que paralisou parcialmente as linhas de metrô e trem da capital paulista, em protesto contra a privatização das linhas 5-Lilás e 17-Ouro. Por outro lado, Alckmin enalteceu o funcionamento da Linha 4-Amarela, destacando sua operação normal em função do fato dela ser privatizada.
“Essa absurda greve de parte dos metroviários, contrariando decisão judicial de ter 80% dos trens em horário de pico, reforça nossa convicção com relação à concessão das linhas 5 e 17. A Linha 4, operada pela iniciativa privada, é a única operando normalmente. Queremos ampliar os serviços de trens e metrô, e com melhor qualidade”, diz a postagem do governador.
O elogio à linha privatizada, entretanto, omite os panes no sistema sobre trilhos nos últimos cinco anos, cujos dados indicam que a Linha 4-Amarela (Luz-Butantã), operada pelo consórcio ViaQuatro, mesmo sendo menor, mais nova e ter menos trens rodando, apresenta mais problemas graves, em termos relativos, com lentidão ou interrupção do serviço, do que as quatro linhas operadas pela empresa estatal.
Desde 2012, foram 446 falhas em todo o sistema. Se em termos nominais as Linhas 1-Azul (Jabaquara-Tucuruvi), 2-Verde (Vila Madalena-Vila Prudente) e 3-Vermelha (Corinthians/Itaquera-Palmeiras/Barra Funda) sofreram mais panes do que a Linha 4-Amarela, quando se considera a idade das linhas, sua extensão, o volume de passageiros transportados e o número de trens em operação, a situação se inverte.
A Linha 4-Amarela, elogiada pelo governador tucano, tem 1,25 pane por quilômetro e 1,14 pane por trem em operação, enquanto a Linha 1-Azul tem 1,12 pane por quilômetro e 0,57 pane por trem em operação, a Linha 2-Verde tem 1,22 pane por quilômetro e 0,81 pane por trem em operação, e a Linha 3-Vermelha tem também 1,22 pane por quilômetro e 0,67 pane por trem em operação.
“Todo elogio que o governo faz a Linha 4-Amarela, na verdade tem a intenção de tentar ganhar a população para aprovar esse modelo de privatização e favorecer novas concessões, porque são empresas que sempre ajudaram nas campanhas eleitorais do governador”, afirma Alex Santana, diretor do Sindicato dos Metroviários de São Paulo. “O governo faz de tudo pra tentar convencer a população, haja vista que pesquisas recentes mostram que a população, em geral, é contra as privatizações. É um jogo de informações e a população fica meio sem saber, de fato, o que é esse modelo, quais as consequências. Há uma certa divisão, mas o apoio contra as privatizações é sempre maior”, completa.
Lucro para um, prejuízo para outros
Os problemas de operação da Linha 4-Amarela, todavia, não são por falta de recursos. Em quatro anos, a remuneração por transporte de passageiros repassada pelo governo paulista para a concessionária privada ViaQuatro, cresceu três vezes mais que o número de passageiros transportados anualmente.
O número de passageiros na Linha 4-Amarela subiu de 170,3 milhões, em 2012, para 200,4 milhões, em 2016, um aumento de 17%. Entretanto, o valor repassado pelo governo de Geraldo Alckmin para a concessionária subiu de R$ 261,6 milhões, em 2012, para R$ 415,6 milhões, em 2016, alta de 58%, mais que o triplo do número de passageiros. No mesmo período, a inflação foi de 30,51%, segundo dados do Banco Central.
Todo o valor recebido com tarifas pelas cinco linhas do Metrô, pelas seis linhas da CPTM e pela ViaQuatro é concentrado na Câmara de Compensação, sistema utilizado pelo governo paulista para partilha dos valores arrecadados pelo pagamento de tarifas pela população. Porém, como o concessionário tem prioridade no saque, o sistema estatal acaba prejudicado. O governo Alckmin já deixou de repassar R$ 1,1 bilhão ao Metrô entre 2011 e 2015, por conta da regra que determina que a Linha 4-Amarela tem prioridade no saque da Câmara de Compensação.
Além disso, enquanto as linhas estatais recebem o valor pago pelo passageiro ou o proporcional pela integração, a concessionária ViaQuatro recebe um valor estipulado em contrato. Embora o pagamento seja feito por passageiro transportado, o contrato de concessão garante ao consórcio privado um reajuste anual na remuneração, em fevereiro de cada ano, independente do reajuste da tarifa.
“A Linha 4 busca lucro. Qualidade no atendimento da população é secundário. Tem menos funcionários, inclusive na manutenção. Quando tiver 40 anos, como será? Se hoje, com seis anos de operação, tem proporcionalmente mais falhas que o sistema de 40 anos. Enquanto com o pouco investimento que as linhas estatais têm, ainda se prioriza a qualidade, com todo o dinheiro que a Linha 4-Amarela recebe do Estado, ela prioriza lucro. Se todo o dinheiro desviado e repassado pra ViaQuatro fosse pra investimento no sistema estatal, poderíamos ter mais linhas e menos problemas”, pondera Alex Santana.