Afirmação foi feita pelo Grupo Tortura Nunca Mais-RJ
por Leonardo Fernandes
Poderia ter sido mais um caso da violência do Estado no Rio de Janeiro. Marielle Franco tinha o perfil da maioria das jovens assassinadas pelas forças de segurança no país: jovem, negra e moradora de periferia. Mas a brutal execução da vereadora de apenas 38 anos não entrará só para as estatísticas da violência. Ela havia ousado chegar ao parlamento municipal carioca, com mais de 40 mil votos, sendo a quinta mais votada nas últimas eleições. O crime teve forte repercussão na mídia nacional e internacional, além de grandes mobilizações pelo país.
Fez da tribuna um importante palanque de denúncia do massacre cotidiano da juventude das favelas cariocas. Para Márcia Tiburi, filósofa, escritora e amiga de Marielle, não há dúvidas sobre os motivos do crime, ocorrido na noite da última quarta-feira (14), na região central do Rio de Janeiro.
“O crime é político. Marielle fez denúncias que a tornaram uma pessoa ‘perigosa’ para muitos. Ela está entre os indesejáveis para o sistema de opressão e privilégios. Sua execução é uma mensagem que os algozes dão aos cariocas, aos ativistas, aos lutadores. Trata-se de um evidente silenciamento em função da voz que ela era. A voz de todas nós e a voz das mulheres negras, das favelas, da comunidade que é massacrada pelo racismo”, afirma.
Tiburi disse estar chocada com o crime, assim como todo o Brasil. “Marielle era uma das pessoas mais queridas, uma companheira para todas as horas. Eu a admirava imensamente. Por sua inteligência, sua coragem e também por sua potência. Marielle era uma amiga, além de ser uma companheira de luta”.
O crime
Marielle Franco foi assassinada a tiros na noite da última quarta-feira (14), por volta das 21h, no bairro Estácio, região central do Rio de Janeiro. Anderson Pedro Gomes, motorista da vereadora, também morreu.
A parlamentar saía de uma atividade com ativistas negras. Um dia antes do crime, ela havia publicado nas redes sociais mais uma grave denúncia da atuação da Polícia Militar (PM) na comunidade do Acari, zona norte da capital fluminense. “Mais um homicídio de um jovem que pode estar entrando para a conta da PM. Matheus Melo estava saindo da igreja. Quantos mais vão precisar morrer para que essa guerra acabe?”, dizia a mensagem.
Em outra postagem do dia 10 de março, Marielle chamou o 41° BPM de “Batalhão da morte”. “O que está acontecendo agora em Acari é um absurdo! E acontece desde sempre! O 41° batalhão da PM é conhecido como Batalhão da Morte. Chega de esculachar a população! Chega de matarem nossos jovens”, escreveu. O batalhão é o mesmo dos policiais envolvidos na morte da menina Eduarda, também na comunidade do Acari, fato que ganhou grande repercussão nacional. No próximo dia 30 de março faria um ano da morte da adolescente de 13 anos.
A principal linha de investigação das autoridades é de execução, já que os criminosos fugiram sem levar nada. Testemunhas já foram ouvidas pela polícia, entre elas, uma assessora da vereadora que estava presente na hora do crime. Ela chegou a ser atingida por estilhaços e teve ferimentos leves. A vereadora Marielle Franco foi atingida por nove tiros, quatro na cabeça, e o motorista, Anderson Gomes, recebeu três tiros.
Reações
Partidos políticos e movimentos sociais das mais variadas matizes ideológicas divulgaram nota se solidarizando com os familiares, amigos e companheiros de militância da vereadora Marielle Franco.
O partido de Marielle, o Psol (Partido Socialismo e Liberdade) afirmou em nota que não é possível “descartar a hipótese de crime político, ou seja, uma execução. Marielle tinha acabado de denunciar a ação brutal e truculenta da PM na região do Irajá, na comunidade de Acari. Além disso, as características do crime com um carro emparelhando com o veículo onde estava a vereadora, efetuando muitos disparos e fugindo em seguida reforçam essa possibilidade. Por isso, exigimos apuração imediata e rigorosa desse crime hediondo”.
A ex-presidenta Dilma Rousseff também divulgou nota, na qual se diz “chocada, estarrecida e indignada” com o assassinato da parlamentar e seu motorista. “Espero que as investigações apontem os responsáveis por este crime abominável. As mortes violentas de Marielle e de Anderson precisam ser apuradas com o rigor da lei. Tristes dias para o país onde uma defensora dos direitos humanos é brutalmente assassinada”, afirmou.
Entidades de defesa dos Direitos Humanos também emitiram nota sobre o caso. A ONG internacional Human Rights Watch também defendeu que haja uma ‘investigação rápida, rigorosa e imparcial’, com ‘a responsabilização de todos os envolvidos’. Já o Grupo Tortura Nunca Mais considera o assassinato de Marielle como sendo “a primeira execução política da Intervenção Militar no Estado do Rio de Janeiro”. Segundo a organização, “o país está sob um Estado de Exceção em que as forças fascistas estão agindo sem qualquer limite e avançando sobre a nossa sociedade”.
Para Rose Nogueira, integrante do grupo de direitos humanos, o assassinato da vereadora carioca é mais um efeito da intervenção militar no estado. “Tudo leva a crer que se trata de uma execução política porque dois dias antes ela havia denunciado os crimes que ocorrem contra a população negra, pobre, da periferia, da favela”. “A intervenção militar acaba levando a essa sensação do ‘pode tudo’. É uma guerra contra os pobres. Até agora foi só contra pobres, o exército só atuou nas favelas”.
Mobilizações foram convocadas em todo o país para prestar homenagens a Marielle Franco e Anderson Gomes e exigir a apuração rigorosa do crime e a responsabilização dos criminosos.
Edição: Nina Fideles