RBA TV veiculou reportagem de cunho racista contra quilombola de Santarém

O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação nesta quarta-feira (18) em que pede à Justiça Federal decisão urgente para obrigar a RBA TV de Santarém, afiliada da Rede Bandeirantes de Televisão no oeste do Pará, a reparar danos causados pela veiculação de reportagem de cunho racista contra quilombola do município.

Em 2016, o apresentador do programa Patrulhão da Cidade, Edy Portela, permitiu que Raimundo Lucena – que manipula o fantoche denominado Chico Preto –, fizesse o seguinte comentário logo após a apresentação de entrevista com o presidente da Associação de Remanescentes Quilombolas de Patos do Ituqui, Gilmar Nogueira: “se tu for quilombola eu sou gaúcho; passa ao menos um carvão, como os outros fazem, porque quilombola tu não é não… quilombola só é preto”.

As procuradoras da República Fabiana Schneider e Luisa Astarita Sangoi pedem na ação que a RBA TV seja obrigada com urgência a promover e divulgar, dentro de 30 dias, atividades de valorização da cultura e história dos quilombos, principalmente das comunidades do planalto santareno, sempre com destaque ao direito à autodeclaração da identidade quilombola.

O MPF também pede que a decisão urgente determine à RBA TV a disponibilização de espaço durante sete dias para direito de resposta do presidente da associação quilombola, em nome dele e em nome da comunidade. O tempo para o exercício do direito de resposta tem que ser equivalente ao da reportagem que apresentou a frase discriminatória, pede o MPF.

Se a Justiça acatar os pedidos urgentes do MPF e a TV descumprir a decisão, as procuradoras da República solicitam a aplicação de multa no valor de R$ 1 mil por dia de desobediência judicial.

Ao final do processo, o MPF pede que a sentença judicial obrigue a TV a pagar R$ 300 mil em danos morais coletivos aos quilombolas.

Direitos violados – “Nada é mais autoritário do que dizer ao outro que ele não é o que é”. A frase, da jornalista Eliane Brum, é citada com destaque na ação. A discriminação racial viola o princípio da dignidade da pessoa humana, bem como os direitos à vida, à liberdade e à igualdade, registram as procuradoras da República Fabiana Schneider e Luisa Astarita Sangoi.

A falta de reconhecimento ou a deturpação do princípio da dignidade oprime, frustra a autonomia e causa sofrimento, destaca o MPF. “Importa em diminuição do sujeito, em adoção de postura desrespeitosa que o degrada e compromete sua possibilidade de participar, como um igual, nas interações de seu meio social”, ressaltam as procuradoras da República, citando o autor Daniel Sarmento.

“A veiculação de conteúdos preconceituosos, de forma acrítica e naturalizada, caminha em direção contrária à preconizada pela Convenção Internacional pela erradicação de todas as formas de discriminação, na medida em que sua reprodução ou disseminação contribui para a perpetuação das condições sociais de ocorrência de ‘situações nas quais se verifique a anulação ou restrição de reconhecimento, gozo ou exercício em um mesmo plano (em igualdade de condição) de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública’ decorrentes de ‘distinções, exclusões, restrições ou preferências baseadas em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica’”, aponta o MPF.

Autodeclaração – O MPF destaca na ação a importância de que fique esclarecido que o critério para que uma pessoa seja identificada como negra é o autorreconhecimento. Ou seja: o próprio interessado declara que se julga negro. Esse é também o método adotado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): as pessoas negras são aquelas pretas e pardas (com descendência negra) que se reconhecem como tal. A cor da pele não influencia no autorreconhecimento.

A autodeclaração é um dos critérios utilizados para o reconhecimento dos remanescentes de quilombos, conforme os termos da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). “Referida norma propugna o autorreconhecimento como critério para a definição de comunidades indígenas e tradicionais. Não se trata de traços fenotípicos, mas de diferenciação cultural. Não se reconhece um índio ou um quilombola, mas sim uma comunidade indígena ou uma comunidade quilombola”, explicam as autoras da ação.

O MPF lembra que, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3239, em fevereiro, o Supremo Tribunal Federal (STF) firmou o entendimento de que é constitucional o decreto presidencial que regulamenta a demarcação de terras quilombolas, incluindo a autodeclaração das comunidades.

“O ministro Edson Fachin asseverou que as conclusões sobre autodeclaração ‘não podem ser ignoradas pela ciência jurídica’. O ministro Luís Roberto Barroso aduziu que a ideia de que possa haver fraude no processo de autodeclaração é um ‘tanto fantasiosa’, pois a autodefinição é apenas uma entre outras 14 fases de reconhecimento que envolvem todos os interessados”, complementam as procuradoras da República Fabiana Schneider e Luisa Astarita Sangoi.

Processo nº 1000083-35.2018.4.01.3902 – 1ª Vara da Justiça Federal em Santarém (PA)

Íntegra da ação

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