Por Angelina Anjos
“Lute como uma garota”, a camiseta usada pela deputada estadual e pré-candidata à presidência da república, Manuela D´ávila (PCdoB), deveria ter sido observada pelos jornalistas, ao vivo e sem cortes, o jornalismo praticou o que os ingleses chamam de manterrupting, mais que isso, demonstrou o quanto as mulheres precisam estar atentas e engajadas contra o preconceito que ainda impede muitas de participar da vida pública e de ascender ao parlamento.
Sob o comando de Ricardo Lessa, o “Roda Viva” prestou um desserviço à luta pelo direito da participação feminina na política, por diversas vezes, Manuela D´ávila foi interpelada e impedida de concluir as respostas de perguntas que mais pareciam “pegadinhas”, na tentativa de desconstrução da identidade da única pré-candidata mulher, aliás, foi a vereadora mais jovem da história de Porto Alegre, eleita em 2004. Foi eleita deputada federal em 2006 e reeleita em 2010, alcançando recordes de votação. Exerce atualmente o mandato de deputada estadual em seu estado. Apesar de jovem não é uma ilustre desconhecida, se fazem isso com uma parlamentar, imagine o que faz o machismo com uma mulher comum.
O obscurantismo baseado no anticomunismo impediu ser dito o projeto de Nação que o Partido Comunista do Brasil estabelece para salvaguardar a democracia e o dever histórico de ampliação da participação feminina na política. O machismo falou pela boca daqueles que deveriam ser formadores responsáveis de opinião, jornalistas que mais pareciam um exército de desqualificados, na realidade, qualificados para fazer imperar o machismo descarado e sem noção.
Ricardo Lessa (mediador), Vera Magalhães (Estadão/Jovem Pan), Letícia Casado (Folha), João Gabriel de Lima (Exame), Joel Pinheiro da Fonseca (não-jornalista do Insper), e Frederico d’Avila (diretor da Sociedade Rural Brasileira) fizeram da TV Cultura um palco de horror reacionário jamais observado em canal aberto.
É impossível ter assistido o “Roda Viva” com Manuela e não ter a sensação de fissura e preconceito existente na sociedade brasileira contra as mulheres, retirar a fala de uma convidada é o mesmo que calar à todas nós. O feminismo tem um mantra “Mexeu com Uma, Mexeu com todas”. Manuela enfrentou bem o machismo que nos aprisiona e mata, respondeu de forma segura aos ataques e ao assédio que nos deseja sem lugar de fala. Manuela foi exatamente aquilo que escreveu Neruda sobre os comunistas:
“… Passaram bastantes anos desde que ingressei no Partido… Estou contente… Os comunistas constituem uma boa família… Têm a pele curtida e o coração valoroso… Por todo o lado recebem pauladas… Pauladas exclusivamente para eles… Vivam os espiritistas, os monárquicos, os aberrantes, os criminosos de vários graus… Viva a filosofia com fumo mas sem esqueletos… Viva o cão que ladra e que morde, vivam os astrólogos libidinosos, viva a pornografia, viva o cinismo, viva o camarão, viva toda a gente menos os comunistas… Vivam os cintos de castidade, vivam os conservadores que não lavam os pés ideológicos há quinhentos anos… Vivam os piolhos das populações miseráveis, viva a força comum gratuita, viva o anarco-capitalismo, viva Rilke, viva André Gide com o seu coribantismo, viva qualquer misticismo… Tudo está bem… Todos são heróicos… Todos os jornais devem publicar-se… Todos devem publicar-se, menos os comunistas… Todos os políticos devem entrar em São Domingos sem algemas… Todos devem festejar a morte do sanguinário Trujillo, menos os que mais duramente o combateram… Viva o Carnaval, os derradeiros dias do Carnaval… Há disfarces para todos… Disfarces de idealistas cristãos, disfarces de extrema-esquerda, disfarces de damas beneficentes e de matronas caritativas… Mas, cuidado, não deixem entrar os comunistas… Fechem bem a porta… Não se enganem…
Não têm nenhum direito… Preocupemo-nos com o subjectivo, com a essência do homem, com a essência da essência… Assim estaremos todos contentes… Temos liberdade… Que grande é a liberdade!… Eles não a respeitam, não a conhecem… A liberdade para se preocupar com a essência… Com a essência da essência…
… Assim passaram os últimos anos… Passou o jazz, chegou o soul, naufragámos nos postulados da pintura abstracta, abalou-nos e matou-nos a guerra… Deste lado tudo continuava igual… Ou não continuava igual?… Depois de tantos discursos sobre o espírito e de tantas matracadas na cabeça, alguma coisa continuava mal… Muito mal… Os cálculos tinham falhado… Os povos organizavam-se… Prosseguiam as guerrilhas e as greves… Cuba e o Chile tornam-se independentes:.. Muitos homens e mulheres cantavam A Internacional… Que estranho… Que desconsolador…
Agora cantam-na em chinês, em búlgaro, em espanhol da América… É preciso tomar medidas urgentes… É preciso proibi-lo… É preciso falar mais do espírito… Exaltar mais o mundo livre… É preciso falar dar mais matracadas… É preciso dar mais dólares… Isto não pode continuar… Entre a liberdade das matracas e o medo de Germán Arciniegas… E agora Cuba… No nosso próprio hemisfério, na metade da nossa maçã, estes barbudos com a mesma canção… E para que nos serve Cristo?… De que maneira nos têm servido os padres?… Já não se pode confiar em ninguém… Nem nos próprios padres… Não vêem os nossos pontos de vista… Não vêem como baixam as nossas acções na Bolsa…
… Entretanto trepam os homens pelo sistema solar… Ficam pegadas de sapatos na Lua… Tudo se esforça por mudar, menos os velhos sistemas… A vida dos velhos sistemas nasceu de imensas teias de aranha medievais… Teias de aranha mais duras que os ferros das máquinas… No entanto, há gente que acredita numa mudança, que praticou a mudança, que fez triunfar a mudança, que fez florescer a mudança… Caramba!… A Primavera é inexorável!”
Pablo Neruda, in “Confesso que Vivi”
* Angelina Anjos é assistente social, feminista, militante do PCdoB no Pará, participa dos trabalhos da Comissão da Verdade do Pará.
FONTE: http://blogdaangelinaanjos.blogspot.com/2018/06/manuela-davila-num-roda-viva-de.html?m=1