O juiz da 10ª Vara da Justiça Federal em Brasília, Ricardo Leite, absolveu o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no processo em que era acusado de obstrução de Justiça. A denúncia foi apresentada em 2016, ano do golpe, sob a acusação de uma suposta ação do ex-presidente para comprar o silêncio do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, um dos delatores da Operação Lava Jato, e custou a nomeação de Lula como ministro da Casa Civil do governo da presidenta Dilma.
Por Dayane Santos
O emaranhando dessa denúncia é mais uma evidência de como setores do Poder Judiciário e do Ministério Público, em consórcio com a grande mídia, atuaram para insuflar a crise e o golpe contra o mandato da presidenta eleita Dilma Rousseff.
Em 8 de abril de 2016, o Portal Vermelho publicou matéria em que abordava o parecer emitido pelo então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que recomendou ao Supremo Tribunal Federal (STF) a anulação da nomeação de Lula como ministro por, segundo ele, ter “indícios” de desvio de finalidade da presidenta Dilma Rousseff para tentar impedir as investigações da Operação Lava Jato.
O parecer fundamentou a denúncia apresentada por Janot, quando o caso ainda tramitava no Supremo Tribunal Federal (STF) por conta do foro do então senador Delcídio Amaral. Após a cassação do mandato de Delcídio, em maio de 2016, a investigação foi enviada para a Justiça Federal de Brasília.
Em julho de 2016, quando Lula e outros seis foram declarados réus na ação, a revista Veja noticiava: “As provas apresentadas contra Lula são fartas e consistentes. Ligações telefônicas, extratos bancários e e-mails revelam que o ex-presidente impeliu o ex-senador Delcídio do Amaral a adotar “medidas para a compra do silêncio de Nestor Cerveró”, ex-diretor da área internacional da Petrobras. O objetivo era evitar que Cerveró fechasse um acordo de delação premiada, que comprometeria tanto Lula como um dos seus amigos mais próximos, José Carlos Bumlai.”
A 13ª Vara Federal de Curitiba, do juiz Sérgio Moro, teve papel destacado no reforço do discurso midiático ao grampear a presidenta Dilma Roussef e divulgar o áudio da conversa dela com Lula, às vésperas da posse do ex-presidente como ministro. Apesar do conteúdo da conversa não ter nenhuma causa de crime, o áudio foi usado por Janot e pela grande mídia como “provas”, insuflando o golpe contra o mandato da presidenta eleita. Os dias posteriores a divulgação do grampo de Moro desencadeou uma série de efeitos políticos para Lula e para o país, incluindo o impeachment sem crime de responsabilidade.
“Se tivesse sido respeitada a determinação da presidente da República de nomear Lula, a história teria sido outra”, afirmou Luiz Tarcísio Teixeira Ferreira, advogado, professor de Direito Constitucional da PUC-SP e mestre em Direito de Estado. Tarcísio foi um dos entrevistados pelo Portal Vermelho em 2016 para falar sobre o parecer de Janot.
Na época, o advogado apontou a fragilidade dos argumentos apresentados pelo procurador-geral da República, que dizia que os “fatos incontroversos retratados no acervo probatório pré-constituído e fatos de domínio público envolvendo a nomeação são suficientes para caracterizar desvio de finalidade”.
Os fatos “incontroversos” do parecer foram baseados nos grampos de Moro. Já os “fatos de domínio público” são os factoides e ilações da grande mídia. Luiz Tarcísio Teixeira Ferreira, disse que no crime de desvio de finalidade, não é intenção subjetiva do agente que está em questão, mas se ele, de modo objetivo afronta, no exercício da competência, a disposição legal.
“Ora, qual é a questão legal que afronta a presidente Dilma ao nomear alguém que pode ser nomeado para o cargo de ministro? Ainda que ela pensasse nisso [impedir a investigação], a intenção é irrelevante para ordem jurídica”, enfatizou o advogado em 2016.
De fato, as dezenas de interceptações feitas pelo juiz Sérgio Moro, no âmbito da Lava Jato – que foram utilizadas por Janot para fundamentar o seu parecer – evidenciam que a preocupação de Lula não era fugir das investigações. Em várias conversas, Lula refuta ideia de que viraria ministro para escapar do julgamento do juiz Moro: “Jamais irei para o governo para me proteger”, disse ele numa conversa com o governador do Piauí Wellington Dias (PT).
Em outro diálogo das centenas de grampos de Moro, Lula conversa com Roberto Carlos. Veja:
ROBERTO CARLOS: Eles te condenaram efetivamente, tá?! Não tem defesa jurídica que salve, tá?! eu tô falando assim…
LULA: “uhumm”
ROBERTO CARLOS: eu tô falando é com alarmismo mesmo, tá?
LILS: ” uhumm”
ROBERTO CARLOS: É uma decisão individual daquele cara lá de Curitiba. Ele pega e toma a decisão, tá tomada, acabou!
LULA: “uhumm”
ROBERTO CARLOS: No meu entender, ele faz um balão de ensaio na sexta-feira. Como é que seria se ele tomasse essa decisão? Tá, “ele” fez um“ testezinho”, “vamo” quebrar o gelo e ver como é que seria, tá?! Eu acho, tá, tem uma coisa que tá na mão de vocês, é MINISTÉRIO, acabou, porra!
LULA: “uhumm”
ROBERTO CARLOS: Sabe, eu acho que a vacilação da parte de vocês, tô falando genericamente, de um modo geral, é uma guerra política, é uma disputa política, o cara lá é juiz, mas é um tucano, formação OPUS DEI e o cacete à quatro, entendeu? Ele tá ali, depende da cabeça dele, só na cabeça dele, entendeu? Vai que esse cara é maluco e ousado suficiente pra tomar uma decisão nessa direção?! Você uma coisa na tua mão hoje! Usa caralho!
LULA “uhumm”
Em seguida, Lula afirma:
LULA: Não, não tô esperando nenhum arranjo não. Pra mim é muito difícil essa hipótese. Na verdade, ELA JÁ OFERECEU, sabe?! Mas eu vou ter uma conversa hoje, que, depois eu te ligo.
ROBERTO CARLOS: Porra, não tem… olha só, o articulador é você. Você tentou lá o PMDB, você tem total credibilidade na frente do PMDB, você tem total credibilidade na frente do PT, total credibilidade na frente de todos os partidos. Acabou, sentou lá, tá resolvido o problema de credibilidade. Tá resolvido. Botou nosso amigo lá na Fazenda, tá resolvido a economia, a expectativa pura! Expectativa pura! Eu tô fora aqui, eu tô vendo o que é isso.
Mais adiante o ex-presidente reforça a sua preocupação com as arbitrariedades de Moro:
Para o professor Tarcísio, os diálogos dos grampos comprovaram que por diversas vezes Lula recusa a ideia de ir para o ministério, derrubando a tese subjetiva de Janot de que a nomeação era fuga. “Na verdade, ida de Lula para o ministério era, para a maior parte de seus interlocutores, uma necessidade de articulação política”, destaca.
Dalmo Dallari, professor emérito da Universidade de São Paulo (USP), afirmou na época que o argumento de que a nomeação do ex-presidente Lula seria uma tentativa de impedir as investigações era “leviano”.
“Acho que é leviana e infundada essa alegação por uma razão muito simples: mesmo ministro, ele [Lula] poderá e continuará a ser processado. A única coisa que muda é a competência. Ao invés de ser um juiz de primeira instância será um tribunal superior”, salientou o jurista, destacando que tal alegação de fuga das investigações “é absolutamente falsa”.
Sem provas, apens delação
E foi o que verificou o juiz responsável pelo processo e o próprio Ministério Público Federal na sentença que absolveu Lula, dois anos depois, por considerarem que as “provas” apresentadas eram insuficientes para fundamentar a acusação de obstrução de Justiça e que somente afirmações de delatores não podem condenar ninguém.
“O que adianta isso agora quando as pessoas nem se lembram mais de como era o clima daquele momento”, advertiu Tarcísio, lembrando que na ocasião o clima era de “muito estrepito, de muito barulho”.
“Agora chegam a conclusão que é causa de absolvição. Alguém respondeu um processo injustamente e após dois anos é que vai confirmar que ele é inocente num processo que não devia ter iniciado contra um ex-presidente da República sob uma alegação de cerceamento dos trabalhos da Lava Jato”, enfatizou.
Favreto na mira
Segundo ele, os efeitos dessa ação também podem ser vistos na reação de setores do Judiciário contra o desembargador Rogério Favreto, do Tribunal Regional Federal da quarta Região (TRF4).
“O que vai acontecer provavelmente contra o desembargador Rogério Favreto, que entendeu que era caso de soltura para o ex-presidente Lula, tem um estrepito em que não chamam Favreto de desembargador, mas de “juiz plantonista” como se fosse uma pessoa sem nenhuma qualificação. Tudo isso porque ele teve a coragem de fazer aquilo que achava correto. Agora, a ditadura togada se volta contra a própria toga”, argumentou.
E conclui: “Lamentável que estejamos vivendo a ditadura da toga e do aparato Judiciário que ainda vai causar tremendos malefícios a essas instituições. Mais dia ou menos dia a população vai se voltar contra isso porque é insustentável, assim como é insustentável a crise deste país que é causada por esse ativismo”, completou.
Do Portal Vermelho