Este ano comemoramos os 12 anos da Lei Maria da Penha sob a sombra de um golpe que sequestrou, não apenas os 54 milhões de votos que elegeram Dilma Rousseff, mas qualquer possibilidade de avanço para as políticas de combate à violência contra a mulher.
Por Jandira Feghali*
O governo ilegítimo compôs uma equipe de homens brancos, retirou o status de Ministério da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres e vem, sistematicamente, cortando recursos para a área. Já se vão quase 2 anos que Michel Temer ocupa, sem votos, o cargo máximo do país, e a pasta já passou por 3 subordinações: começou pelo Ministério da Justiça, foi para a Secretaria de Governo e agora integra o Ministério dos Direitos Humanos.
Além dessa falta de prioridade para com esta política, o ataque diário à democracia é terreno fértil para a intolerância, o preconceito e a disseminação de discurso e ações derivadas do ódio. Quanto mais precisamos reforçar as políticas de combate à violência, menos se investe nelas.
Neste ambiente, a Lei Maria da Penha, à exemplo do que já aconteceu com a legislação trabalhista, corre enorme risco de retrocesso. Mais grave, porque, neste caso, o desgoverno não precisará de qualquer esforço para promover alterações. Basta matá-la por inanição.
Por isso, quando comemoramos os 12 anos de Lei Maria da Penha, urge lutar por nossa democracia e pelos direitos das mulheres. Lutar pela implementação de uma Lei que fez toda a diferença na prevenção e no combate à violência doméstica. Antes de sua sanção, as mulheres não tinham estímulo para denunciar, pelo contrário, 90% dos casos, sob responsabilidade dos juizados especiais criminais, eram arquivados ou aplicava-se uma transação penal – cestas básicas ou multas – e o agressor voltava para casa ainda mais raivoso. O medo de ver sua situação ainda mais agravada fazia com as mulheres evitassem as denúncias.
Tirar os casos de violência doméstica contra as mulheres dos juizados especiais criminais foi uma grande conquista. Não havia como esperar efetividade de uma pena que só piorava a situação das vítimas, expondo-as à mais violência. E elas se calavam. Por elas e por seus filhos. Temendo “provocar” a ira daqueles para os quais a justiça era condescendente. A existência e aplicação da lei já criaram um novo marco no sistema de justiça brasileiro, já ultrapassamos 1 milhão e 400 mil processos, milhares de prisões em flagrante e salvamos mais de 300 mil vidas. Mas os dados de violência e feminicídio ainda são alarmantes e demonstrativos da sociedade machista e patriarcal em que vivemos, agravada pela restrição democrática.
Num país onde 2 milhões de mulheres são espancadas por ano, uma a cada 24 segundos, há que se dar prioridade para reverter este quadro. Isso não se efetivará nesta escalada de retirada de direitos e asfixia dos investimentos. Onde a prioridade é mais concentração de riqueza e poder ao capital financeiro em detrimento do que é melhor para os brasileiros e brasileiras.
Nossa luta deve ser diária. Sem trégua para o avanço conservador e fascista sobre nossos direitos. Nossa voz deve se elevar em defesa da democracia e do que ela representa para uma sociedade onde homens e mulheres são iguais em direitos e deveres.
*Médica, deputada federal (PCdoB-RJ) e relatora da Lei Maria da Penha.