Dados foram revelados em pesquisa inédita divulgada nesta terça (25) por diferentes organizações
O número de assassinatos de quilombolas no Brasil saltou de 4 para 18 em um ano, de 2016 a 2017, o que configura um aumento de 350% no período. O dado é um dos destaques do relatório intitulado “Racismo e violência contra quilombos no Brasil”, divulgado oficialmente na noite desta terça-feira (25), em Brasília (DF).
Inédito no país, o levantamento foi realizado pela ONG Terra de Direitos e a Confederação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), em parceria com a Associação de Trabalhadoras e Trabalhadores Rurais da Bahia (AATR) e o Coletivo de Assessoria Jurídica Joãozinho de Mangal.
Élida Lauris, integrante da equipe de coordenação da pesquisa e membro da Terra de Direitos, destaca que os dados expõem o forte racismo contra o povo quilombola. De forma associada a isso, ela ressalta o peso das disputas territoriais promovidas por fazendeiros e outros atores com poder econômico responsáveis por diferentes ataques às comunidades.
“Existem projetos de desenvolvimento que vulnerabilizam as comunidades e estão associados com as lógicas de racismo ambiental, racismo econômico e de desproteção das comunidades aos lhes recusar os direitos territoriais”, aponta a pesquisadora.
Segundo a Conaq, ao todo, existem cerca de 3.200 comunidades quilombolas oficialmente reconhecidas no Brasil, mas, por conta dos impasses políticos, menos de 300 delas têm o título da terra que ocupam.
O estudo também levantou dados de assassinatos em anos anteriores. Na série histórica de 2008 a 2017, foram assassinados 32 homens e seis mulheres quilombolas, sendo 29 deles (76,3%) no Nordeste. A região tem histórico de resistência e insurgência popular, especialmente no campo.
Considerando os dados totais de 2017, o relatório identificou ainda que 68,4% dos assassinatos registrados foram praticados com arma de fogo e 13,2% com armas brancas.
A militante Divânia Silva, da coordenação da Conaq, sublinha que os efeitos da violência são considerados devastadores porque, entre outras coisas, trazem grave risco à manutenção dos modos de vida e da sobrevivência dos povos quilombolas no Brasil.
Ela salienta ainda a apreensão e a preocupação das comunidades com a falta de ações efetivas por parte de órgãos como os do sistema de Justiça.
“[Elas] têm se sentido pressionadas, desprotegidas porque a Justiça não tem conseguido sequer apurar os casos de assassinatos para punir os culpados. Cada vez mais se tenta colocar panos quentes ou acobertar determinados crimes”, desabafa.
Violência de gênero
No panorama das agressões contra os povos quilombolas, ressalta-se ainda o recorte de gênero. É marcante, entre as estatísticas da pesquisa, a presença de assassinatos de mulheres praticados com requintes de crueldade, com uso de faca, fogo, botijão de gás, entre outros instrumentos.
Ao todo, 66% das mortes notificadas se deram com uso de arma branca ou com métodos de tortura. No caso dos homens, tais casos têm índice menor, representando 21% do universo total de assassinatos.
A pesquisadora destaca que, em geral, as mulheres assassinadas têm perfil de liderança política e que os métodos utilizados pelos assassinos têm forte caráter patriarcal.
“Esse nível da crueldade é um exercício da violência sobre o corpo, o que significa dizer que toda a discussão que estamos fazendo sobre assegurar os direitos territoriais como maneira de garantir a segurança do território e ultrapassar a situação de violência, no caso das mulheres, não é suficiente”, afirma.
A pesquisadora acrescenta a necessidade de formulação de políticas públicas de proteção das mulheres que deem conta da realidade específica das quilombolas.
Mirando esse objetivo e ainda o atendimento às outras demandas relacionadas à violência identificada no relatório, os organizadores da pesquisa pretendem enviar o levantamento para diferentes órgãos oficiais, convertendo-o num documento de luta política.
“Essa realidade é desvelada pra gente conseguir produzir resultados em políticas públicas efetivas e integrais pras comunidades quilombolas”, finaliza.
Edição: Diego Sartorato