Pode parecer meio tardio falar em governo Fernando Henrique Cardoso (FHC) em pleno ano de 2016, quando se sabe que o ex-presidente governou o País entre os anos de 1995 e 2002. Já se vão mais de 20 anos desde que ele assumiu o primeiro mandato. Mas algumas decisões estruturantes costumam ter efeitos históricos duradouros e nalguns casos – como parece ser este – irreversíveis.
Não se trata aqui de uma crítica direta à Mineradora Vale, mas é sim uma crítica a todo o estranho processo que fez da Vale – e da mineração – o que ela é hoje.
Instalada na região sul e sudeste do Pará, a Vale atualmente é a maior exportadora mundial de ferro, a segunda maior de níquel do mundo e maior empresa privada da América Latina. A produção de minério de ferro em Carajás atingiu no quarto trimestre de 2014 nada menos de 34,858 milhões de toneladas, um desempenho 10,4% acima do observado em igual período de 2013.
E em breve a Vale inicia as atividades do projeto de extração de ferro denominado S11D, em Canaã dos Carajás, que já começa com uma expectativa de 90 milhões de toneladas ano.
Mas, como a empresa não é mais estatal – foi privatizada em 1997 –, o compromisso da empresa é diretamente com seus investidores, que em geral moram no exterior. Além disso, devido à Lei Kandir (nome do então ministro da era FHC, criador da lei), a Vale é isenta de impostos de exportação e paga apenas os chamados royalties, uma pequena taxa que varia de 1% a 3% do lucro líquido, que é dividido entre Estado, município e União, enquanto a Vale fica com pelo menos 97% para dividir com os acionistas.
Diante dessa realidade, os locais onde a mineração se faz presente são sempre marcados por degradação ambiental, conflitos por água e por terra e também por muita miséria. Basta andar nas periferias de Marabá (onde há cerca de 20 ocupações urbanas) e também de Parauapebas, onde proliferam barracos de madeira em meio à falta de saneamento básico.
Se na região Norte do Brasil, problemas ligados à saúde, educação, habitação, violência, infraestrutura, rodovias estaduais e federais são mazelas demarcadoras de uma região de fronteira, onde a mineração se expande essas mazelas se expandem ainda mais, potencializando a pobreza em meio a empreendimentos gigantescos de lucros bilionários.
Os conflitos em áreas de mineração são constantes
Durante uma aula aberta na Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), o advogado José Batista Gonçalves Afonso (foto acima), coordenador da Comissão Pastoral da Terra (CPT), na Diocese de Marabá, explicitou um pouco desses números. Segundo os dados apresentados por ele, a Vale consome 1,2 bilhão de litros de água por ano, produz 114 milhões de metros cúbicos de detritos industriais e 16,8 milhões de dióxido de carbono.
Vale lembrar que isso tudo ocorre dentro de áreas habitadas por camponeses, indígenas e outras comunidades tradicionais. Diante disso, é possível compreender porque a CPT atua hoje em pelo menos 25 processos entre trabalhadores rurais e Vale.
Só na microrregião de Parauapebas, Canaã dos Carajás, Ourilândia do Norte e Marabá, existem 19.67 famílias legalmente assentadas em PAs que estão em conflito com a mineração (a maioria relacionada à Vale), distribuídas no Assentamentos Campos Altos, Tucumã, Cosme e Damião, Carajás 1, Carajás 2, Nova Jerusalém, Analício Barros, Palmares I e Palmares II.
Além disso, em mais 12 áreas ocupadas por sem-terra também há conflitos com a atividade minerária, envolvendo nada menos de 1.280 famílias. Isso quer dizer que existem hoje, em conflito com a mineração nesta região, 3.247 famílias, o que representa algo em torno de 13 mil pessoas.
Batista Afonso alerta para o fato de que o horizonte da atividade minerária no Brasil é ainda mais preocupante, pois o novo marco legal da mineração, que está em debate no Congresso Nacional, quer ampliar e intensificar a exploração mineral.
Pelo novo código, quem detém títulos minerários e não os explora, poderá ser penalizado até mesmo com a cassação do título. Isso vai acelerar ainda mais o processo de extração mineral; e aliada a essa medida está a proposta de diminuição dos prazos entre licença ambiental e operação.
Busca-se ainda, dentro da proposta em debate, modificar a legislação para abrir caminho para mineradoras, permitindo exploração em terras indígenas e unidades de conservação. E, como contrapartida, a proposta apresentada é aumentar o percentual dos royalties para, no máximo, 4%.
Pesquisadora retrata as duas faces dessa moeda
Em seu artigo denominado “Riqueza e pobreza: duas faces da mineração no sudeste do Pará”, a pesquisadora Célia Congilio, professora da Unifesspa, explica que a atividade mineradora no sudeste paraense, mais especificamente a concentrada no entorno do município de Marabá, centro econômico e administrativo de uma vasta fronteira agrícola amazônica, tem se colocado como elemento importante de reflexão devido aos grandes impactos socioeconômicos, políticos e ambientais que provoca nos municípios da região. “Há que se considerar a importância do minério como produto de exportação brasileiro no momento atual da crise econômica pela qual passa o capitalismo mundial”, reflete.
Ainda segundo ela, muitos são os efeitos que a expansão do capitalismo, em nome do que chamam progresso, mas que também poderíamos chamar de morte, traz para essa região: “devastação das florestas; aniquilação de comunidades tradicionais (ribeirnhos, extrativistas e povos indígenas entre outros); destruição da agricultura familiar e envenenamento pelos agrotóxicos do agronegócio; processos migratórios que originam urbanizações caóticas e que servem à formação de força de trabalho em condições precarizadas; expansão do narcotráfico e da prostituição infanto-juvenil; alta mortalidade de jovens das periferias, alvos do crime organizado e das milícias, para ficarmos apenas nesses.”
Ainda de acordo com Congilio, ao tratar sobre as políticas governamentais de apoio à mineração é possível caracterizar o papel do Estado por intermédio de três ações: quanto aos recursos financeiros destinados a impulsionar políticas produtivas excludentes ou geradoras de subempregos; quanto à difusão do arcabouço ideológico necessário para a implantação das políticas (industriais, econômicas, sociais etc.) que ajustam a economia nacional às necessidades do mercado mundial e, por último, quanto à prática institucionalizada/banalizadora da violência e criminalização contra qualquer forma de oposição aos processos que implantam o que tem se chamado de Progresso.
“O progresso, tal como se apresenta, traz uma visão de mundo a partir do grande capital localizado nos países que comandam a economia mundial e em processos civilizatórios que reproduzem etnocentrismos já conhecidos nos períodos coloniais”, resume Célia Congilio.
Poder público como indutor do modo de produção
Embora a Vale tenha sido privatizada há quase 20 anos, a atividade minerária, que tem na Vale seu maior expoente, continuaram atuando em parceria com ações estatais, não apenas pela Lei Kandir, que a livrou de pagar impostos por exportação, mas principalmente porque o poder público vem pavimentando o caminho para garantir o funcionamento da engrenagem dos grandes empreendimentos que miram a Ásia como público consumidor e, nesse caso, a mineração merece o maior destaque.
Mas, antes de qualquer análise, é fundamental compreender – entre outros aspectos – que não se trata de mera iniciativa privada, que busca no Estado apenas o respaldo legal que esses projetos necessitam. Pelo contrário, trata-se de uma parceria entre Estado e capital privado, visto que o Estado funciona como indutor do modo de produção capitalista.
A pesquisadora Edna Castro, em um de seus recentes artigos, deixa claro que a construção da Estrada de Ferro Carajás é mais uma engrenagem que compõe uma máquina maior, que conta com outras ferramentas, como hidrelétricas (para gerar energia para os grandes empreendimentos) e também pavimentação de rodovias (que permitem o acesso de máquinas pesadas), tanto no sul e sudeste do Pará, quanto em outras partes do País (para ficar apenas falando de Brasil).
“A Amazônia foi transformada em uma fronteira de commodities… Por outro lado, o interesse pela mineração é bastante amplo, pois grande extensão da Amazônia tem jazidas minerais. A Amazônia tornou-se um mercado de produtos e insumos, ligado a redes internacionais altamente sofisticadas e a grandes empresas”, diz Edna Castro, no artigo intitulado “Expansão da Fronteira, Megaprojetos de Infraestrutura e Integração Sul-Americana”.
E, por trás de toda essa engenharia, que remodela as formas de convivência e o próprio sentido de território, com a finalidade exclusiva de extrair e exportar as commodities que abundam na Amazônia, há um convincente e bem articulado discurso de progresso, ao qual, todos precisam estar filiados, como relata Edna Castro: “Esses grandes projetos, construídos para oferecer ao mercado os recursos naturais, são entregues a grandes empresas, nacionais e estrangeiras, que se localizam, via de regra, em territórios ocupados, mas se impõem à população local como prioridade nacional”.
As dinâmicas: suas causas e consequências
Como se vê, essa movimentação provoca dinâmicas territoriais, pois a região que funciona como receptáculo desses megaprojetos de exportação, não é um completo vazio, desprovido de formas anteriores de convivência e de sentidos. Desenhar uma mega planta industrial em áreas amazônicas não é como iniciar uma pintura num tela em branco. Há elementos regionais pré-existentes que não se encaixam nesses interesses transnacionais.
Esse choque entre uma forma de produção global e marginalizante e formas de convivência e produção pré-existentes na Amazônia, embora seja constitutiva de um processos de mundialização da economia, foi intensificada de forma mais voraz pelo governo FHC, que atuou como dispositivo para pôr em funcionamento no Brasil – mais especificamente esta região – esse modo de produção.
Ao longo dos anos, os governos de Lula, Dilma e agora Michel Temer, que sucederam FHC, mantiveram ações desenvolvimentistas com ações estatais que pavimentaram os caminhos dos grandes empreendimentos do capital transnacional, sendo a mineração o principal deles, pelo menos por essas bandas do sul e sudeste do Pará.
Por Chagas Filho
Ora, ora Cel. o jornal está errado, o Lulla fez muito pelo Brasil, contou um monte de lorotas e espalhou um monte de mentiras pelo Brasil afora e outras cositas ma!is!!!!!