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Especial para o Instituto Paulo Fonteles de Direitos Humanos
por Ismael Machado – jornalista e roteirista.
João Ilair Teixeira da Costa interrompe a conversa e vai até um quarto. Demora alguns minutos e retorna com sete fotos nas mãos. A equipe se entreolha curiosa. O que Ilair traz são sete fotos inéditas da época da Guerrilha do Araguaia, ocorrida na década de 1970 no Pará e em Xambioá (antes Goiás, atualmente Tocantins).
O material apresentado pelo militar reformado que gasta as horas construindo esculturas em metal e cuidando de um carro modelo vintage é mais uma das infinitas peças que compõem o aparentemente interminável quebra-cabeça do que ocorreu na região durante a guerrilha.
O ex-soldado conta um pouco da própria história à Michelle Maia e Ismael Machado, da equipe de produção do documentário Soldados do Araguaia e a Paulo Fonteles Filho, do Instituto Paulo Fonteles e Comissão da Verdade do Pará.
Ilair fez parte das primeiras equipes de soldados que se embrenharam nas matas paraenses para combater os guerrilheiros ligados ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Oficialmente o combate à guerrilha iniciou em 1972 e encerrou em 1975. Entre esses anos, o que cada vez mais vai-se descortinando e vindo à tona são histórias sangrentas de torturas, extermínio e violação aos direitos humanos envolvendo guerrilheiros, camponeses, índios e recrutas, todos vítimas de um mesmo algoz: o estado brasileiro.
O ex-soldado lembra, por exemplo, que foi obrigado a assistir sessões de tortura. Pior, teve que, ele mesmo, aplicar esse procedimento em uma pessoa amiga. Anos depois Ilair ainda é capaz de chorar ao lembrar dessa tarde, quando desferiu o chamado ‘telefone’ (tapas espalmados nas orelhas de uma pessoa. Três golpes seguidos são capazes de sangrar ouvidos e estourar tímpanos) em uma pessoa que todos os dias trocava ideias com soldados de plantão.
“Anos depois ele me encontrou e me chamou para tomar uma cerveja. Não sabia que tinha sido eu a lhe aplicar aquele castigo desnecessário. Não consegui tomar a cerveja com ele, de tão envergonhado que fiquei”, lembra Ilair.
O episódio mostra a sutileza das ações feitas por oficiais no intuito de quebrar barreiras humanitárias. Ilair foi designado para aplicar o ‘telefone’ no civil simplesmente porque sempre evitava ficar perto quando ocorriam arbitrariedades nas detenções e prisões. O recado era claro: era sempre preciso- quase obrigatório- sujar as mãos na guerra suja.
As fotos apresentadas por Ilair chamam a atenção. Uma delas mostra uma equipe em plena ação, em busca de guerrilheiros. Outra mostra um pouco do acampamento militar em Xambioá. Há também a foto do primeiro dia de Ilair como soldado no Araguaia. “A gente sempre dava um jeito de levar uma câmera fotográfica escondida”, explica o ex-soldado.
As fotos de Ilair mostram que há muito ainda a ser descoberto em relação à guerrilha. Documentos, fotos, depoimentos, quem sabe vídeos. A Guerrilha do Araguaia permanece como um rio de águas profundas e, na maioria das vezes, escuras.