Catarina Barbosa, especial para a Amazônia Real 

Belém (PA) – O Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG) cortou 44% do orçamento anual, que era de R$ 12 milhões, do Museu Paraense Emílio Goeldi, que completará no dia 6 de outubro 151 anos de atividade na Amazônia. Sem recursos, a direção da instituição anunciou que a saída é encerrar as atividades, inclusive de duas bases, o Parque Zoobotânico e a Estação Científica Ferreira Penna. A população, os pesquisadores e os políticos se mobilizaram em manifestações contra a medida do governo federal. Foi criado o movimento SOS Museu Goeldi.

Até o presidente da República, Michel Temer (PMDB), fez um comentário em sua rede social sinalizando com uma ajuda: “acabei de saber que falam do fechamento do Museu Emílio Goeldi. Isso é inadmissível. Vamos garantir recursos para o custeio do museu em Belém”, escreveu ele em sua página no Twitter, no dia 2 de setembro. Mas nada mudou até o momento.

Em entrevista coletiva na última segunda-feira (4), o diretor do Museu Emílio Goeldi Nilson Gabas disse que, apesar da mobilização e declarações de apoio, “não tinha recebido nada que evitasse o fechamento do Museu Goeldi”.

Segundo ele, até o momento o corte de recurso continua e restará R$ 7,2 milhões no orçamento, valor com o qual é impossível garantir o básico para a manutenção do local, como o pagamento das contas de energia, água, vigilância, limpeza e alimentação dos animais do Parque Zoobotânico. “Fazemos tudo com o recurso mínimo de R$ 12 milhões. Para funcionar de maneira efetiva precisaríamos do dobro”, disse ele, destacando:

 

“Sofremos reduções [de orçamento] gradativas desde 2015, mas essa de 44% inviabiliza totalmente as nossas atividades, e caso não seja revertida, a única solução é fechar as portas”, afirmou o diretor Nilson Gabas.

Para o diretor seu desabafo “não se trata de um apelo partidário”. “Acredito que a grande mobilização social acerca do assunto se dá justamente devido à apartidarização da instituição. A sociedade entrou em alerta e realizou várias manifestações nas mídias sociais e na frente da instituição. Vários  políticos mostraram solidariedade, mas até o momento ainda não foi definido nada de efetivo para reverter a situação”, ressaltou Gabas.

Ele disse na coletiva que o corte no orçamento afetou o setor de recursos humanos. “Não é incomum eu assinar uma aposentaria a cada três semanas. Em 10 anos diminuiremos nosso quadro em 55%. Ou seja, temos também um problema de funcionários e logo precisaremos realizar um concurso público”, afirmou o diretor do Museu Goeldil.

A data do fechamento da instituição já foi anunciada por ele: em outubro, mês de aniversário e quando a instituição recebe mais visitantes devido ao Círio de Nossa Senhora de Nazaré – a maior celebração religiosa do Norte do país – e o Dia das Crianças.

O Museu Emílio Goeldi é uma instituição de pesquisa vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia e Inovação (MCTIC). É o segundo maior em história natural no país. O primeiro é o Museu Nacional, fundado em 1808 no Rio de Janeiro. O Goeldi foi fundado em 1866 e é responsável pelo estudo científico dos sistemas naturais e socioculturais da Amazônia, além da divulgação de conhecimentos e acervos relacionados à região.

Em outubro estava prevista, conforme o diretor, a reinauguração do Aquário Público – o mais antigo do Brasil no gênero. Havia também projetos para a reabertura do centro de exposições; reforma do tanque do pirarucu, que abrigava um peixe-boi; estudo das populações amazônicas; projetos de implantação de cursos de pós-graduação; entre outros, todos reduzidos ou estagnados devido à falta de verbas.

“Esses projetos poderiam estar sendo desenvolvidos, mas não temos recursos. O Espaço Raízes, por exemplo, que transforma ciência em educação, não está aberto porque o local físico corre o risco de desabar”, explica o diretor.

Programa Natureza, no Espaço Raízes do Museu Goeldi em 2016.( Foto: Suellen Dias/Museu Goeldi)

Faz parte do Museu Goeldi, o Parque Zoobotânico, que é também um dos mais antigos do Brasil no gênero, fundado em 1895. O parque recebe 400 mil visitantes por ano e está situado no centro urbano de Belém, com uma área de 5,2 hectares.

O Museu Emilio Goeldi é considerado a segunda maior instituição de pesquisa e história natural do país, atrás apenas do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico, no Rio de Janeiro.

As contribuições para a comunidade científicas do parque são muitas. Nos últimos 15 anos, segundo a direção, foram descobertas mais de 400 novas espécies de fauna, flora e fungos.

“Dos 14 centros de pesquisa do Brasil, somos o único com Parque Zoobotânico e Zoológico vinculado ao público. Isso não é insignificante, pelo contrário. Por isso, não medirei esforços para que o local não feche”, disse Nilson Gabas.

O diretor acrescentou na coletiva que o objetivo não é resolver apenas o problema orçamentário de 2017, mas também o de 2018. “A lei complementar me impõe uma mão severa de impostos que sou obrigado a cumprir. Logo, a situação vai além. Não é possível manter os contratos com essa verba atual e eu não quero, em 2018, estar falando novamente de falência institucional”, afirma.

O remanejamento dos animais

FOTO PARA SLIDER DESTAQUE

A onça-pintada no Zoo do Goeldi ( Foto:Paula Sampaio/Museu Goeldi)

Se a situação nas finanças do Goeldi não for revertida, garante a direção, os animais que hoje vivem no Parque Zoobotânico podem ser devolvidos ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). “Somos fieis depositários do contingente do instituto. Em se tomando essa decisão de fechar as portas, eu falaria para eles que não teria como manter a segurança do parque, nem como alimentar os animais, limpar a jaula, entre outros e eles seriam removidos”, explicou Nilson Gabas.

A assessoria do Ibama, contudo, contestou a afirmação do diretor do Goeldi à reportagem. O Ibama disse que o órgão federal já foi fiel depositário do museu. “Assim, o destino dos animais é de responsabilidade do Parque Zoobotânico”, disse o órgão.

Procurado pela Amazônia Real, o Batalhão de Polícia Ambiental (BPA), da Polícia Militar do Pará, também leva animais em situação de risco para o Parque Zoobotânico. “Caso o local feche, o que esperamos que não aconteça, a nossa demanda seria atendida pelo Jardim Botânico Bosque Rodrigues Alves e pela Universidade Rural da Amazônia”, explicou a tenente Geysa Corrêa, do BPA. Ela disse que apenas animais machucados ou filhotes são levados para a instituição – aqueles em boas condições de saúde são devolvidos à natureza.

Falta de segurança

Em coletiva, o diretor Nilson Gabas fala da situação financeira do Goeldi (Foto: Suellen Dias/Museu Goeldi)

Além da falta de recursos e redução no número de funcionários, a situação do Museu Goeldi é tão delicada que a segurança é realizada com o mínimo de recursos possíveis. “Na última licitação precisávamos de 18 postos de segurança, mas devido aos cortes contatei apenas 14. Nas duas últimas semanas dois dos nossos prédios foram arrombados e equipamentos foram levados. Isso nunca aconteceu antes”, lamenta o diretor Nilson Gabas, dizendo que o caso foi passado para investigação pela Polícia Federal.

Com a redução no número de seguranças, o Museu Goeldi – que antes fechava apenas às segundas-feiras, agora também mantém as portas fechadas às terças. No local, apenas um banheiro é disponibilizado para o público. A falta de dinheiro inviabiliza contratar funcionário para a limpeza.

Comunidade científica

Museu Emílio Goeldi, em Belém ( Foto: Acervo Museu Goeldi)

Outro grande impacto com a extinção do Museu Emílio Goeldi é o fim da Estação Científica Ferreira Pena, que para sua manutenção necessita de R$ 1 milhão, dos 12 milhões disponíveis.

Ely Simone Gurjel é pesquisadora do Parque Zoobotânico desde 2002. Ela trabalha com botânica, mais especificamente plantas arbóreas, e lamenta a situação. “Esse problema não é de agora, ele só se agravou. Há anos não recebemos financiamento direto para a pesquisa, só indireto para o custeio de pagamento de energia e segurança do campus. Se quisermos mais, temos que ir atrás”, ressalta.

A pesquisadora conta que há tempos todos na instituição estão economizando como podem para poupar despesas.

“Trabalhamos com o mínimo de luz possível, quase não ligamos o ar-condicionado, só se for extremamente necessário, por exemplo. Mas há coleções de plantas que precisam de energia para um armazenamento adequado e não temos como reduzir esse gasto”, disse Ely Gurjel.

Ela, que postou um apelo em sua rede social para o museu não fechar, diz que a mobilização vai muito além de se preocupar em manter o seu emprego. “Se porventura o museu fechar eu e outros servidores concursados seríamos remanejados para outros órgãos federais. Como eu sou agrônoma poderia ir para o Ministério da Agricultura trabalhar com fiscalização. Logo, não é pelo salário que estamos nos mobilizando, mas pelo legado do museu para a sociedade. Estamos acostumados a ser público, mas agora precisamos ser povo. Nossa esperança é que o museu, que é o nosso cartão postal, possa nos salvar”, diz Ely Gurjel.

Talita do Vale, técnica em editoração eletrônica desde 2013 do Museu Goeldi, diz que as medidas de contingência foram sentidas mais ao longo de 2016. “Não é de agora que o diretor está empenhado em economizar. Fomos recomendados a desligar o ar-condicionado em certos horários e cumprir o expediente sem realizar hora-extra, porque depois de certos horários a energia fica mais cara”, afirma.

Em seu setor, o que mais mudou foi que desde 2016 a revista científica na qual trabalha migrou para o meio eletrônico. “As revistas eram distribuídas e usadas como permuta para outras publicações nacionais e internacionais. Agora só podem ser utilizadas nesse método as revistas com data anterior a 2016”, disse a técnica.

No local onde Talita do Vale trabalha haverá cortes: nos próximos dois meses duas pessoas sairão da equipe. “Não sei como funciona a lógica de contrato de estágio e verba para bolsistas com relação ao orçamento do museu. Mas sei que está ligada aos investimentos em ciência e tecnologia. E como infelizmente não estão valorizando essa área, os poucos  que continuarão precisarão fazer esforços maiores para manter o bom trabalho”, diz.

Situação dos animais é incerta (Foto: Acervo Museu Goeldi)

O lago do Museu Goeldi (Foto: Suellen Dias/Museu Goeldi)