Catarina Barbosa, especial para a Amazônia Real

Belém (PA) – Após a pressão nacional e internacional em defesa da Amazônia e sua população tradicional, o governo do presidente Michel Temer (PMDB) publicou no Diário Oficial da União (DOU) desta terça-feira (26) a revogação do decreto 9.159/2017 anulando a extinção da Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca). Com uma área de 47 mil quilômetros quadrados, a reserva mineral foi criada durante o governo militar há 33 anos, mas estava preservada entre os estados do Pará e Amapá.

Por decisão unilateral, Temer extinguiu a Renca no dia 22 de agosto, passado. A pesquisa e exploração de minérios como ouro, ferro, cobre, manganês, entre outros, por grandes indústrias do setor iria afetar oito Unidades de Conservação (UC´s),  entre elas, o Parque Nacional Montanhas de Tumucumaque e a Terra Indígena Wajãpi, ambas no Amapá.

Com a reação de ambientalistas, lideranças tradicionais, artistas, pesquisadores e uma mobilização nas redes sociais, o presidente revogou o decreto e editou um novo documento publicado em edição extra no Diário Oficial da União, no dia 28 de agosto.

Em Pequim, no dia 31 do mês passado, Michel Temer defendeu a abertura da Renca em pronunciamento dizendo que o decreto prevê “a preservação absoluta de toda e qualquer área ambiental e área indígena”. Leia mais:

O movimento cresceu tanto em todo o país que, inclusive, a base governista passou a pedir a revogação também. Irredutível, Temer suspendeu em 1º de setembro os efeitos do decreto por 120 para promover “um amplo” debate com a sociedade. Antes, o Supremo Tribunal Federal havia dado prazo para o governo se pronunciar em uma ação judicial contra a medida.

Três dias depois (31), o juiz Rolando Spanholo, da 21ª Vara Federal de Brasília, suspendeu por liminar todo e qualquer ato administrativo que vise a extinguir a Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca).

Antes da polêmica completar um mês, o anúncio da revogação do decreto da Renca foi feito na segunda-feira (25) pelo Ministério de Minas e Energia. Não houve uma declaração de Temer sobre o recuo, que aconteceu no momento em que a Câmara dos Deputados julga uma segunda denúncia da Procuradoria Geral da República contra o Presidente da República, por obstrução de justiça e organização criminosa.

Fragilidade na fiscalização da floresta

Os índios Wajãpi seriam os mais afetados pela exploração mineral da Renca (Foto: Heitor Reali/Iphan)

Um dos argumentos que levou o governo Federal a liberar a Renca para exploração da iniciativa privada era de que as Unidades de Conservação –criadas para preservar a flora, fauna, bioma e ajudar a manter o equilíbrio climático do Planeta – não seriam afetadas.

De fato, a informação estava correta, mas os impactos sofridos atualmente por atividade de mineração no Estado do Pará não são positivos, segundo o pesquisador do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), Paulo Barreto. “Antes de liberar uma área como a Renca para atividade de mineração, o governo deveria primeiro fiscalizar e fazer valer as licenças ambientais já existentes”, disse.

Para Barreto, os licenciamentos estão cada vez mais frágeis e não estão dando conta de resolver os casos ambientais. “Como exemplo temos o caso de Mariana e Belo Monte, que até o momento não atendeu a uma série de condicionantes. De acordo com os estudos, a região que recebe mineração é que fica com problemas e pouquíssimos benefícios. Além da parte ambiental e florestal tem a contaminação de mercúrio e uma parte incontrolável, que são os efeitos de imigração”, pontua.

O pesquisador explica que os prejuízos das imigrações desenfreadas são fruto não apenas dos grandes projetos, mas também dos governos que não têm ação efetiva nas áreas. “Em Altamira, no sudoeste do Pará, por exemplo, a taxa de homicídio dobrou sem a presença do Estado. Baseado no que tem acontecido, o que a gente percebe é que quando uma área recebe atividade de mineração, as consequências são desastrosas: seja pelo garimpo, pelo uso ilegal do mercúrio, entre tantos outros.

Outro argumento do Governo Federal para extinguir a reserva seria que ela combateria os garimpos ilegais instalados na região. Barreto alega “ele não precisa dizer que vai combater a ilegalidade extinguindo a Renca, ele pode fazer isso agora e não está fazendo. Precisamos ser vigilantes. Não podemos comprar essa ideia que eles estão tentando nos vender”, contesta.

O pesquisador vê a iniciativa do Governo como ameaça e diz que ela vai muito além da Renca. “Percebemos que eles estão dispostos a permitir a exploração em terras indígenas. O Congresso saiu com uma coisa isolada, mas na verdade ele está saindo com um pacotão de medidas contra a área ambiental. Isso tem que ser acompanhado”, frisa.

 

Outra ameaça é o aumento do desmatamento

Segundo dados do Imazon, 22% da área geográfica da Amazônia Legal estão protegidas por Unidades de Conservação. Mas o desmatamento vem crescendo: em 2015, o número já superava em 79% o dado de 2012. E no que diz respeito ao desmatamento total na Amazônia, esse número passou de 6% em 2008 para 12% em 2015.

 

Pressão pública derrubou decreto

Protesto #TodosPelaAmazônia em Manaus (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)

Para Márcio Astrini, coordenador de Políticas Públicas do Greenpeace a revogação só confirma o grande erro do governo em ter tomado a decisão. “Foi um decreto editado pelo Ministro de Minas e Energia pelas mineradoras e sob encomenda para elas, tanto que o ministro pegou um avião até o Canadá e discutiu o assunto diretamente com empresas canadenses interessadas na área. Depois voltou para o Brasil e fez mais uma reunião com as mineradoras brasileiras e depois resolveu publicar o decreto, que não foi discutido com as populações locais, a sociedade ou com quem trabalha na floresta”, detalha.

Segundo Astrini, a pressão da área ambiental foi forte justamente porque o governo não se preocupou com ela ao extinguir a reserva. “Eles não tiveram qualquer preocupação ambiental e foi dessa área a maior reação. A mobilização foi tão maciça, que aos poucos o governo foi voltando atrás: primeiro com a edição do decreto, depois com a suspensão e agora finalmente com a revogação”, afirma.

O coordenador de políticas públicas acredita que o recuo prova o quanto a Amazônia é vigiada e querida pelos brasileiros. ” Não existe governo que seja imune à pressão pública. Ficou comprovado que se formou ao entorno da Amazônia uma espécie de rede de social de proteção com membros que não aceitarão que a floresta seja usada como moeda de troca”, defende.

Mas apesar de comemorar a decisão, Astrini diz que é preciso se manter alerta com relação às medidas do governo federal. “A gente comemora, porque foi uma vitória muito grande, mas precisamos ficar vigilantes porque vencemos a batalha, mas a guerra contra a Amazônia continua. Vamos continuar denunciando o máximo que podemos com apoio das medidas legislativas e quando isso não for o suficiente vamos recorrer ao Supremo Tribunal Federal, garantiu.

ICMBio fez alerta de restrições

Rio Araguari e as matas do Parque Nacional das Montanhas do Tumucumaque, no Amapá (Foto: Rogério Reis/Greenpeace/Tyba)

Com 47 mil metros quadrados, a Renca foi criada durante o regime militar com o objetivo era garantir a soberania nacional e evitar o desabastecimento de minérios, mas com o passar dos anos foram criadas as oito unidades de conservação, que tornou a região rica em biodiversidade.

 Segundo a Nota Técnica do Instituto Chico Mendes de Conservação e Biodiversidade (ICMBio), as oito áreas protegidas estão sobrepostas à área da Renca. São três unidades de conservação federais, onde não é permitida a atividade de mineração no interior e em seu limites, o Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, a Reserva Extrativista Rio Cajari, ambas no Amapá, e a Estação Ecológica do Jari, no Pará.

 As quatro unidades de conservação estaduais, em que a mineração é permitida desde que ordenada e em acordo com a regulamentação nos seus respectivos decretos de criação e planos de manejo, também estão sobrepostas à Renca: Reserva Biológica Estadual Maicuru e a Floresta Estadual do Paru, ambas no Pará; Floresta Estadual do Amapá e a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Estadual do Rio Iratapuru, ambas no Amapá.

 Além dessas áreas há duas terras indígenas sobrepostas à Renca: Rio Paru D´Este (PA) e Waiãpi (AP); onde a mineração é permitida se o Congresso Nacional autorizar com anuência dos povos indígenas.

Em nota técnica enviada à agência Amazônia Real, o ICMBio explicou que há restrição para mineração nas unidades de conservação de proteção integral, ou seja, parque, estação ecológica, reserva biológica e também na reserva extrativista. Mas ressaltou a elevada demanda minerária na região destacando dados do Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM, onde constam atualmente 8.892 títulos minerários dentro da reserva.

Para que a atividade iniciasse na região, o DNPM teria que cancelar os títulos minerários nos quais há sobreposição com as unidades de conservação, além da sobreposição de títulos. O ICMBio reforçou ainda que como a ação do Ministério de Minas e Energia (MME) interferia nas unidades de conservação estaduais do Pará e Amapá era de fundamental importância que elas fossem ouvidas, o que não ocorreu no Estado do Pará.

Vitória da sociedade

Mobilização #TodosPelaAmazônia em Manaus (Foto:Alberto César Araújo/Amazônia Real)

Outra entidade ambiental que comemorou a revogação do decreto foi WWF Brasil. Jaime Gesisky, especialista em políticas públicas da ONG disse que o movimento representa uma vitória para a sociedade. “São muitos os riscos eminentes com a extinção da Renca, a exemplo do aumento do desmatamento e da violência caso seja feita uma ocupação desordenada”, disse.

Gesisky alertou que o governo Temer está mais do que disposto a liberar a Amazônia para exploração do capital estrangeiro. “Não sabemos diretamente o interesse desse governo, nem sabemos porque eles fazem as coisas dessa forma, mas eles não podem combinar algo com o setor mineral e tomar a decisão”, comenta.

Na avaliação do especialista é preciso primeiro fazer certo nas áreas que já recebem a iniciativa. ” É preciso tirar os garimpeiros ilegais, o garimpeiro do Tapajós, fazer cumprir o que deve ser cumprido em Belo Monte. Depois conversa-se sobre a maneira correta de se atuar com as atividades ilegais, porque de maneira geral, a atividade de mineração é predominante negativa, fora a parte de corrupção que envolvem os projetos”, alerta.

Mas apesar das ressalvas, Gesisky diz que a WWF Brasil não é contra a atividade de mineração. ” A WWF está dizendo que se for de interesse nacional, se for para a soberania do Brasil minerar nessa região vamos estabelecer critérios para que essa mineração aconteça, que todos os cuidados sejam tomados. É preciso estabelecer parâmetros e principalmente chegar para essas populações que moram lá e perguntar o que elas acham. É obrigação do Estado consultar as populações locais para saber se eles concordam com esse tipo de procedimento, de empreendimento na área deles. O governo não fez isso. Não tomou nenhum cuidado. Ele não foi democrático”, finaliza.

CPMI da Renca

Para além da revogação, agora será instalada uma CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) da Renca, no Congresso Nacional. O objetivo é investigar a denúncia de favorecimento de empresários canadenses na publicação do decreto, abrindo a exploração da mineração para iniciativa privada.

O pedido de criação foi protocolado com apoio de 28 senadores e 202 deputados. Os autores do requerimento foram os senadores Randolfe Rodrigues e João Capiberibe (PSB-AP) e dos deputados Júlio Delgado (PSB-MG), Alessandro Molon (Rede-RJ) e Arnaldo Jordy (PPS-PA). Os parlamentares aguardam que o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE) faça a leitura do pedido em plenário para instalar a CPMI.

O Senador Randolfe Rodrigues, que está à frente da CPMI, comemorou a revogação em um vídeo divulgado nas redes sociais.” Essa é uma conquista do índios, dos castanheiros, dos povos da floresta. É uma conquista do povo brasileiro. Isso é uma prova que juntos conquistamos os nossos direitos. A luta continua em defesa da Amazônia”, finaliza.

A Estação Ecológica do Jari é uma unidade federal em que é proibida a mineração (Foto: Zig Koch/WWF)

Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real

FONTE: http://amazoniareal.com.br/revogacao-da-renca-mostra-que-e-forte-pressao-ambiental-em-defesa-da-amazonia/