Posicionamento do STF pode afetar 50 mil pessoas/ano; tema será debatido pelo STF nesta quinta (22)
por Juliana Gonçalves
Uma pessoa pode ser presa mesmo que ainda não tenha uma condenação definitiva, ou seja, quando ainda não estão esgotados todos os recursos e instrumentos de defesa em instâncias superiores? Essa é a pergunta chave que envolve o Supremo Tribunal Federal (STF), em um impasse que pode impactar ainda mais a superlotação do sistema carcerário brasileiro, além de agravar a atual crise política do país. Tema será debatido nesta quinta-feira (22), durante julgamento do habeas corpus preventivo do ex-presidente Lula.
A Constituição Federal de 1988 determina que ninguém será considerado culpado antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, ou seja, até que sejam esgotados todos os recursos e instrumentos de defesa do acusado. No entanto, em 2016, o pleno do STF consolidou entendimento de que a prisão após uma condenação em segunda instância não seria ilegal.
Para Lucas Sada, advogado do Instituto de Defensores de Direitos Humanos (DDH), com essa decisão, “o Supremo mudou uma posição que era histórica e instaurou um alarde no mundo jurídico”.
Este também é o entendimento de Antonio Pedro Melchior, advogado e pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Não é possível que, diante da literalidade da constituição, o STF possa interpretar o termo de trânsito em julgado diferentemente do que o próprio conceito significa”, pontua.
Segundo dados levantados pelas Defensorias Públicas de São Paulo e Rio de Janeiro, o número de atingidos pela manutenção da condenação em segunda instância é na ordem de 50 mil pessoas por ano, que passariam a ter de aguardar presas a análise dos seus recursos.
Melchior acredita que o que está em jogo é a própria institucionalidade do Supremo como um órgão guardião da Constituição Federal. “Eu tenho a certeza, extraída dos dados e da minha experiência no sistema de justiça criminal, que a manutenção da posição do Supremo irá aprofundar a tragédia que é o sistema carcerário brasileiro”, afirma.
O advogado Lucas Sada vai além e considera que esse seria o fim da presunção de inocência. “É óbvio que acabar com a presunção de inocência afeta toda a população prisional, que é, majoritariamente, de pobres e negros acusados de tráfico, roubo, furto e porte de armas”, lamenta.
De acordo com o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), o Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo, contabilizando 726 mil presos.
O Partido Nacional Ecológico (PEN) e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ajuizaram no STF ações declaratórias de constitucionalidade (ADC), que receberam os números 43 e 44, respectivamente, pedindo a concessão da medida cautelar para suspender a execução antecipada da pena de todos os acórdãos prolatados em segunda instância. As ADCs econtram-se sob relatoria do Ministro Marco Aurélio.
Crise política
O embate entre o princípio da presunção de inocência e a prisão em segunda instância é central para o julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva que, em janeiro deste ano, foi condenado a 12 anos e um mês de prisão pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), em Porto Alegre. Ele responde a uma ação penal por suposta prática de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no âmbito da Operação Lava Jato. O ex-presidente nega as acusações.
Contra a decisão do TRF4, a defesa de Lula apresentou embargos declaratórios, um tipo de recurso proposto quando há omissão, contradição ou obscuridade na sentença. Os embargos serão julgados pelo TRF4 no dia 26 de março.
Com o atual entendimento do STF, Lula pode ir preso logo após o julgamento dos embargos.
Em manifestações recentes, o ministro Celso de Mello, mais antigo membro do STF em atividade, afirmou ser contrário à prisão antes de esgotados os recursos às cortes superiores. O ministro Gilmar Mendes, que havia votado a favor da prisão após segunda instância, tem manifestado, atualmente, entendimento contrário. Além disso, alguns outros membros da Corte têm dado ganhos de causa nesse sentido, contrariando o entendimento do pleno.
Pressionada, a presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, marcou para quinta-feira (22) o julgamento do habeas corpus preventivo do ex-presidente Lula. O anúncio do julgamento foi feito pela ministra logo após a abertura da sessão plenária desta quarta (21), segundo ela, “pela urgência” do pedido de liberdade.
No habeas corpus, Lula requer que lhe seja garantido o direito de recorrer em liberdade até o fim dos recursos nas Cortes Superiores. O julgamento ocorrerá na sessão ordinária marcada para às 14h.
Logo após o anúncio de Cármen Lúcia, o ministro Marco Aurélio pediu que também sejam julgadas as ADCs nº 43 e 44 que estão sob sua relatoria.
Edição: Thalles Gomes