Em entrevista para a revista ISTOÉ, a deputada estadual (PCdoB-SP) Leci Brandão afirmou que é preciso ter um coletivo muito forte para enfrentar a continuação do golpe, iniciado com o impeachment de Dilma. “O Brasil está muito ruim. Quem pensa diferente não é meu inimigo”, pontuou.
Leci Brandão também falou sobre a criação de políticas públicas para melhorar a vida da população negra e periférica.
Leia na íntegra a entrevista da deputada Leci Brandão:
O que a levou para a política?
O convite foi em 2009. Meu empresário me ligou e falou que estava sendo procurado, mas que não era pra show. Ele disse: “O Orlando Silva está querendo que você seja candidata.” E eu falei: “Não quero saber desse negocio não. Eu já tenho uma atuação como cantora. Mas quando veio esse convite de me candidatar eu fui falar com a mãe de santo e ela falou para mim: “Seu santo está dizendo aqui que é pra você cumprir com a missão que ele está te dando, aceite o desafio.” Eu aceitei nos últimos dias de filiação e minha votação em 2010 foi de quase 90 mil votos. [Quando eu fui eleita] eu chorava com a minha mãe no telefone e ela falava: “Minha filha, você merece”. Aí o povo de São Paulo, não contente, me reelegeu em 2014 com 71 mil votos.
Quais suas lutas como deputada?
Eu sei o que justiça e o que é direito. É com isso que eu conduzo a minha vida parlamentar. Eu só fico meio frustrada porque eu achava que deputado tinha muito poder e isso não é verdade. Você pode fazer projetos de lei e ele pode ser aprovado, mas se não houver a sanção do governador, nada acontece. Mas a minha entrada na Assembleia deu outra cor na tinta. No primeiro mandado eu era da Comissão de Diretos Humanos e Educação e Cultura, mas, como a Casa ampliou, eu fiquei na de Educação e Cultura, que é a minha praia.
Por que prioriza esses temas?
Eu sou artista e estou deputada. Sempre falo isso. O meu sentimento sempre rolou como música ou poesia. Eu não toco instrumento nenhum, mas eu acho que é uma coisa espiritual. Quando a letra vem, vem pronta. Já fiz musica dentro de ônibus, de trem, passando um café e no chuveiro. É uma cosia muito louca. E a minha tendência sempre foi por fazer algum comentário sobre injustiça ou sobre alguma coisa do dia a dia. Por exemplo, a música Anjo da Guarda, a música dos professores, foi feita quando eu assisti uma matéria sobre professores fazendo uma passeata. De repente, a polícia chegou e dispersou essa manifestação. Só que um professor caiu no chão e o guarda chutou o rosto dele. Eu vi isso. E quando aquilo acabou eu fiz a música imediatamente.
Sua história de vida influencia essa postura?
Eu sou uma compositora negra e que vem da pobreza. Eu morei em três escolas publicas do Rio de Janeiro. Minha mãe era servente e eu ajudava a limpar as salas de aula. Eu fui telefonista, auxiliar de servente e operária de fábrica. Só depois fui parar na parte de burocracia da Universidade Gama Filho por ter participado do programa do Flávio Cavalcanti cantando. Essas profissões cimentaram minha vida para que eu tivesse esse comportamento parlamentar. Eu cuido de gente. O meu negocio é povo. Eu estou apta para falar de preconceito, violência contra a mulher, homofobia e religiões de matriz africana. Esse gabinete é o quilombo da diversidade e ela começa pelos próprios assessores. Eu tenho que ter coerência. Eu não esqueço a minha história.
Como é essa representatividade na Assembleia?
Tem tanto jovem, gente do fundão da Sul e da Leste com tantas ideias legais para poder transformar aquela comunidade, mas você tem dificuldades quando manda pra secretaria. Eu fico frustrada quando eu não consigo realizar. Tem uma lei minha que está na ordem do dia e eu preciso muito que seja aprovada. É a política estadual de fomento ao empreendedorismo de negros e negras. No universo empresarial, você conta no dedo os negros. Se a gente conseguir instituir essa política, vai ser um grande avanço. Quando tem eventos com grandes autoridades e eu sou convidada, fico me procurando, fico tentando ver se tem alguém igual a mim. E não tem. Isso aumenta minha responsabilidade. Não estou fazendo favor nenhum, é minha obrigação.
Você criou a medalha Theodosina Ribeiro, que homenageia mulheres. Qual a importância desse prêmio?
Você acha que falta representatividade?
A criança olha para a TV e se vê na matéria policial como ladrão e trombadinha. Só tem coisas ruins relativas à população negra. A publicidade não vê o negro como consumidor. Pode observar isso. Não tem uma família negra na propaganda. A gente não está nisso. Mas aí o movimento negro tem um papel muito importante nisso. A garota negra quer Barbie, mas tem que ter a Barbie pra ela. Tem que ter aquela bonequinha pretinha pra ela ter uma referência. Você tem percebido que as meninas negras estão todas com cabelo natural agora? Um cabelo mais lindo que o outro! Tinha o negócio da chapinha, mas o movimento começou a discutir isso e a moçada toda está com orgulho. Tem que ter orgulho de ser negro. Mas elas ainda sofrem. Eu não deixo passar nenhuma matéria que fala sobre racismo. Eu não deixo passar nada em relação ao racismo. Eu vou pra tribuna e falo mesmo. Quando vejo meninas negras elas falam: “A senhora me representa.”
Você observa uma união maior entre as mulheres?
Sim. Na eleição municipal, eu fiz questão de gravar vídeo com todas as candidatas negras, fossem elas do meu partido ou não. A gente tem que ver a nossa cara nesses lugares. Estamos também brigando contra a questão do assédio: “Não é não”. Até o Carnaval serviu para as manifestações, para trazer boas ideias. A partir do momento que você coloca cidadania em uma festa como o Carnaval, você traz um posicionamento de respeito a direitos e isso é muito bom. Por isso que eu botei a letra da Paraíso de Tuiuti aqui no corredor. Foi uma letra muito importante. Empoderamento, para mim, é ter atitude. É ter compromisso.
Você sempre fala muito da sua mãe, por qual motivo?
Minha mãe sempre me ensinou a respeitar as pessoas, a respeitar os mais velhos, a querer só o que posso ter, a não mexer nas coisas dos outros… E as seis palavrinhas que eu levo pra toda minha vida: bom dia, boa tarde, boa noite, com licença, por favor, e muito obrigada. Isso eu falo em todos os meus encontros. Minha mãe me deu a universidade da vida.
O que falta na política?
O que a maioria dos políticos faz pra ajudar o País? O que eles fazem para que acabe essa pirâmide? Eu quero deixar claro que não sou a favor de corrupção nem de desvio de dinheiro público. Como parlamentar, eu não aceito nenhum tipo de acordo. Eu sou uma pessoa que faz shows ainda e eu nunca fui hostilizada, graças a Deus. Nesse Carnaval, eu fui naquele sambódromo de baixo pra cima e todo mundo querendo selfie. Eu não recebi xingamento de ninguém. Falam que político não pode andar na rua. Depende. Eu ando na rua normal. O que é ruim na política é que se você é do partido azul e eu sou do partido roxo e você apresenta um projeto maravilhoso eu não voto por você ser do partido azul. Eu não faço isso aqui. Os projetos que vejo que têm conteúdo, eu voto a favor. Vamos nos unir! A gente tem que ter um coletivo forte para enfrentar isso que está aí. O Brasil está muito ruim. Quem pensa diferente não é meu inimigo.
O que você espera das eleições deste ano?
Eu acredito no povo brasileiro. O que eu não posso aceitar é essa coisa de gente reacionária, que por você apoiar partido progressista querem te agredir e fazem manifestações que não são corretas. Isso eu não apoio. Mas no povo brasileiro, que sabe que é importante você ter seu trabalho, seu pão de cada dia, seu filho na escola, eu acredito. Ninguém nasceu pra ser infeliz. Ninguém nasceu pra ser bandido. As pessoas nasceram para serem felizes. Eu também sou uma artista que canta por aqueles que estão privados da liberdade. Eu já cantei em várias penitenciárias no Rio e em São Paulo. Eu vou pra lá e canto pra eles a mesma coisa que eu canto em um teatro. Eles têm que refletir. Quem é rico pode pagar advogado, mas e quem é pobre?
O que você pensa do sistema prisional?
Você fica dentro de um lugar quadrado com um monte de gente junto. Isso vai ressocializar quem ali? É falta de humanidade, é falta de pensamento democrático é falta de entender as desigualdades. Se esse País tivesse educação e cultura, seria diferente. Agora, você não dá cultura, não educa, a pessoa cresce analfabeta e não consegue emprego decente… Você vai trabalhar nos piores lugares, vai ganhar os menores salários e você precisa botar pelo menos uma caixinha de leite em casa para alimentar a criança. A pessoa fica sem opção e aí chega o tráfico e te oferece uma condição. A pessoa não tem saída e vira comerciante da droga. Esses meninos da quebrada e da favela são sardinha. O tubarão está lá em Brasília. Ninguém vai me convencer de que não existe um poder político muito forte que facilita todo esse negócio. Prender traficante na Vila Vintém é fácil.