Advogado que militou numa das áreas mais ingratas do Direito brasileiro, a questão fundiária, Paulo Fonteles será relembrado em ato em homenagem e sua memória que inclui o lançamento do livro“Paulo Fonteles Sem Ponto Final”. Morto por pistoleiros em 1987, Fonteles radicou-se no Pará onde a luta pela reforma agrária é das mais duras e necessárias. Basta dizer que se todos os registros de propriedade de terra que circulam no estado fossem legítimos, o Pará teria o dobro do seu tamanho. E isso não é exagero. O homenageado teve cria – o filho homônimo que herdou do pai a disposição à luta e a opção pelos pobres. Mas quis o destino encurtar-lhe a vida em 2017 quando partiu de causa natural.
Conheci o filho de Paulo Fonteles durante reportagem sobre o assassinato de líderes sem-terra no Sul do Pará. O alvo da reportagem era a família Canuto. E ali pude conversar com a viúva do velho João Canuto (presidente do Sindicato Rural de Rio Maria), a irmã (de dois filho do velho, também mortos)O e remanescentes de uma família que teve três membros executados. Naquele ano, 2005, o Brasil se chocava com o início das primeiras denúncias sobre o Mensalão. As denúncias na TV paralisariam o país e imporiam a Lula sua primeira derrota política. Era também ali o princípio do que hoje sabemos ser um golpe.
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Um dos entrevistados foi, como dito acima, o filho de Paulo Fonteles. Igualmente advogado, o jovem herdara do pai o dom de lutar pelos pobres – as boas causas, portanto. Soube com pesar, através de amigos comuns, de sua morte no ano passado. De causa natural – o que chega a ser surpreendente naquelas paragens. Na reportagem, feita para a TV Globo para o extinto programa Justiça, pude entrevistar o então presidente do Tribunal de Justiça.
Insisti em uma pergunta sobre pistoleiros que haviam sido condenados em duas instâncias pelas mortes de líderes rurais e permaneciam em liberdade. Sorriso no canto da boca, o magistrado dizia apenas: seguimos a lei aqui no Pará.
Irritado (embora me esforçasse para não parecer) com a frigidez da autoridade maior do Judiciário paraense parti então para uma última e definitiva pergunta:
– Doutor, então me diga uma coisa: o que preciso fazer para conseguir ser preso aqui no Pará? Afinal, o sujeito que matou, foi reconhecido por testemunhas, matou de novo e foi reconhecido novamente permanece impune. Então me diga doutor: o que preciso fazer para ser preso?
Ele fechou o sorriso e deu a entrevista por encerrada. No caminho de uma longa viagem em direção a Rio Maria meu celular tocou. Era o assessor do presidente do TJ para me informar: “olha, o doutor mandou avisar ao jornalista que foi decretada a prisão do mandante!” Ao chegar a Rio Maria soube que o telefonema não foi dado apenas para mim. O “mandante” já havia fugido.
LANÇAMENTO DO LIVRO ”Paulo Fonteles Sem Ponto Final”
Instituto Paulo Fonteles de Direitos Humanos, a Fundação Mauricio Grabois – FMG e a Editora Anita Garibaldi convidam a todos e a todas para o Ato em Homenagem à História e a Memória de Paulo Fonteles, um bravo lutador do povo brasileiro. De líder estudantil, preso e brutalmente torturado, Fonteles tornou-se advogado de trabalhadores rurais e defensor dos direitos humanos, chegando a deputado estadual paraense. Paulo Fonteles foi assassinado em 1987 e nos deixou um legado de luta de resistência, tão necessário naqueles tempos, como nos tempos atuais.
Participavam também da organização: O Instituto Joaquim Herreira Flores – IJHF, União Bradileira de Mulheres – UBM, União da Juventude Socialista – UJS, Mandato Popular da Jandira Feghali, Central dos Trabalhadores e Tabalhadoras do Brasil – CTB, União de Negros Pela Igualdade – UNEGRO.
“O assassinato do advogado Paulo Fonteles no Pará, quando o país vivia a redemocratização, diz muito sobre a violência que continuamos a enfrentar 30 anos depois. A execução de defensores de Direitos Humanos, como Paulo Fonteles, continua sendo uma realidade no país – e, em particular, na Amazônia, o impacto da ditadura na Amazônia deixou um rastro de destruição exposta na execução dos guerrilheiros, no massacre de indígenas e camponeses, na expulsão de ribeirinhos e quilombolas. Segue a disputa pela terra entre os que querem como lugar para viver e os que a vêm como lugar para explorar.”
(Marina Amaral – Agência Pública).