Ex-ministro Juca Ferreira considera que setor é atingido não só pelas políticas de austeridade, mas pela falta de visão global dos governos. E vê risco de o país tornar-se “parque temático neoliberal”.
Por Vitor Nuzzi
Como praticamente todos os setores, a cultura não escapou de cortes impostos por uma política de austeridade implementada pelo atual governo, mas já vinha sofrendo com escassez de recursos. Para um grupo que vem se dedicando a formular propostas no setor, uma mudança só ocorrerá com alteração da “direção política”, a partir da qual seria possível “avançar sobre uma agenda de reorganização do financiamento à cultura”. Algumas políticas melhoraram o acesso da população, avalia o ex-ministro Juca Ferreira, para quem um dos desafios é consolidar a cultura como política público e direito social básico.
Ele participou recentemente de evento organizado pelo coletivo Brasil Debate e pela fundação alemã Friedrich Ebert Stiftung (FES), para refletir sobre o tema e apresentar propostas que poderão subsidiar o debate eleitoral. Texto do consultor João Brant, ex-secretário-executivo do Ministério da Cultura e ex-secretário municipal em São Paulo, fala em “morte lenta” das políticas federais para o setor, mas aponta saídas, desde que haja “uma reversão completa da trajetória dos últimos anos”. Hoje, diz ele, a tendência é “o ministério desaparecer”.
Isso chegou a acontecer em maio de 2016. Brant recorda que duas horas depois da posse de Michel Temer foi publicada uma medida provisória extinguindo a pasta. Houve reação da classe artística, levando o governo a recuar. Mas um levantamento organizado pelo consultor mostra orçamento em queda livre.
“Considerado desnecessário por Temer, prejudicado pelo teto de gastos públicos e desamparado pela falta de empenho de seu ministro em trabalhar por sua recuperação, o Ministério padece em morte lenta. Com ele, morre aos poucos também parte significativa das políticas culturais”, escreve Brant. Na prática, segundo ele, há uma perda entre 70% e 80% na chamada área finalística. “Hoje, o MinC tem R$ 100 milhões para executar.” O problema não é novo, mas tornou-se mais agudo – no texto, o ex-secretário cita a ação de uma “navalha” em 2015 e de uma “guilhotina” no ano passado.
Ex-secretário de Políticas Culturais do Minc e autor de livro sobre o assunto, Guilherme Varella cita conceito do ex-ministro Gilberto Gil: fazer políticas culturais é fazer cultura. Houve um início de mudança de postura institucional, em um Estado caracterizado pela falta de políticas públicas, em uma discussão que já não era mais apenas sobre orçamento, mas sobre diversidade. “Hoje, não existe capacidade operacional.”
Com Gil e Juca, cujas interinidades somam aproximadamente dois anos, o orçamento passou de R$ 476,1 milhões, em 2003, para R$ 1,65 bilhão em 2010. “A perspectiva era de criar uma política de Estado baseada não apenas em fomento a atividades culturais, mas em processos regulatórios e políticas públicas que contribuíssem para o desenvolvimento da cultura em três dimensões: simbólica, econômica e cidadã”, escreve Brant. “Estas três dimensões se desdobraram, naqueles oito anos, em ações concretas.” Ele cita, entre outras iniciativas, a criação do programa Cultura Viva, do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) e do PAC Cidades Históricas.
O consultor lembra que o orçamento para o Cultura Viva, que já foi superior a R$ 100 milhões, passou para R$ 32 milhões. E o PAC “respira por aparelhos”. Ao mesmo tempo, há um “crescimento significativo” do FSA, “que sustenta grande parte das políticas voltadas para este setor”.
Juca Ferreira avalia que as políticas de austeridades, isoladamente, não explicam a crise na cultura, que não é vista como parte de uma política pública. Ele recorda de conversas difíceis com técnicos da Fazenda e do Planejamento, que se queixavam de “barulho” vindo do Ministério da Cultura. As dificuldades aumentam com o predomínio do capital financeiro. O ex-ministro vê risco de o Brasil se tornar “um parque temático neoliberal”. Mas a questão vem também da própria sociedade. “Só 5% vão a museus, só 13% vão a cinema, (se lê) um 1,7 livro por ano”, observa.
O Brasil cresceu sua produção de filmes no pós-Lula (“Fazia menos de 10 por ano, hoje faz mais de 150”) e conseguiu zerar as cidades sem biblioteca, mas parte desse avanço se perdeu. Mais de 600 bibliotecas fecharam, aponta Juca, para quem o número pode ser ainda maior. Ele defende que se discuta como a sociedade se relaciona com as políticas culturais. “Não pode haver dicotomia entre acesso à cultura e cultura como mercadoria”, diz Juca. Mas a cultura deve ser um bem universal – não como hoje, em que o rico tem acesso a tudo, diz, a classe média tem grande parte e os mais pobres ficam com a TV aberta.
Durante a reunião, foram feitos vários relatos sobre atividades culturais em áreas mais distantes nos grandes centros. “As pessoas não vão não porque não gostam.”
FONTE: RBA, republicado em: http://www.vermelho.org.br/noticia/312182-1