Estudo divulgado em agosto revela que o país tem a menor participação de mulheres no Poder Legislativo da América Latina
por Júlia Dolce
Uma pesquisa divulgada no final de agosto pelo Centro Estratégico Latino-americano de Geopolítica (Celag) mostra que o Brasil tem o menor número de mulheres ocupando cargos de poder na Câmara e no Senado dos países da América Latina. O documento analisa a composição etária e de gênero dos parlamentos latino-americanos, e a compara com os dados populacionais de cada país.
No Brasil, de acordo com a pesquisa, há uma relação de 96 homens a cada 100 mulheres, o que representa quatro milhões de mulheres a mais na população. Apesar deste dado, e da Lei Nº 9.504, de 1997, que estabelece que cada partido deve preencher o mínimo de 30% de candidaturas femininas, a presença de mulheres no Congresso é mínima: dos 513 Deputados Federais, apenas 54 são mulheres, ou 11%. No Senado a percentagem de mulheres não passa de 16%.
Para Masra de Abreu, assessora técnica do Centro Feminista de Estudos e Assessorias (CFemea), a permanência do país entre os países da região com menor representatividade feminina reflete um mecanismo sistêmico da política brasileira.
“A forma como ele é concebido e gerido pelos homens brancos, de classe média, ricos, empresários, representantes das bancadas ruralistas conservadoras, cria sempre mecanismos de impedir o acesso das mulheres ao poder. Nosso sistema é bem claro na mensagem que ele passa de que a política não é para ser feita por mulheres. 52% da população brasileira é formada por mulheres. Mulheres não estão votando em mulheres, porque o sistema político, por vários fatores, impede a entrada e permanência de mulheres”, afirmou.
Divisão sexual da política
Há 30 anos o CFemea realiza o monitoramento feminista do legislativo brasileiro, por meio do Radar Feminista do Congresso. A pesquisadora aponta que a escassa proporção de candidaturas de mulheres ocorre apesar da existência da Lei de Cotas, e de uma decisão tomada neste ano pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), de que os partidos devem repassar 30% dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha para a candidatura de mulheres.
Maíra Kubik, professora do Departamento de Estudos de Gênero e Feminismo da Universidade Federal da Bahia (UFBA), o único do Brasil, descreve uma série de elementos que explicam o fato de as mulheres nunca terem ultrapassado, na história do país, 12% da Câmara Federal.
“As mulheres têm muita dificuldade em conseguir se dedicar à política institucional, por conta de uma divisão sexual do trabalho, que coloca os homens mais na esfera pública e as mulheres mais na privada. Quando as mulheres conseguem superar essa barreira, percebemos que elas têm muita dificuldade para se tornar lideranças reconhecidas. Isso tem muito a ver com a tradicional hierarquização da política que coloca os homens como os principais atores desse espaço. Quando elas conseguem ter sua candidatura aprovada, elas também têm menor financiamento que os homens, e poucas vezes são elencadas como candidaturas prioritárias”, explicou.
Intersecção
Kubik também alerta para a presença ainda menor de pessoas não brancas no Congresso. Menos de 5% dos parlamentares são negros: 24 deputados federais e três senadores. Com o recorte de mulheres negras, que representam metade da população de mulheres no país, a porcentagem na Câmara cai para 0,39%.
“São muito comuns os depoimentos de mulheres negras que atuam na política institucional que denunciam essa dupla dificuldade, de sofrer um preconceito por machismo e racismo. São candidaturas que obtém menos financiamento, visibilidade, apoio, [e têm] muita dificuldade para fazer essa estruturação da campanha”, afirmou.
O golpe sofrido pela ex-presidenta Dilma Rousseff (PT) em 2016, também foi destacado pelas especialistas como um acontecimento que impacta negativamente na inserção institucional de mulheres na política. Em contrapartida, o movimento feminista #Elenão, contra a candidatura presidencial de Jair Bolsonaro (PSL) é visto com otimismo, como destaca Masra de Abreu.
Golpe machista
“O Impeachment foi altamente misógino e machista. Acompanhamos a composição do governo Temer e ele terminou de acabar com a Secretaria de Política para Mulheres; a política de enfrentamento à violência contra mulheres perdeu 70% do orçamento. Por outro lado, dá um alívio ver o levante que temos, já que a maior resistência ao Bolsonaro vem das mulheres. Se ele não for eleito a responsabilidade vai ser nossa. Mesmo assim, precisamos reconstruir toda uma narrativa sobre o papel das mulheres na sociedade. Nesse bojo, aparecem candidaturas alternativas à essa narrativa tão violenta, de mandatos de mulheres da periferia, mulheres negras, mandatos coletivos, então acho que mesmo em um cenário tão adverso, as mulheres estão provocando um debate de uma possível transformação do sistema político”, concluiu.
O número de registro de candidaturas de mulheres aumentou levemente nestas eleições em comparação com as últimas eleições de 2014. Segundo o TSE, em 2018, 8.435 mulheres apresentaram candidaturas, e na disputa eleitoral anterior foram 8,1 mil. Apesar disso, em relação ao total de candidaturas, a proporção feminina diminuiu de 31,1% em 2014 para 30,7% neste ano. Segundo dados da Justiça Eleitoral, a maioria das candidatas de 2018 se declara branca (51,7%) e parda (33,4%). Mais de 60% das candidaturas são para vagas de deputadas estaduais, e 30% para federais.
A manutenção do atual Congresso Brasileiro nessas eleições é um dos grandes obstáculos para alcançar qualquer mudança em relação à sub-representação de mulheres. Segundo um levantamento feito pela Folha de S. Paulo com base nos registros de candidaturas na Justiça Eleitoral, 80% dos atuais deputados federais buscam a reeleição.
Edição: Mauro Ramos