Por Juliano Medeiros – Artigo publicado originalmente na Carta Capital
Faltam menos de quinze dias para o primeiro turno das eleições presidenciais e o Brasil segue diante de profundas incertezas. A crise social, que gerou um contingente de mais de 14 milhões de trabalhadores desempregados, se aprofunda.
A violência urbana alcança níveis alarmantes que nenhuma intervenção federal é capaz de deter, enquanto a alta cúpula do governo golpista se enreda em novos escândalos de corrupção, como revelaram as recentes gravações que mostram um aliado de Temer negociando propina junto a Odebrecht.
É nesse contexto que o país irá às urnas no próximo dia 7 de outubro. Entre os eleitores democráticos e progressistas há muita dúvida e também muito medo. Se por um lado, o indeferimento arbitrário da candidatura de Lula pelo Tribunal Superior Eleitoral e sua posterior substituição por Fernando Haddad finalmente definiram o quadro da disputa presidencial no primeiro turno, por outro, deu início a muitas especulações sobre a capacidade do campo de oposição ao golpe contar com um de seus nomes no segundo turno.
O atentado contra Bolsonaro não gerou uma disparada do candidato do PSL nas pesquisas eleitorais, como esperavam seus aliados, mas parece ter consolidado um potencial que alcança, hoje, não menos que 25% das intenções de voto. Isso, na avaliação de muitos especialistas, pode ser suficiente para levar o candidato da extrema-direita ao segundo turno. Seria necessário, portanto, lutar para garantir que a outra vaga seja de um nome do campo democrático.
Nesse contexto, muitos eleitores progressistas passaram a manifestar uma opção pelo chamado “voto útil”. Ou seja, mostram-se dispostos a deixar de votar em um candidato com o qual se identificam para escolher um nome que simplesmente esteja mais bem posicionado nas pesquisas. Enquanto durou a indefinição em relação à candidatura do PT, Ciro Gomes (PDT) se beneficiou desse fenômeno. Agora que o partido de Lula oficializou o nome de Fernando Haddad como substituto, vemos muitos eleitores progressistas manifestando sua intenção de votar no candidato do PT apenas pelo potencial que ele demonstra ter para chegar ao segundo turno.
O medo de uma vitória de Bolsonaro ou de um segundo turno entre dois candidatos do campo do golpe é compreensível. Para qualquer eleitor que defende posições progressistas esse seria um cenário desesperador. Mas as últimas pesquisas apontam que é quase impossível um segundo turno sem um candidato do campo democrático. Essa é uma boa perspectiva. Por isso, o raciocínio que justifica o voto útil mostra-se incompleto, porque desconsidera ao menos uma variável importante: o que vem depois de outubro.
Derrotar Bolsonaro é, sem dúvida, muito importante. Mas contar com um governo capaz de enfrentar a crise que o país atravessa e retomar a normalidade democrática também. Por isso, é preciso vencer a eleição com um programa que expressa o rechaço do povo brasileiro não só à extrema-direita e à intolerância, mas também ao programa do golpe. E aqui está o problema do chamado “voto útil”.
Sem se dar conta, o eleitor progressista e democrático, ao optar pelo “voto útil”, empurra o candidato mais bem posicionado nas pesquisas – neste momento, Fernando Haddad – para o centro do espectro político no segundo turno, já que sua disposição será a de conquistar o apoio do grande empresariado e não dos eleitores de esquerda, que tendem a ser naturalmente seus.
Em outras palavras: “desidratar” as demais candidaturas desse campo (Ciro e Boulos), ao invés de garantir a chegada de Haddad ao segundo turno – o que é quase certo, dado a forte capacidade de transferência do apoio de Lula em muitas regiões do país – serve apenas para diminuir o peso de uma agenda verdadeiramente de esquerda na disputa contra Bolsonaro.
Um exemplo simples: se Boulos alcançar, digamos, 10% dos votos no primeiro turno, o peso de sua agenda – legalização das drogas, descriminalização do aborto, desmilitarização das polícias, combate aos privilégios, etc. – será muito maior no segundo turno. Se sua votação, ao contrário, ficar abaixo de 1%, porque o candidato que disputará o segundo turno contra Bolsonaro se sentiria na obrigação de dialogar com essas pautas, já que muitas delas são impopulares para uma parte mais conservadora do eleitorado?
O mais provável, portanto, é que ele acabe priorizando o diálogo com posições mais à direita, para conquistar votos de Alckmin ou Álvaro Dias, engavetando boas propostas de Ciro, Boulos e do próprio PT.
Por isso, o voto útil é uma espécie de “cheque em branco” para o pragmatismo. Ao reduzir as perspectivas eleitorais das demais candidaturas de esquerda, o eleitor progressista diminui o peso relativo de suas bandeiras no segundo turno, aumentando proporcionalmente a relevância do apoio que as candidaturas da direita podem oferecer.
Para quem só quer derrotar Bolsonaro, pode parecer um bom negócio. Mas para quem acredita que o Brasil precisa de um governo que, além de combater a extrema-direita, também ponha os golpistas pra correr, o voto útil é inútil. Nesse caso o melhor mesmo é votar para fortalecer candidaturas que representem uma mudança clara de rumos. Só isso pode deter a escalada de pragmatismo que, no segundo turno, costuma contaminar a esquerda brasileira.
FONTE: https://www.psol50.org.br/juliano-medeiros-um-voto-inutil/