Em carta que viralizou, magistrada denuncia péssimas condições de trabalho e estrutura no interior do estado. Tribunal de Justiça vai apurar denúncias e informou que pedido se transformou em licença médica.
Por G1 PA — Belém
Uma juíza lotada em comarca do interior do Estado do Pará pediu exoneração do cargo na última semana, eles denunciam precariedades trabalhistas enfrentadas por juízes e servidores. O pedido público de exoneração da juíza Ana Carolina Barbosa Pereira, da Comarca de Xinguara, no sudeste do Pará, motivou a abertura de um processo que vai apurar as denúncias. O Tribunal de Justiça do Pará (TJPA) publicou na quinta-feira (4) a portaria que instaurou a comissão.
Em carta publicada nas redes sociais, a juíza denuncia a omissão de órgãos diretivos do Poder Judiciário do Pará. Veja o trecho do documento assinado pela magistrada:
“Não nasci para ver e gravar inúmeros réus confirmando o recebimento de propina pela Delegacia, acobertada por suposta fiança em valor assustadoramente inferior, e absolutamente nenhuma providência ser adotada. Nem pela Corregedoria da Polícia, nem pelo Ministério Público, nem pelo Tribunal de Justiça, que inclusive acolheu MS de determinado Delegado reinserindo-o na Comarca. Não nasci para ver juízes corruptos, alguns sendo punidos pelo CNJ, mas nenhum advogado ser igualmente penalizado. Somente no Pará o corrompido é punido. O corruptor não existe”.
Ana Carolina destaca o acúmulo de processos e a falta de atuação do Ministério Público do Estado (MPE). “Crianças acolhidas há anos por falta de atuação do MPE em promover a destituição; por falta de equipe multidisciplinar e, acima de tudo, por falta de boa vontade”, critica. “Só se pensa na pompa e circunstância de ser juiz ou desembargador. Esquece-se que, acima de tudo, somos todos servidores públicos”.
Outro aspecto denunciado pela juíza de Xinguara diz respeito à precariedade da estrutura oferecida aos magistrados no interior do estado. “Não nasci pra ver um Tribunal apoiador de privilégios e que sequer sabe o que se passa com os juízes no interior do Estado. Estou verdadeiramente enlouquecendo no Pará, notadamente em Xinguara, onde atuo há dois anos sem sequer ter recebido uma única ligação da Corregedoria ou da Presidência para fins de apoio a todas as demandas que já foram solicitadas”.
No documento, Ana Carolina pediu exoneração do cargo. No entanto, de acordo com o TJPA, horas depois, a juíza desistiu do pedido de exoneração, considerou o oferecimento de apoio médico pela Associação dos Magistrados do Estado do Pará (Amepa) e requereu passar por junta médica do Tribunal de Justiça.
Precariedades estruturais
Após a divulgação da carta, servidores também denunciaram as condições de trabalho nos Fóruns do interior do Pará. “As condições de trabalho são ruins em vários aspectos. Primeiro que quem trabalha no interior não tem direito a vale transporte e dedicação exclusiva, o que na capital, claro, o servidor recebe e também direito a segunda alternativa, que garante um valor a mais no contracheque. Sem contar com as condições de trabalho dentro dos fóruns, com prédios precários, computadores e internet ruins, o que também acontece na capítal”, relata um servidor do TJ, que preferiu não ser identificado.
Outro servidor aponta problemas no sistema judiciário. “O concurso do Tribunal é realizado por polos. Isso quer dizer que quem passou pro Marajó, por exemplo, só tem chance de sair de lá num concurso interno de remoção, sendo que o último aconteceu em 2014 e só participou quem já havia vencido o período de estágio probatório. Logo, se algum servidor tivesse dois anos e 11 meses de concursado, ele não pode participar e há pelo menos seis anos está esquecido no interior do estado”, declarou o servidor.
“É importante ressaltar que o interior do estado tem presença quase nula do Estado, não temos segurança alguma, e é recorrente problemas de insegurança, atearem fogo em fóruns, etc. O Pará é um estado diferente, precisa de condições especiais de trabalho”, afirmou ainda outro servidor que não quis se identificar.
Comissão vai apurar denúncias
O presidente da TJPA, Ricardo Ferreira Nunes, estabeleceu o prazo de 45 dias para a que a comissão apresente um relatório conclusivo, que será submetido ao Pleno da Corte e divulgado para conhecimento público.
Foram designados para compor a comissão, como presidente, o desembargador Luiz Gonzaga Neto, e os juízes Lúcio Barreto Guerreiro, auxiliar da presidência, e André Filo-Creão Garcia da Fonseca, indicado pela Associação dos Magistrados do Estado do Pará (Amepa).
Na mesma portaria, o presidente do TJPA deferiu os pedidos de desistência da exoneração e de realização de perícia médica solicitados pela juíza Ana Carolina Barbosa Pereira.