Em artigo, Kelli Mafort da direção nacional do MST analisa o cenário atual e o próximo governo eleito
Por Kelli Mafort*
Da Página do MST
Quando o golpista Michel Temer, numa campanha publicitária infeliz, declarou que o Brasil voltaria 20 anos em dois explicitando sem disfarces o retrocesso de seu governo, não poderíamos imaginar ou medir a intensidade agressiva do quadro atual.
Do ponto de vista programático, o governo Bolsonaro será uma continuidade de Temer, ou seja, parte integrante do golpe, agora legitimado nas urnas, o que dá maiores poderes as tiranias ditas com quase todas as letras durante a campanha eleitoral. Parte foi ocultado, principalmente em relação a questão econômica.
Bolsonaro é um ultra neoliberal e sua tarefa funcional ao capital é intensificar os processos de precarização do trabalho e de saque indeterminado dos nossos bens naturais e estratégicos. Sua agenda é altamente privatizante, independente do desempenho individual de cada empresa estatal, mista ou dos serviços essenciais que prestam ao povo brasileiro.
Além disso, a função que Bolsonaro tem desempenhado no Brasil, relaciona-se diretamente com os interesses do capital mundializado, que atravessa há décadas uma crise estrutural, duradoura, rastejante e cada vez mais decadente e bárbara. O sistema é um fracasso civilizatório em toda parte e atinge de forma mais perversa os pobres do mundo, entre estes, os sujeitos sociais mais vulneráveis.
O capital não admite limites e o fato dele já ser uma realidade em todo globo, provoca uma intensificação da exploração sobre o trabalho e os bens naturais, de maneira desenfreada e num ritmo avassalador. Sua atuação libera forças destrutivas sobre enormes contingentes populacionais, provocando guerras locais, deslocamentos em massa, ampliando a desigualdade social, a fome, a miséria e, consequentemente, a violência e o encarceramento. Só no Brasil, já temos a terceira maior população carcerária do mundo, formada em sua maioria por jovens negros.
No inicio do pleito eleitoral, Bolsonaro de forma alguma parecia ser a opção preferencial do capital, pois ele sendo um produto resultante do barbarismo das disputas de rua que tomaram conta do país desde 2013, se aproximava mais de um perfil neo fascista barulhento, que pouco inspirava confiança ao chamado Deus mercado.
No entanto, a crise política que se abateu sobre a direita tradicional, e que ficou evidente com a derrota do primeiro turno, ajudou a projetar Bolsonaro como uma personificação do capital, aliando as características de ultra neoliberal, com um perfil neo fascista, adaptado aos condicionantes de uma periferia do mundo, como a nossa. Ou no jargão repetido mil vezes por esse time de políticos: são liberais na economia e conservadores nos costumes. Uma patética falácia!
Assistiremos nos próximos dias a composição de um um governo que expressa o Partido Golpista do Capital (PGC) e suas representações da mídia, de parte do judiciário, do agronegócio e da mineração, dos empresários e dos banqueiros. Enfim, podemos ficar horas debatendo o caráter e o que representa Bolsonaro, e é importante ir fazendo isso ao longo do processo, pois só derrotamos, quem de fato conhecemos profundamente. No entanto, estamos em meio à uma batalha que já fez várias vítimas, e o lado vitorioso não parece dar trégua, o que nos exige capacidade política de reação, mas sobretudo, de estratégia para se confrontar, do ponto de vista de
projeto de sociedade.
Temos muitos desafios e a resistência é uma tarefa fundamental de defesa dos movimentos populares, do direito à manifestação e à livre organização política. E nesse sentido o esforço pela construção de uma frente ampla em defesa da democracia, iniciada na campanha Haddad e Manuela é fundamental. Mas nossa principal tarefa é atuar sobre as contradições do projeto político do futuro governo, organizando a resistência de massa, dos que necessitam de moradia, terra, água, trabalho e comida. Projetando politicamente as lutas daquelas e daqueles que têm sofrido na própria carne, os efeitos práticos de um discurso racista, machista e lgtbtfobico, que fere, tortura e mata.
Por isso é importante ampliar processos de formação política e de trabalho de base, única forma de dialogar com os trabalhadores e trabalhadoras, nas suas necessidades imediatas, mas também nas dores e aflições de uma subjetividade tão atingida pelo barbarismo social.
Aos lutadores e lutadoras das causas do povo, o único caminho é resistir, enfrentar e travar a luta nas condições impostas no atual quadro histórico. Essa tarefa é nossa e se não a fizermos, com nossas forças e a partir do que acumulamos na labuta do dia a dia, ela dificilmente será feita por alguém.
Que a rebeldia de Marielle e a resistência de mestre Moa, nos inspire. Que a violência contra as famílias sem terras nos indigne. Que a força de cada barraco reerguido após o incêndio criminoso aos berros de viva Bolsonaro, nos convoque para seguir na luta. E que nossa cultura guerreira indígena, negra e latino americana nos coloque em permanente movimento. Crescemos somente na ousadia! Só a luta conquista!
* Kelli Mafort é integrante da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).