Presidente da corte articulou aprovação do aumento semanas antes de assumir o cargo. Propôs acabar com o auxílio-moradia e fez gestões pessoais junto a vários senadores para o texto ser pautado
por Hylda Cavalcanti, da RBA
Assunto de sete entre cada dez conversas no Executivo, Legislativo e Judiciário nos últimos dias, o reajuste do Judiciário, que aumentou o teto do funcionalismo público, preocupou técnicos e políticos e tende a levar a um efeito cascata nas contas públicas que pode chegar a R$ 4 bilhões no próximo ano e até R$ 6 bilhões até 2020. Mas, por outro lado, elevou o cacife do atual presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), José Antonio Dias Toffoli, como um dos principais estrategistas e negociadores do Judiciário e dos três Poderes.
O que mais tem sido comentado entre magistrados, operadores de Direito e assessores nos tribunais superiores ao longo da semana tem sido a forma com que o magistrado se articulou com representantes do atual governo, pessoas ligadas a Bolsonaro, senadores de vários partidos e até mesmo magistrados de outras instâncias nas negociações que conduziram ao resultado da votação. Tudo isso, com pouco mais de 30 dias à frente do cargo.
Cobrado por colegas da magistratura e até por amigos próximos que exaltavam seu poder de bom conciliador como oportunidade para que o Judiciário conseguisse o reajuste, Toffoli, conforme contam assessores do STF, começou a articular em definitivo para a votação, que foi realizada pelo Senado na última quarta-feira (7), em abril passado.
Ele teria aproveitado as conversas que teve desde então com autoridades para discutir a questão do auxílio-moradia dos magistrados, alvo de polêmicas nos últimos anos, para buscar a melhor forma de contrapor o assunto junto ao Legislativo.
“A tentativa de convencimento começou até mesmo com integrantes do governo Bolsonaro antes do resultado das eleições. Não se pode afirmar concretamente, mas passaram também pela nomeação do general da reserva Fernando Azevedo e Silva para integrar a equipe do gabinete da presidência do Supremo”, contou outro ministro, colega do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao avaliar seu trabalho e elogiar o feito.
Azevedo e Silva teria sido indicado ao ministro para o seu gabinete por militares que possuem ligações e ajudaram a formular o programa de governo de Jair Bolsonaro.
Fim do auxílio-moradia
Desde que foi empossado, o presidente da mais alta Corte do país vinha dizendo, durante conversas com autoridades que, com o reajuste dos servidores do Judiciário, seria possível ao tribunal decidir o fim do auxílio moradia sem desgastes com a categoria. Foi isso que ele deixou claro para o atual presidente, Michel Temer, e que fez chegar à equipe de Bolsonaro, como forma de conseguir que não fizessem esforços para evitar a aprovação do texto.
Os argumentos do ministro foram seguidos nesta sexta-feira (9) por dois colegas do STF, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio de Mello, que lembraram o fato de esse reajuste – de 16,38%, num período de contenção de despesas e crise econômica – representar, em suas opiniões, “recomposição de perdas inflacionárias de um período entre 2009 e 2014”.
A oportunidade foi observada pelo próprio presidente, conforme contou à RBA um juiz auxiliar, logo depois que os principais assessores de Jair Bolsonaro declararam que a prioridade do governo de transição seria aprovar a reforma da Previdência. O que deixaria o Senado mais livre para trabalhar da forma como bem entendesse.
Diante disso, Toffoli tratou de ligar pessoalmente para vários senadores pedindo para a matéria ser colocada em pauta e para conversar sobre a importância do reajuste.
“Ele tomou para si a iniciativa como uma prova da sua capacidade de negociação e fez de tudo para mostrar que tinha boa performance de entendimentos com outros poderes”, avaliou esse assessor próximo do magistrado.
Para que a negociação conseguisse ser firmada, Toffoli propôs colocar em votação de imediato todas as ações que tratam sobre o auxílio-moradia e se empenhar para que seja aprovado o fim deste subsídio.
Relação com outros Poderes
Em reunião com presidentes dos Tribunais de Justiça, esta semana, Dias Toffoli deu indícios de que já começou a se movimentar para cumprir sua promessa. Afirmou que o auxílio-moradia tem sido um ônus que está recaindo sobre toda a magistratura, mas que com o reajuste, ele terá como cortar isso de forma amigável.
“Auxílio-moradia é ônus e reajuste é apenas recomposição”, afirmou, numa espécie de recado de que vai pôr fim ao benefício.
Aos jornalistas, no entanto, ele falou de modo mais polido sobre o tema. Contou que vai conversar com o ministro Luiz Fux, que é relator das ações, sobre “o melhor momento” de coloca-las na pauta de julgamento. Uma forma de evitar qualquer desgaste com colegas, depois de conseguir vitória nos entendimentos com o Legislativo e Executivo.
O ministro vem cumprindo a intenção registrada durante sua posse de buscar rotinas regulares de reuniões institucionais com os três Poderes. A expectativa dos colegas é que ele promova um “choque de gestão” no STF, principalmente nas regras internas que atingem a administração e os ritos das turmas.
Com 50 anos de idade, o atual presidente do Supremo é conhecido por buscar longas conversas com colegas e autoridades que possuam pensamento oposto ao seu, para chegar a uma negociação ou, ao menos, a pontos em comum.
Nessa tentativa de manter bom relacionamento com todos, chegou a colocar panos frios no primeiro encontro que teve com Jair Bolsonaro e o filho, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-RJ) esta semana. Ao ouvir o pedido de desculpas de Eduardo pelo vídeo no qual ele afirmou que “basta um cabo e um soldado para fechar o Supremo”, minimizou a questão. Disse a Eduardo: “isso já é passado”.
O jeito de Toffoli atuar pode vir a ter muitos percalços até ele deixar a presidência do Supremo, em 2020. Ao ter conseguido o aumento dos ministros de R$ 33,7 mil para R$ 39,3 mil, pode até ter feito os futuros integrantes do Executivo e do Legislativo acenderem uma luz amarela em torno do seu nome, nas próximas reuniões de que participar.
Mas ninguém no Judiciário tem dúvidas de que, esta semana, foi ele o principal vencedor das votações, solenidades e reuniões realizadas na capital do país.