Memória, verdade e, principalmente, justiça são fundamentais para que erros históricos não sejam repetidos
Já se passaram quase 50 anos desde que Ivan Seixas, 63, foi preso junto ao pai e torturado durante mais de dois dias por agentes da ditadura militar. Desde então, a luta pela memória e justiça aos crimes do Estado se tornou sua razão de vida. Hoje, após a eleição de Jair Bolsonaro à Presidência da República, é ao esquecimento que ele atribui o saudosismo aos tempos de exceção, censura e violência.
“O pacto de silêncio que foi feito é responsável pela impunidade e também pela ignorância. O fascismo se mantém por dois meios: o medo que ele impõe às pessoas, que ao se sujeitar, não contestam; e pelo esquecimento”.
O pacto ao qual se refere foi, segundo Seixas, um acordo de cavalheiros, entre os liberais democratas e os militares, para manter impunes às graves violações aos direitos humanos, cometidas pelos agentes do Estado durante o regime militar.
“Quando houve a passagem da ditadura para a democracia, os liberais, como Tancredo Neves, Ulisses Guimarães, negociaram por cima e não permitiram que nós, familiares de desaparecidos, ex-presos, ex-exilados, fizéssemos a acusação contra os agentes torturadores. Inclusive nos isolando para que as nossas denúncias não repercutissem na população”.
Para a historiadora Janaína Teles, o pacto continua vigente, logrando inclusive, a paralisação na justiça de processos que questionam a extensão da lei de anistia aos agentes do Estado.
“Esse acordo é implícito, mas vigora até hoje e, portanto, todas as tentativas de fazer alguma responsabilização civil ou penal que foram tomadas desde os anos 80 até hoje, foram postergadas. Então é uma elaboração desse período que foi feita muito tardiamente, pela Comissão da Verdade, e de uma maneira muito restrita ainda”.
A impunidade sobre crimes de lesa humanidade foi o motivo pelo qual o Estado brasileiro sofreu condenações em cortes internacionais. A última sentença foi emitida em julho de 2018 pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), organismo ligado à Organização dos Estados Americanos (OEA), pelo caso do assassinato do jornalista Vladmir Herzog, ocorrido em 1975.
Teles defende que, além da verdade sobre os crimes do regime militar, experiências como a da Argentina mostram a importância da justiça para garantir a permanência da memória histórica da população.
“Toda essa discussão, essa avaliação que precisa ser feita sobre a ditadura, na Argentina foi feito e ainda é feito muito mais. Porque há julgamentos, ações penais. E em uma ação penal, justamente porque o acusado pode ficar muitos anos na cadeia, é preciso fazer uma apuração muito severa, cuidadosa sobre os fatos. Então se acaba conhecendo muito do que aconteceu. Se aqui não houve nunca ação penal, a gente sabe muito pouco sobre as circunstâncias dos crimes”.
Segundo a historiadora, a falta de memória coletiva é, precisamente, o que levou o Brasil a, em pleno ano de 2018, eleger um candidato que faz apologia a tortura e defende o regime militar.
“É muito difícil a população saber o que aconteceu, fazer uma avaliação do significado que foi essa ditadura, sem uma apuração do que aconteceu, uma apuração séria sobre o que aconteceu. Daí que esse passado não passa nunca, ele volta e é mau resolvido no país. Um monte de gente acaba votando em um candidato que defende a ditadura, defende a tortura”.
Edição: Diego Sartorato