Para especialistas, próximo presidente deve promover privatizações e um desmonte ainda maior na estrutura da empresa
Anunciado esta semana pela equipe econômica de Jair Bolsonaro (PSL) como o futuro presidente da Petrobrás, Roberto Castello Branco, ex-diretor do Banco Central e da Vale, tem feito uma série de declarações que sinalizam como será sua gestão à frente da maior estatal do país.
Em entrevista ao Estado de S. Paulo, Castello Branco afirmou que o que compete à Petrobrás é a exploração e a produção do petróleo, e que demais atividades, como a distribuição de combustíveis, não trariam retorno.
Em nome da competição do mercado, o futuro presidente da estatal também defendeu a revisão do monopólio do refino do óleo. De acordo com ele, “não faz sentido uma única companhia ter 98% de uma atividade no Brasil”, mesmo que ela seja estatal. “A Petrobrás pode rever o monopólio nessa área. A competição é favorável a todos: à Petrobrás e ao Brasil“, disse ainda o executivo.
William Nozaki, diretor técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), avalia que a política prevista por Castello Branco prejudicará a estatal, a começar pela abertura da concorrência para refino do petróleo.
“Isso significa que vamos abrir o mercado brasileiro para um conjunto de players, traders, importadoras, que vão priorizar o refino para aproveitar a retirada da Petrobrás desse mercado e a política de preço praticada no Brasil sem nenhuma preocupação com o abastecimento do mercado interno”, afirma.
Para Nozaki, que é professor de economia e ciência política da Fundação Escola de Sociologia e Política do Estado de São Paulo (FESP-SP), a população brasileira será afetada diretamente, já que o aumento do diesel, da gasolina, do etanol e do gás de cozinha são consequências da política defendida por Castello Branco: “Se nós não temos autonomia sobre nosso parque de refino, também não temos autonomia sobre o abastecimento de derivados. Isso, em um cenário de turbulência nos preços, pode significar o encarecimento dos preços dos derivados para os consumidores finais”.
A nomeação de Castello Branco, segundo ele, confirma que a ala “pró-mercado do grupo de Chicago” de Paulo Guedes está conseguindo hegemonia no conjunto da agenda econômica do país. O “guru econômico” de Bolsonaro é amigo pessoal de Castello Branco e foi o responsável pela indicação do nome ao presidente eleito.
Economista, o novo presidente da estatal tem pós-doutorado pela Universidade de Chicago, conhecida como um dos berços do neoliberalismo. Lá, foram formuladas propostas econômicas que basearam políticas como a do ditador Augusto Pinochet, no Chile, e a de Margaret Thatcher, na Inglaterra.
“Ele [Castello Branco] deve continuar e intensificar a política que teve início no governo Temer [MDB], de fazer com que a Petrobrás deixe de ser uma empresa integrada e se transforme em uma empresa enxuta, concentrada em exploração e produção, acelerando o pacote de desinvestimento e a retirada da empresa dos outros segmentos da indústria petrolífera”, diz Nozaki.
O diretor técnico do Ineep explica ainda que há um cenário internacional de guerra comercial que impacta diretamente na indústria petrolífera. Tensões entre mercados ofertantes de petróleo como Estados Unidos e Arábia Saudita, Rússia e Irã, assim como incertezas dos mercados consumidores, a exemplo da China e da Europa, sinalizam uma maior volatilidade no preço do barril de petróleo em 2019. Se, no momento de maior alteração de preços, o mercado brasileiro estiver aberto para o capital estrangeiro, também estará mais exposto às vulnerabilidades do mercado internacional.
Nas gestões anteriores, o custo de venda dos produtos refinados pela Petrobrás se sustentava sobre os custos nacionais de produção do petróleo, independentemente das alterações nos preços internacionais. Ou seja, mesmo que um conflito no Oriente Médio ou a cotação do dólar aumentassem o preço do barril no mercado internacional, o custo de produção da estatal não se alterava.
Na mira da privatização
Castello Branco foi membro do conselho de administração da Petrobrás, mas saiu do colegiado porque considerava lento o ritmo de venda de ativos na companhia. Ele já se posicionou diversas vezes a favor da privatização da estatal. José Maria Rangel, coordenador da Federação Única dos Petroleiros (FUP), alerta que, na avaliação da entidade, é provável que Castello Branco entregue a estatal ao setor privado em fatias.
“Da escola [econômica] que ele vem, que é a Escola de Chicago, eles alimentam esse processo de um Estado cada vez menor. Isso dialoga diretamente com a política do novo governo – que é, inclusive, criar uma Secretaria de Privatizações. A expectativa é de entregar a empresa, entregar o pré-sal, de tornar a Petrobrás uma mera exportadora de óleo cru”, lamenta.
Rangel concorda com a avaliação de que a proposta de abrir mão do refino do petróleo atende aos interesses estrangeiros. “O que ele [Castello Branco] quer dizer é que o que tem que valer aqui dentro é o livre mercado. No livre mercado, vamos expor o povo brasileiro ao que estamos assistindo hoje: gasolina a R$ 5,00 e botijão de gás a R$ 80,00. O brasileiro vai pagar o preço dos derivados de acordo com o mercado internacional, de acordo com a variação cambial. Quem tem petróleo tem poder, e o Brasil está entregando, de maneira acelerada e vergonhosa, seu petróleo para o capital internacional”, complementa.
De acordo com o petroleiro, a BR Distribuidora é o “trem-pagador” da Petrobrás, e é pela venda do produto final que a empresa tem uma grande lucratividade. No entanto, em suas declarações, Castello Branco reduz o potencial da distribuidora – “a BR é uma cadeia de lojas, no fim das contas”, chegou a dizer o executivo.
“Entendemos a venda da BR Distribuidora como parte do DNA entreguista que o Castello Branco, e aqueles que o seguem, têm. Não há outra lógica. Ninguém em sã consciência iria vender aquilo que dá lucro”, argumenta Rangel.
Para Nozaki, as ações anunciadas previamente pelo novo presidente da Petrobrás, sem estratégia de planejamento e sem novos investimentos, pode fazer com que a estatal perca a oportunidade de encontrar novas reservas de petróleo que trariam avanços para o país a longo prazo. Por exemplo: se a política de Castello Branco tivesse sido adotada pela Petrobrás nos anos 1990, com base apenas na exploração e produção do óleo já mapeado, o pré-sal sequer teria sido descoberto.
Segundo o pesquisador, o setor de óleo e gás do Brasil corresponde a cerca de 13% do Produto Interno Bruto (PIB). Outros setores industriais, que contam com o chamado “efeito multiplicador” causado pela atuação da estatal, por meio das demandas que gera e da rede de fornecedores que mobiliza, também seriam prejudicados com essa política. A Petrobrás tem a capacidade de estimular, por exemplo, a indústria metal-mecânica, a indústria de engenharia pesada, as indústrias naval e de construção civil.
Vende-se tudo
Com o viés liberal de Bolsonaro, a exploração do pré-sal também está em jogo. Ao longo de seus governos, o Partido dos Trabalhadores (PT) instaurou um regime de partilha da reserva, de modo que o Estado tivesse acesso a recursos do pré-sal.
Porém, os representantes do governo Bolsonaro apontam para uma alteração também no regime de partilha de produção para concessão, o que beneficiaria o setor privado. Neste modelo, as petrolíferas que ganhassem os leilões concentrariam o direito de exploração do óleo.
“O próprio Castello Branco já sinalizou que prefere só o regime de concessão. Ele é contra, em tese, o regime de partilha e de cessão onerosa. Defende uma espécie de regra universal de concessão, mesmo para o pré-sal, o que significa fazer com que o país e a Petrobrás abram mão de uma oportunidade de negociar reservas expressivas, que poderiam trazer divisas muito significativas para o país”, analisa William Nozaki.
Na opinião do pesquisador, com a justificativa de gerar caixa a curto prazo, a política indicada por Castello Branco resulta na perda de oportunidades que gerariam ganhos significativos a longo prazo.
Edição: Daniel Giovanaz