Órgãos de educação devem tomar medidas de proteção da liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber

Instituições de ensino superior, públicas ou privadas, gerências regionais de educação e secretarias municipais de educação atuantes em Belém e outros 62 municípios paraenses devem explicar, até janeiro de 2019, que medidas estão tomando para assegurar o respeito aos princípios constitucionais e normas que regem a educação brasileira.

A recomendação é do Ministério Público Federal (MPF) no Pará e cobra ações efetivas e proativas para “garantir a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber e o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas no âmbito das instituições sob suas administrações”, segundo texto assinado pelo procurador da República Ubiratan Cazetta.

A recomendação também alerta que todos os gestores devem se abster de qualquer atuação ou sanção arbitrária em relação a professores e adotar “medidas cabíveis e necessárias para que não haja qualquer forma de assédio moral em face desses profissionais, por parte de estudantes, familiares ou responsáveis, em especial aqueles que resultem em constrangimento ou qualquer forma de censura, direta ou indireta”.

O documento deve ser divulgado amplamente pelas instituições que receberem a recomendação, inclusive por diretores de escolas privadas, e as medidas tomadas devem ser informadas em até 30 dias após o recebimento da notificação, que começou a ser encaminhada em 23 de novembro último. Se as respostas não forem apresentadas, ou se forem consideradas insatisfatórias, o MPF pode adotar outras ações administrativas ou mesmo judiciais.

A medida segue a diretriz nacional do MPF de proteger os princípios da Constituição brasileira e as demais normas que regem a educação no país. No artigo 205, a Carta Magna define que a educação visa ao pleno desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o exercício da cidadania, e não apenas a sua qualificação para o trabalho. “A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/1996) também estabelece como princípios do ensino no país o respeito à liberdade e o apreço à tolerância, a valorização da experiência extra-escolar, a vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais e a consideração com a diversidade étnico-racial”, diz a recomendação.

Em vários julgamentos citados no documento, o Supremo Tribunal Federal (STF) já reafirmou o pluralismo de ideias e concepções ideológicas e a liberdade de expressão como bases do processo educacional. No julgamento da Arguição por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 548, o mais recente, que tratou de ações de repressão dentro de universidades durante o período eleitoral de 2018, a Corte, por unanimidade, assegurou a liberdade política, de manifestação, de reunião, de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação dentro de ambientes educativos.

O projeto auto-intitulado “escola sem partido” é citado na recomendação do MPF, pois “configura claramente mais uma concepção ideológica, também constitui um credo em luta, pois pretende restringir o ensino e a aprendizagem a um conjunto de temas e conteúdos e segundo uma específica concepção pedagógica e ideológica, que crê serem os únicos adequados a se trabalhar em sala de aula, não podendo, portanto, como quaisquer outras, pugnar ao Estado sua exclusividade em nosso sistema educacional”.

Para o MPF, a intenção declarada de fiscalizar o conteúdo ministrado em sala de aula configura constrangimento à liberdade de ensinar e ofende a liberdade de cátedra e estimula o assédio moral e a intimidação dos professores, com risco de censura direta e indireta e o uso do epíteto “ideológico” tem sido adotado por determinados grupos como meio de censura, desqualificação e intimidação de profissionais de educação que não partilham de sua visão política. “Estes grupos, de maneira equivocada, não compreendem suas próprias práticas como de natureza ideológica – apenas os posicionamentos dos outros é que o seriam – e não parecem estar cientes dos riscos que a censura representa, inclusive para eles próprios, uma vez que se constitui como prática arbitrária que poderá ser manejada ao sabor de qualquer governante para constranger e cercear o pensamento político divergente”, diz o procurador Ubiratan Cazetta no texto.

Precarização – O MPF registra que o cerceamento e o constrangimento a profissionais de educação, precariza, inevitavelmente, a formação dos estudantes brasileiros, pois chega ao ponto de negar a existência de fatos históricos — como a ditadura militar, o nazismo e a escravidão — e de menosprezar consensos científicos estabelecidos internacionalmente, fomentando um estudo descontextualizado, acrítico e distanciado da realidade.

Essa precarização é estimulada, segundo o MPF, quando determinados grupos atribuem à defesa dos direitos humanos um caráter supostamente “ideológico”, fomentando um verdadeiro estado de exceção em que grupos socialmente vulnerabilizados (negros, indígenas, mulheres, LGBTI) parecem ter sido despidos dos direitos humanos mais básicos — inclusive à integridade física e à sobrevivência —, criando um clima favorável e legitimador de toda sorte de violências físicas e morais a esses grupos.

“O cerceamento e o constrangimento a profissionais da educação vêm redundando em um processo anticientificista e anti-intelectualista que prejudica a séria, robusta e internacionalmente reconhecida produção acadêmica e científica brasileira ao atribuir caráter meramente ideológico a determinados estudos, furtando-se ao debate verdadeiramente científico, que pressupõe não a desqualificação do interlocutor por suas concepções políticas — que invariavelmente todos possuem —, mas a confrontação de referenciais teóricos, metodológicos e de dados obtidos com rigor científico”, alerta o MPF.

Improbidade – O MPF aponta no documento que a omissão dos gestores na adoção das medidas protetivas e preventivas pode vir a configurar improbidade administrativa, tendo em vista que os direitos às liberdades políticas, de manifestação, de pensamento, de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação impõem não somente a vedação do excesso contra interferências indevidas do Estado, mas repreende também qualquer omissão que compactue com a violação a estas liberdades.

Para conhecimento da recomendação, cópia do documento também foi enviada à Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), ao Ministério da Educação (MEC), ao Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes/SN), à Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), à Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), ao Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública no Estado do Pará (Sintepp/PA), ao Sindicato dos Professores no Estado do Pará (Sinpro-PA).


Íntegra da recomendação

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