Na luta pela reforma agrária, pela defesa e promoção dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras rurais, muitos destes e suas lideranças tombaram pela bala do latifúndio Brasil afora. A morte sistemática de dirigentes sindicais rurais, religiosos, advogados e militantes de partidos de esquerda colocam em evidência a impunidade no campo e requer resposta política das autoridades competentes.
Por Cleber Rezende*
Na atual quadra política brasileira avança a ofensiva conservadora contra as conquistas democráticas e sociais obtidas nos últimos anos, e o golpe político-jurídico-midiático que interrompeu o mandato da presidenta Dilma Rousseff, legitimamente eleita, se consolidou nas eleições presidenciais de 2018 com a eleição de Jair Bolsonaro à presidência do Brasil
A conjuntura política e social coloca na ordem do dia a formação de uma frente ampla, a defesa da democracia, da Constituição Federal de 1988, dos direitos humanos e sociais, tendo como base a dignidade da pessoa humana que se encontra ameaçada pela ofensiva conservadora contra as conquistas alcançadas pelo povo brasileiro.
É nesta singularidade política que a família Canuto, os movimentos sociais, sindicais, populares, religiosos, o Partido Comunista do Brasil e os munícipes riomarienses, neste dia 18 de dezembro de 2018, refletem os 33 anos sem a presença física do sindicalista João Canuto de Oliveira.
O município de Rio Maria no sul do estado do Pará foi palco de muitas lutas camponesas. Desmembrado de Conceição do Araguaia em 1982, é o ambiente em que os trabalhadores rurais deste município travaram uma luta pela emancipação sindical da categoria e pela fundação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) logo que o município emancipado. Na época o STR de Conceição do Araguaia era presidido pelo médio proprietário rural conhecido como Bertoldo Lira nomeado pelo INCRA a serviço do regime militar e aliado do latifúndio. Segundo os trabalhadores rurais, Bertoldo podia ser classificado como “pelego”, posto que, não defendia os interesses da categoria.
Em 1983 foi criada a delegacia sindical dos Trabalhadores Rurais de Rio Maria sendo eleito, como presidente prrovisório, o trabalhador rural João Canuto de Oliveira. Após a conquista da independência do sindicato de Conceição do Araguaia, João Canuto foi eleito por seus pares como presidente do agora recém criado Sindicato. Canuto se torna uma das principais lideranças em defesa da reforma agrária, apoiando os camponeses em suas lutas pelo direito a posse da terra na região Sul do Pará.
O latifúndio, principalmente, aqueles que tinham grilado terras do estado ou ocupado indevidamente, eram ligados a União Ruralista Democrática (UDR) e, incomodados com os avanços das ocupações de terras por parte dos trabalhadores rurais, definem e implementam o plano de eliminação física de João Canuto.
Em 18 de dezembro de 1985 João Canuto de Oliveira foi assassinado com 12 tiros certeiros por pistoleiros a mando do latifúndio. De acordo com inquérito policial e, posteriormente em julgamento judicial, entre os acusados de serem mandantes estavam os fazendeiros Adilson Carvalho Laranjeira, então prefeito de Rio Maria, e Vantuir Gonçalves de Paula. Vale ressaltar que estes foram os dois conduzidos ao Tribunal do Júri, no entanto o assassinato foi planejado por um número de aproximadamente 20 pessoas, incluindo políticos, fazendeiros e empresários.
João Canuto, além de sindicalista, era militante ativo do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), defensor da reforma agrária, da justiça social no campo e na cidade e do socialismo, tendo concorrido à prefeitura municipal de Rio Maria em 1982 pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB) na corrente progressista onde se aglutinavam os militantes de esquerda, perdendo a eleição para Laranjeira por meio da “fraude incontestável” no referido processo eleitoral em favor do representante das elites latifundiárias.
O assassinato de João Canuto representou mais do que a eliminação de um líder sindical. Perdeu-se uma grande liderança política e ativista comunista da classe trabalhadora rural da região sul do Pará e do Brasil. Morreu João Canuto, mas não suas idéias e a luta pela reforma agrária e pela apuração e condenação dos pistoleiros e mandantes de seu assassinato, sendo uma luta que mobilizou diversas entidades de direitos humanos nacionais e internacionais inclusive a OEA. No entanto, a morosidade da justiça paraense, principalmente, no que diz respeito às investigações do caso leva-nos a duvidar da imparcialidade destes agentes. Além do mais, assassinatos de sindicalistas tornou-se corriqueiro no município de Rio Maria.
Expedito Ribeiro de Souza, sucessor de João Canuto na presidência do Sindicato, dá continuidade à luta camponesa pela reforma agrária. No entanto, a impunidade impera e os assassinatos contra as lideranças sindicais dos trabalhadores rurais continuam. Em 2 de fevereiro de 1991, Expedito Ribeiro é assassinado a mando do fazendeiro Jerônimo Alves de Amorim. Amorim vai a julgamento após anos de lutas do STR de Rio Maria, do Comitê Rio Maria e da Comissão Pastoral da Terra (CPT).
Embora se reconheça o valor excepcional da espetacular condenação pela morte de Expedito Ribeiro, do fazendeiro Jerônimo Alves do Amorim em 6 de junho de 2000, e pela condenação de Adilson Carvalho Laranjeira e Vantuir de Paula, pela morte de João Canuto, em 29 de maio de 2003, deve-se afirmar que estes foram os primeiros mandantes de assassinatos contra trabalhadores rurais a serem responsabilizados judicialmente. Ressalte-se, no entanto, que o fazendeiro Jerônimo Amorim cumpre prisão domiciliar e Vantuir de Paula segue foragido da justiça.
Carlos Cabral Pereira sucessor de Expedito e genro de Canuto, a época (1991), foi ferido num atentado a bala a mando do latifúndio em 4 de março de 1991, ou seja, um mês depois do assassinato de Expedito Ribeiro. E cinco anos após a morte de João Canuto, em 22 de abril de 1990 três de seus filhos, Orlando, José e Paulo Canuto, foram sequestrados e dois deles José e Paulo foram assassinados, somente Orlando Canuto escapa gravemente ferido.
O caso Canuto simbólico na luta camponesa pela reforma agrária, no Pará e no Brasil, foi antecedido de outros assassinatos brutais, na região, como o agente pastoral Raimundo Ferreira Lima (Gringo) em maio de 1980 e o lavrador Belchior Martins da Costa, assassinado no dia 02 de março de 1982, por disputa de terra, quando colhia sua roça de arroz. Conforme declarações da época, o corpo foi perfurado por 140 tiros, mas a policia não fez nenhuma perícia.
Diante do grande numero de conflitos no campo e assassinatos por encomenda de lideranças sindicais, Rio Maria ficou conhecida como “A Terra da Morte Anunciada” e símbolo da luta camponesa no Pará e no Brasil. E o Estado do Pará um símbolo da impunidade no campo. A lista de crimes é extensa. Passa pelo assassinato do ex-deputado e advogado de posseiros do Sul do Pará, Paulo Fonteles, ocorrido em 11 de junho de 1987 e, posteriormente, o deputado estadual e advogado João Batista, 1988. Há o massacre de Eldorado dos Carajás em 17 de abril de 1996, onde foram assassinados pelo aparato estatal da Polícia Militar 19 trabalhadores rurais sem terras. Outras tantas lideranças sindicais e religiosas como a Irmã Dorothy Stang, 73 anos, assassinada em 12 de fevereiro de 2005, no município de Anapu, e ainda o casal de ambientalistas Maria do Espírito Santo e José Cláudio Ribeiro mortos no assentamento Agroextrativista em Nova Ipixuna, aos 24 de maio de 2011.
No entanto, a história de violências e assassinatos no campo segue. Em 2017, no dia 25 de maio, no Pará, ocorreu a chacina de Pau D’Arco que ceifou a vida de 10 trabalhadores rurais sem-terras assassinados pela polícia do Pará, na fazenda Santa Lúcia, a 60km de Rio Maria. Além de ter deixado vários camponeses feridos na área, em virtude do massacre, e neste caso, não houve registro de confronto entre os trabalhadores e os agentes policiais, que são subordinados diretamente ao governador do Estado Simão Jatene – PSDB. Jatene era o super-secretário do governador Almir Gabriel, do PSDB em 1996 quando ocorreu o massacre de Eldorado dos Carajás.
Em novembro 2018, ocorreu o ataque ao acampamento Helenira Resende, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), onde um avião despejou agrotóxico nas famílias ali acampadas, no sudeste do Pará. Estas famílias acampadas foram despejadas de uma das fazendas do Complexo Cedro, vinculado ao grupo Agropecuária Santa Bárbara, do qual o latifundiário e banqueiro Daniel Dantas faz parte.
Em 11 de outubro de 2018, o líder sindical Aluísio Sampaio foi assassinado dentro da própria residência, em Castelo dos Sonhos/PA, às margens da BR-163. O sindicalista militava no Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras da Agricultura Familiar (Sintraff), que mantém uma disputa há anos uma área com grileiros da região.
Sampaio chegou a publicar vídeo no Youtube em que acusava três pessoas de organizar um grupo para liquidar com sua vida. Entre os integrantes estão o ex-prefeito de Novo Progresso Neri Prazeres, o presidente Sindicato dos Produtores Rurais de Novo Progresso, Agamenon Menezes, e outro sindicalista ruralista da região, conhecido como Dico.
No entanto, é de 15 de dezembro do presente ano (2018), o último registro de homicídio no campo paraense, em Rurópolis, onde foi assassinado com pelo menos três tiros à queima-roupa o líder camponês Gilson Maria Tampone, 43 anos, que era presidente de três assentamentos de pequenos produtores rurais no município de Placas, região do Baixo Amazonas.
Vivemos momentos muito difíceis no país e no Pará por causa da ausência de um Estado que reúna condições de intervir nos conflitos e defender os direitos da classe trabalhadora. A atuação organizada dos latifundiários, amparados na impunidade pelo Estado, para matar seletivamente as lideranças dos movimentos de trabalhadores rurais requer ações concretas para promover a paz no campo, combatendo a violência e a impunidade, bem como promover a reforma agrária.
Portando cabe exigir dos governos estadual e federal a implementação de um Novo Projeto de Desenvolvimento Nacional e uma atuação contundente no combate aos assassinatos no campo, a grilagem de terras, ao trabalho escravo, pelo fim da impunidade e pela implementação efetiva das reformas estruturantes do país, como a reforma agrária para a promoção da justiça social no campo e por um país soberano, democrático, desenvolvido e socialmente mais justo.
Diante deste relato histórico, nesse dia 18 de dezembro de 2018, há exatos 33 anos do assassinato do sindicalista João Canuto de Oliveira, cabem reafirmar que:
A luta pela reforma agrária e pelo socialismo são absolutamente atuais, desta quadra histórica, deste momento brasileiro. E, mais do que nunca, é preciso exemplos para reforçar o caráter das mudanças para o desenvolvimento, com valorização do mundo do trabalho para o futuro de progresso social da nação brasileira.
João Canuto, presente!
*Cleber Rezende – Advogado, presidente da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil – CTB/Pará; membro do Comitê Estadual do PCdoB/Pará e ex-secretário geral do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio Maria-Pará (1998-2000).