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Por Paulo Fonteles Filho.
Daqui, velho companheiro,
vejo as imensas fogueiras aturdidas no céu
com suas profundezas remotas e estendidas
na alma da mulher amada.
O que faremos com nossos espíritos vocacionados
para a lavra dos cavaleiros rudes
ou mesmo talhados tal qual a mão camponesa?
O que faremos com nossos poetas beberrões e estiolados?
Tais homens descalços,
guerrilheiros das vastas cidades rumorosas
nos acodem quando seguimos coléricos
e se precipitam por nossas bocas
e pela pele das palavras assumimo-los,
mesmo que mortos,
mesmo que o latifúndio da mediocridade
lhes sentencie ao punhal da crítica nos salões marmóreos.
Não cortaremos nossas línguas.
Dos colonizadores retemos o idioma e o ódio.
Nas rebeliões somos a lança de mil Guaimiabas.
Evocamos o sangue do gatilheiro Quintino.
Da lâmina cortante gestou nossa fala.
Nos teatros da infâmia estadunidense
a policia política
prendeu a atriz: ela declamava um poema de Pablo Neruda.
Nos revoltamos.
Quase não dormimos, algo impossível
pulsa dentro das veias.
E não é apenas sangue
senão a inarredável crença no futuro.
A mentalidade dominante de nossa época exige-nos leniência e bom comportamento.
A mentalidade dominante de nossa época assevera a guerra preventiva.
A mentalidade dominante de nossa época é a ideologia financeira
do todo-poderoso mercado.
A mentalidade dominante de nossa época está para ser destruída
para a humanidade avançar.
Quando eles dizem: “detestem os partidos”.
Nós já nos organizamos politicamente.
Quando eles dizem: “somos a moderna democracia”.
Nós distribuímos manifestos contra a ditadura do dinheiro.
Quando eles dizem:”em Cuba, não se respeita os direitos humanos”.
Em Guantanâmo, é verdade.
Vês, velho companheiro,que não há saída e o que é tempestivo
são as idéias em luta.
Sujeitos as tempestades e aos vendavais da história, acreditamos,
como Gorki, que só podemos recolheras impressões
diretamente dos livros e da vida.
O que faremos com nosso segundo coração que é a poesia ?
Não cortaremos nossas línguas.
Da Batalha de Uruçumirim
alvejamos Estácio de Sá em nosso primeiro grito de liberdade:
nosso brado é o da Confederação dos Tamoios e de seu líder Aimberê.
Insurretos na alma e na consciência
expulsamos do Recife, em 1654,os Holandeses de Nassau.
Metálicos como as noites quilombolas
cremos na voz combatente nos Palmares de Zumbi.
Somos a garrucha centelheira de Angelim
fazendo fogo nas tropas imperiais diante da infâmia
e dos horrores nos acontecimentos do Brigue Palhaço.
Na dorsal intensa da formação destas idéias
a conclusão altaneira de Frei Caneca,
herói da Confederação do Equador.
Como leões sangrentos rugimos
tal qual o praieiro Pedro Ivo.
Em Castro Alves inauguramos o lirismo da poesia social
e o amor será cantado apenas pelo amor
e com ele procuramos febris a nossa Pátria
abolicionista.
Amparados pela caatinga
restabelecemos o sertanejo e inauguramos,
como Pajeú,a tática da guerrilha em Canudos.
Jamais cortaremos nossas línguas.
Fomos, velho companheiro,
das manhãs nascentes do século XX
o Almirante Negro dos mares
e a revolta da chibata chamou-se Antônio Cândido.
Vês, poeta revoltoso,que as primeiras greves operárias
amadureceram nossas mãos laboriosas
e de como o produto do desenvolvimento de nossa própria civilização
nos permitiu a Semana de Arte Moderna
e o nosso nascimento a 25 de março de 1922.
Desde então tudo foi diferente:
a aurora principiava vermelha
e um grande incêndio
iluminou a consciência.
Tomamos corpo, postura, nós que havíamos sido anarquistas
decidimos tomar, por decisão, o poder político.
Nas fornalhas fabris anunciamos a epopeia revolucionária
na distante Rússia de Lênin.
A voz dos desvalidos se fez escutar.
O oprimido passou a ler livros e percebeu o conteúdo dos grilhões.
No latifúndio dos coronéis fundamos o primeiro sindicato
e toda a terra aramada
e todo campônio espoliado
enveredou a enxada para a luta.
E assim têm sido em todos esses anos.
Não há cárcere que desconheçamos.
Em noites prematuras alteamos as bandeiras
para que a vida pudesse prosseguir.
Não houve combate na qual declinamos
e a palavra socialismo nos fez fileiras.
Na densidade de todas as incertezas
somos a vaga das revoluções.
Daqui, velho companheiro,vejo as vastas fogueiras
iluminando a rubra alvorada.
Dezembro de 2004.