Com cortes orçamentárias e baixa adesão dos Estados, programa de proteção nunca foi regulamentado e não garante segurança

 

por Bárbara Libório

A Anistia Internacional lançou no dia 22 de fevereiro seu informe sobre o estado dos direitos humanos no mundo. No que diz respeito ao Brasil, a organização chamou a atenção para um cenário perigoso: o número de mortes de defensores de direitos humanos cresceu em relação a 2015, ainda que um programa nacional de proteção exista há mais de dez anos.

No Brasil, os dados coletados vêm de fontes secundárias, como a CPT (Comissão Pastoral da Terra), e mostram que o número de assassinatos ocorridos no campo de janeiro a novembro de 2016 (54) já superava a quantidade de casos ocorridos durante todo o ano de 2015 (50).

Isso fez de 2016 o ano mais violento no campo desde 2003, quando 71 pessoas foram assassinadas.

O número inclui a morte de pequenos agricultores, camponeses, trabalhadores rurais, indígenas e quilombolas, pescadores e ribeirinhos em luta pelo acesso a terras e recursos naturais, mas há ainda defensores ligados a outras causas que também sofrem ataques.

Quem protege os defensores

Criado em 2004, o Programa Nacional de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos articula e adota medidas que garantam a proteção de pessoas que estejam em situação de risco ou ameaça em decorrência de sua atuação em defesa dos direitos humanos.

Entre as medidas protetivas estão visitas ao local de atuação do ativista, realização de audiências públicas de solução de conflitos, acompanhamento das investigações e denúncias, e até a retirada provisória do defensor do seu local de atuação em casos emergenciais.

Como funciona?

O programa funciona como um convênio entre os governos federal e estaduais. Para ser incluído, o defensor dos direitos humanos que se encontra em situação de risco deve formular um pedido de inclusão e encaminhá-lo à Coordenação do Programa Estadual, caso o Estado tenha convênio com o governo federal. Caso contrário, o pedido deve ser encaminhado à Coordenação Geral do Programa Nacional.

Atualmente, são cinco os Estados que possuem o convênio: Maranhão, Minas Gerais, Pernambuco, Ceará e Espírito Santo. Pará, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro já aderiram em outro momento, mas atualmente não possuem o convênio.

O programa tem atualmente 396 pessoas incluídas em todo o território nacional – dessas, 161 estão em Estados que não possuem convênio com a União. A implementação do programa e a sua maneira de atuação, porém, é alvo de críticas da Anistia Internacional.

Críticas e dificuldades

REALOCAÇÕES

Segundo Renata Neder, assessora de direitos humanos da Anistia Internacional, a principal crítica ao programa é na sua maneira de atuação. “O que o programa faz é atuar nessas situações realocando as pessoas, levando-as a outro lugar para protegê-las, mas essa não pode ser a medida estrutural porque você afasta o defensor da sua luta e leva perigo às próximas lideranças”, afirma.

MARCO LEGAL

Um dos motivos para a baixa adesão dos Estados pode ser a carência de um um marco legislativo. Há um projeto de lei em tramitação no Congresso Nacional desde 2009, instituindo o programa nacional, porém, até o momento ele não foi apreciado.

CORTES ORÇAMENTÁRIOS

O orçamento do programa vem sofrendo cortes nos últimos anos. Em seu auge, no ano de 2013, seu orçamento era de R$ 6,3 milhões. Em 2016, chegou a R$ 3,7 milhões. A previsão para 2017 é de R$ 4,6 milhões.

Outro lado

Segundo Raiana Falcão, coordenadora-geral substituta de proteção aos defensores dos direitos humanos, a aprovação do projeto de lei que institui o programa, ainda que ele possa já estar defasado, é realmente importante porque tem relação direta com a adesão dos estados.


“A União arca com a maior parte dos recursos, mas os estados precisam dar uma contrapartida. Sem o marco legislativo, existe uma insegurança jurídica e muitos acabam não aderindo”. Raiana Falcão coordenadora-geral substituta de proteção aos defensores dos direitos humanos

Já sobre a eficácia do programa, ela diz que a equipe da União tem limitações. Segundo ela, não há condições de fazer uma busca ativa dos defensores em risco. A coordenadora afirma, por exemplo, que ainda que o número de mortes tenha aumentado, a demanda por proteção não seguiu o mesmo ritmo.


“As pessoas morrem e não chegam a conhecer o programa. Acompanhamos o caso de Rondônia, onde 17 defensores morreram, e é assustador que não tenhamos recebido demanda dessa região” Raiana Falcão coordenadora-geral substituta de proteção aos defensores dos direitos humanos

Os conflitos

Os principais motivos de inclusão no programa são os conflitos por terra e território: comunidades tradicionais, como indígenas e quilombolas que reclamam direito a terras, ou disputas por reforma agrária. Números do relatório do CBDDH (Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos) denunciam a situação:

219 é o número de mortes em razão de conflito agrário no país de 2000 a 2015

90% dos casos estão concentrados nos Estados de Rondônia, Pará e Maranhão

6% Menos de 6% dos casos de assassinatos de defensores de direitos humanos são investigados no Brasil

“Isso é algo que marca o contexto das Américas. No Brasil, a maior parte dos defensores em situação de risco atua em conflitos de terra e recursos naturais. Isso é um padrão que se repete por toda a América Latina. O tema de conflito por terra precisa ser abordado pelos Estados na região se a gente quiser garantir de fato a segurança”, diz Neder.

Link para matéria: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2017/03/01/Por-que-cresce-o-n%C3%BAmero-de-mortes-de-defensores-de-direitos-humanos-no-Brasil

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