A advogada Anna Lins, 43 anos, assume uma missão espinhosa: ela será a nova ouvidora do Sistema de Segurança Pública do Pará, a quem caberá receber e encaminhar denúncias contra agentes da segurança, incluindo os casos de violência policial e tortura. Anna chega ao cargo no momento em que proliferam denúncias de atuação de milícias e grupos de extermínio formados por policiais na capital paraense. A escolha se deu por votação secreta entre os membros do Conselho de Segurança. A advogada foi eleita por unanimidade, após receber apoio de dezenas de entidades da sociedade civil. Alegre e falante, Anna garante que não teme o desafio. “Eu me preparei a vida toda para essa missão”, diz ela, que foi estagiária de Marga Rothe, militante dos Direitos Humanos, eleita a primeira ouvidora do Estado, logo após o cargo ser criado em 1996.

Quais são as atribuições da Ouvidoria?
Ela é um canal de comunicação entre a sociedade civil e os órgãos de segurança pública. É um canal independente e autônomo, justamente ocupado por uma pessoa que não é do sistema, porque tem de ter independência e autonomia para que pessoas que tenham reclamação de qualquer órgão possam chegar com muita tranquilidade, fazer a reclamação e a gente vai encaminhar. E nós vamos acompanhar do início ao fim dando transparência e, principalmente, dando todo apoio e suporte em casos mais complexos.

Quando se fala na ouvidoria pensa-se logo em violência policial. Como você pretende tratar desse tema?
Esse é um tema que gera muita polêmica, até porque, geralmente, as pessoas veem uma espécie de oposição entre os direitos humanos e os direitos dos policiais. E na verdade o policiamento serve para nos proteger. Não é por causa de uma minoria, que todo um sistema, uma corporação, deva ser encarada como inimiga da sociedade. Eu pretendo, primeiro, atuar na prevenção, por meio de cursos de capacitação.

Muitos policiais acham que vocês trabalham contra eles e a favor dos bandidos. Como você responde a essa critica?
Eu fui conselheira do Conselho de Segurança Pública e posso dizer que uma parte das denúncias (contra policiais) não são feitas por pessoas com antecedentes criminais. Isso é um mito. E é bom que os críticos verifiquem esses dados. Então, se há denúncia de tortura em um sistema prisional ou contra uma pessoa investigada ou que foi presa, a gente precisa sim, garantir o direito daquela pessoa. Direitos Humanos são para todas as pessoas. Não podemos fazer diferenciação. O artigo 5º da Constituição Federal diz que todos são iguais perante a Lei e nesse mesmo artigo diz que ninguém será submetido à tortura.

E o que dizer às vítimas de violência, que muitas vezes, pela situação de fragilidade, acabam concordando com a violência policial contra os acusados? 
Direitos Humanos são um conjunto de direitos para toda a população e quem deve garantir isso é o Estado, com políticas públicas, de saúde, educação e de saneamento. A Vítima de violência precisa ser abrigada pelo Estado com assistência psicossocial e até assistência financeira por um determinado momento, se precisar. Porque às vezes o pai de família morre numa situação totalmente abrupta e isso, causa um impacto aos que a gente chama de vítimas indiretas. Desestrutura completamente toda a família.

Você chega à ouvidoria no momento que se fala muito na atuação de milícias. Como você pretende tratar desse tema junto a segurança pública?
Na verdade a Ouvidoria tem suas limitações em relação a essa situação.

Mas você acha que as milícias estão realmente atuando em Belém?
Sim. Todo mundo sabe que existem milícias em Belém. Ninguém pode negar. Quem nega a ação do carro preto e do carro prata vive no País das Maravilhas.

O que fazer para tentar combater isso? 
Milícia e grupo de extermínio não são uma novidade no Pará. Não só em Belém, mas no Estado inteiro. O que eu penso é que é preciso uma atuação realmente forte do Estado, dos órgãos de justiça criminal e da própria polícia. Eu tenho absoluta certeza que a grande maioria dos policiais não concorda com isso. Precisamos envolver a polícia preventiva, ostensiva, as corregedorias e a ouvidoria para que haja a punição e também garantir que, uma vez presas, essas pessoas não atuarão de dentro dos presídios.

A gente tem dificuldade muito grande com as estatísticas de criminalidade no Pará que na maioria das vezes não são divulgadas. Você pretende, durante sua gestão, divulgar essas estatísticas periodicamente?
Sim, com certeza. Após aprovado pelo Conselho de Segurança Pública, meus relatórios serão todos colocados em redes sociais, em sites. Nós temos que cumprir toda uma normativa do Conselho de Segurança Pública, mas após aprovados os relatório, pode-se divulgar até porque a gente vive na era da transparência.

Você vai tratar denúncias contra agentes da segurança pública que, até por força de seu trabalho, estarão armados. Isso não te amedronta?
Não. Nem um pouco. Eu já fui ameaçada como defensora de Direitos Humanos. Sou muito tranquila com isso. A gente tem muitos agentes de segurança muitos bons e que precisam ser cada vez mais valorizados e dignificados. Eu acredito que tem profissões no Brasil com as quais o Brasil tem uma dívida histórica. Na minha opinião, entre elas estão os professores e os policiais.

(Rita Soares/Diário do Pará)

FONTE: http://www.diarioonline.com.br/noticias/para/noticia-397809-.html