O lembrar e o relembrar trás a tona as memórias, restringe o esquecimento e ressignifica o sentido e o significado das conquistas sociais no passado e no presente. As memórias têm revelado um elevado potencial heurístico e como tal possibilita o pensar a presença e a ausência, assim como a ambiguidade das temporalidades implica olhar o passado e a tomada de consciência histórica, em especialmente em momentos em que os direitos humanos e sociais estão sendo destruídos em nosso país. E exemplo significativo desta destruição foi a chacina de nove camponeses e uma camponesa, no dia 24 de maio de 2017, no Município de Pau D’Arco, no Pará, resultado de uma ação policial, dita de reintegração de posse de terras.

Paulo Fonteles de Lima foi um cidadão que dedicou sua vida ao exercício pleno da cidadania em um tempo em que vigorava um regime de exceção, similar ao que estamos vivendo no Brasil atualmente. Sonhou e dedicou sua vida para a construção de um mundo democrático, justo, de paz, respeito, sem exploração dos semelhantes e diferentes, sem desigualdade e/ou preconceito econômico, politico, cultural, de gênero, cor, ou com necessidades especiais. O Sonhar e o agir orienta a vida humana e é o segredo de pessoas, que como Paulo Fonteles contribuiu com sua vida, para mudar a realidade e o mundo. Ele militou no Movimento Estudantil na Defesa do Ensino Público e Gratuito, contra a Ditadura Militar, e foi incansável defensor das Liberdades Democráticas, foi preso com sua esposa em 1972, com base no Art. 14 do Decreto Lei 898/69. Durante o período de suas prisões os dois foram barbaramente torturados e seu primeiro filho nasceu na prisão. A sua condenação tirou-lhe a condição de cidadania e exclusão da Universidade, na década de 1970. Mas seu animo de luta aguerrida não arrefeceu e ao obter sua liberdade concluiu o curso de Direito, retomou sua militância cidadã como advogado dos menos favorecidos, em especial os camponeses do Estado do Pará. Voltou à sua militância política como membro e dirigente do PCdoB, participou ativamente da criação da Sociedade de Defesa dos Direitos Humanos no Estado do Pará e se tornou um dos principais advogados da Comissão Pastoral da Terra, na luta em defesa dos camponeses pobres e trabalhadores sem terra. Foi deputado Estadual na primeira metade da década de 1980. Nessa caminhada expôs com toda a precisão a grave situação Agrária do Estado, a injustiça ao acesso à terra para os trabalhadores, a violência que grassava no campo, bem como a impunidade dos assassinos mandantes e executores de camponeses e de todos os que se colocavam nas trincheiras de defesa de seus direitos.

Os conflitos fundiários grassavam em todas as regiões paraenses e revelavam as desastrosas e seletivas políticas fundiárias promovidas pelos governantes, mas principalmente pelos governos civis-militares durante as décadas que estiveram no poder. Como Parlamentar, em 1984, propôs e presidiu a Comissão Parlamentar de Inquérito que Apurou os Conflitos Fundiários no Estado do Pará e a atuação dos governantes e órgãos pertinente ao tema. O resultado dos trabalhos dessa CPI, sistematizados e divulgados nos anos seguintes revelou os desmandos, injustiça e violência que grassava no mundo rural paraense e colocou em cheque a política fundiária até então existente e fortaleceu a luta pela Reforma Agrária na região e no país. Como militante do PC do B atuou vigorosamente na reestruturação do partido e de suas lutas no Estado, ajudou a construir o importante movimento da Campanha pelas “Diretas Já” e contribuiu vigorosamente da elaboração da Constituição Federal e Estadual de 1988.

Paulo Fonteles cidadão militante, homem sensível e comprometido com seu povo tinha um lema de vida em face as permanentes ameaças de morte que sofria: “TIRAM MINHA VIDA, MAS NÃO MINHAS IDEIAS”.

Ele apreendeu com muita sensibilidade os sentimentos libertários e poéticos do povo camponês, transformando-os em poemas, com o qual encerro esta relembraça.

No canto da Mata,
Na raiz da Castanheira,
No leito profundo dos Rios,
No tiro espumante de cada Fuzil,
Enterro minha Dor
Vicejando novas Esperanças
De um Tempo Melhor.

 *Leila Mourão é professora titular da Faculdade de História da Universidade Federal do Pará.

FONTE: http://www.vermelho.org.br/noticia/298060-1