por Maurício Ferro (O Globo)

RIO – Designado para cuidar do caso do massacre da fazenda Santa Lúcia, no município de Pau D’Arco (PA), o promotor de Justiça Leonardo Caldas, do Ministério Público (MP) daquele estado, criticou a decisão da última terça-feira do juiz substituto da Comarca de Redenção, Jun Kubota, em não renovar por mais 30 dias a prisão temporária de 13 policiais — 11 militares e dois civis — investigados na chacina de 10 posseiros, ocorrida no dia 24 de maio.

— O cenário que conseguimos criar com a prisão possibilitou depoimentos. Se comparar os relatos dados dias depois do ocorrido com os relatos de “hoje”, os de “hoje” são muito mais ricos em fatos. Na época, as pessoas ainda eram muito temerosas. Esse cenário muda com as prisões. E, com o restabelecimento da liberdade dos policiais, o clima de insegurança é retomado. Certamente vai atrapalhar — disse Caldas.

Ao argumentar pela manutenção da prisão dos supostos responsáveis pela tragédia, o promotor afirmou que os policiais “intimidavam testemunhas”. De acordo com Caldas, havia até vigília em frente à sede da Polícia Federal (PF) para cobrar o que era dito por quem depunha. No entendimento dele, trata-se de uma “ameaça de morte indireta”.

— Teve uma testemunha que, depois que saiu da sede da Polícia Federal, foi abordada por um dos policiais, querendo saber o que tinha dito; se estava sustentando aquela versão do confronto; e que era importante sustentá-la. Diziam que, se alguém delatasse, aconteceria algo. É uma ameaça de morte indireta, pode-se dizer assim. Por isso, um dos policiais que resolveu colaborar foi colocado no canal de proteção. Tinha medo de retaliação por parte dos outros — explicou.

Questionado se o juiz substituto Jun Kubota teria conhecimento desses fatos, o promotor de Justiça afirmou que sim. Comentou também sobre as diferenças de entendimento entre Kubota e o titular Haroldo Silva da Fonseca, que determinou a prisão temporária dos 13 policiais há um mês.

— Foi levado ao conhecimento dele o que (os policiais) estavam fazendo. Ele, inclusive, tem acesso exclusivo ao inquérito da Polícia Federal com todos esses elementos. Mas, analisando todo o contexto, entendeu que, diferentemente do juiz titular, não se faziam necessárias as prisões para o prosseguimento das investigações. É questão de entendimento dele — disse Caldas.

Na sua decisão publicada na última terça-feira, Kubota diz entender que o MP não apresentou fato que comprove a necessidade de estender por mais 30 dias as prisões dos policiais:

“No caso em tela, o representante do Ministério Público pugnou pela manutenção da segregação provisória alegando ser imprescindível para a investigação criminal. Contudo, da análise detida dos autos, verifico que a autoridade representante não apresentou, até o presente momento, fato hábil que confira plausibilidade à extrema e comprovada necessidade da prorrogação da prisão temporária, motivo pelo qual seu deferimento violaria a expressa norma de regência. Ademais, não há elementos que apontem pela inexistência de outros meios disponíveis de investigação e de que os requeridos em liberdade comprometerão a colheita de informações e indícios, vez que todos os representados foram afastados da função pública”, escreveu no despacho.

No entanto, Caldas acredita que o uso da farda não se faz necessário para intimidar as testemunhas, que são sobreviventes da chacina, familiares dos sobreviventes e até policiais que participarão da ação.

— Mesmo os policiais não voltando às funções, só o fato deles estarem aqui já causa um temor. Não é precisa estarem usando a farda para causarem o temor; basta estarem presentes, na localidade. O que a gente temia era isso.

ENTENDA A CHACINA

No dia 24 de maio, uma quarta-feira, ação conjunta das polícias civil e militar terminou na morte de 10 pessoas — nove homens e uma mulher — que ocupavam a fazenda Santa Lúcia, no Pará. A ação ocorreu durante reintegração de posse na fazenda, determinada pela Vara Agrária de Redenção. Eram cumpridos 14 mandados judiciais. O massacre é considerado o maior desde Eldorado dos Carajás, cidade na mesma região.

Ao GLOBO, o conselheiro seccional da Ordem dos Advogados do Brasil no Pará (OAB-PA), Marcelo Mendanha, que tinha sido designado pelo presidente da instituição no estado, Alberto Campos, para acompanhar o caso, disse ter ficado com a impressão de que a cena do crime tinha sido adulterada.

— Estive com um grupo no local e ficamos com a impressão de que fomos levados para outra área que não a do crime, porque não vimos nada: sinais de confronto, roupa no chão, nada. Inclusive, a mata que caminhamos não dava a entender que pessoas tenham pisado lá. O procurador da República de Redenção, Igor Espíndola, ficou com a mesma impressão que eu.

POLICIAIS SOLTOS

– Carlos Kened Gonçalves de Souza (Coronel da PM);

– Rômulo Neves de Azevedo (Tenente da PM);

– Cristiano Fernando da Silva (Cabo da PM);

– Rodrigo Matias de Souza (Soldado da PM);

– Adivone Vitorino da Silva (2º Sargento da PM);

– Jonatas Pereira e Silva (Soldado da PM);

– Neuily Sousa da Silva (Soldado da PM);

– Welinton da Silva Lira (Soldado da PM);

– Orlando Cunha de Sousa (3º Sargento da PM);

– Ronaldo Silva Lima (Sargento da PM);

– Douglas Eduardo da Silva Luz (Escrivão de Polícia); e

– Euclides da Silva Lima Junior (Investigador de Polícia).

FONTE: https://oglobo.globo.com/brasil/promotor-critica-soltura-dos-13-policiais-investigados-por-chacina-no-para-21687074