Por Vandré Fonseca, especial para a Amazônia Real

O presidente Michel Temer (PMDB), que abriu na semana passado por decisão unilateral a Reserva Nacional do Cobre e seus Associados (Renca) à lavra e mineração entre os estados do Amapá e Pará, decidiu nesta segunda-feira (28) revogar o decreto e editou um novo documento publicado em edição extra no Diário Oficial da União.

A decisão ocorre diante das reações nacional e internacional contrárias ao decreto que extingui a Renca, que estava bloqueada para mineração desde 1984. Protestos aconteceram em várias cidades do país no domingo (27), como Rio de Janeiro e Manaus, onde ativistas do Greenpeace e um grupo de jovens participaram da mobilização na praia da Ponta Negra, na zona oeste da cidade.

O ministro do Meio Ambiente (MMA), Sarney Filho foi escalado por Temer para anunciar as mudanças no decreto da Renca. Ele afirmou em nota à imprensa divulgada pelo Planalto que o novo decreto é mais claro sobre a proteção das unidades de conservação e terras indígenas.

Sarney Filho anunciou ainda que vai ser criado um Comitê Consultivo de Acompanhamento das Áreas Ambientais da Extinta Renca. O decreto reforça a proibição de atividade de mineração nas áreas protegidas sobrepostas a antiga reserva mineral, a não ser que esteja previsto Plano de Manejo.

O ministro Sarney Filho declarou, anteriormente, que não participou da elaboração do primeiro decreto, embora o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) tenha concedido um parecer técnico à Consultoria Jurídica (Conjur) do MMA.

Segundo a Nota Técnica do ICMBio à Conjur divulgada pelo site Direto da Ciência, nove áreas protegidas estão sobrepostas à área da Renca. São três unidades de conservação federais onde não é permitida a atividade de mineração no interior e em seu limites: Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque e Reserva Extrativista Rio Cajari, ambas no Amapá, e a Estação Ecológica do Jari, no Pará;

Quatro unidades de conservação estaduais, em que a mineração é permitida desde que ordenada e em acordo com a regulamentação nos seus respectivos decretos de criação e planos de manejo: Reserva Biológica Estadual Maicuru e a Floresta Estadual do Paru, ambas no Pará; Floresta Estadual do Amapá e a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Estadual do Rio Iratapuru, ambas no Amapá.

Duas terras indígenas também estão sobrepostas à Renca: Rio Paru D´Este (PA) e Wajãpi (AP). A mineração em terra indígena não é autorizada, mas um Projeto de Lei de autoria do senador Romero Jucá (PMDB), que tramita no Congresso Nacional, poderá regulamentar a atividade. A mineração em terra indígena é tema polêmico, com apoiadores e críticos entre os próprios indígenas.

Repercussão do novo decreto

Estação Ecológica do Jari, no Pará, tem área sobreposta à Renca (Foto: Zig Koch/WWF)

Para o senador Randolfe Rodrigues (Rede/AP), mesmo com as alterações o governo deixa claro que o interesse é liberar a área para a atividade de mineração. “Não há como, nessa área, qualquer tipo de atividade minerária ser sustentável”, declarou o senador à Agência Senado. Ele afirmou ainda que vai entrar com uma nova proposta de Decreto Legislativo contra a extinção da Renca.

Especialistas também consideram que, mesmo com o novo decreto da Renca, existe risco para a proteção da floresta e populações tradicionais. O secretário-executivo da organização Observatório do Clima, Carlos Rittl, afirmou à reportagem que não houve mudança. A situação permanece a mesma, segundo ele.

“Só acrescenta informações que não seriam necessárias se neste país as leis funcionassem e se o Governo respeitasse as áreas protegidas e terras indígenas. É como o PL da Flona de Jamanxim. Temer vetou as MPs e mandou o projeto ao sabor da bancada ruralista e mandou tweet pra Gisele Bundchen dizendo que tinha vetado tudo. Agora mandou outro projeto dizendo que as UCs e TIs serão respeitadas e que não muda nada. Se seu governo não fosse uma ameaça ao meio ambiente, não precisaria ter feito isso”, disse Rittl.

Para o professor da Universidade Federal do Amapá Daniel Santiago Chaves Ribeiro, o histórico dos grandes projetos na Amazônia torna pouco provável que as áreas protegidas não sejam afetadas pela mineração na área.

De acordo com ele, os grandes projetos de exploração mineral na Amazônia tradicionalmente têm causado contaminação, perda da biodiversidade e grandes fluxos de população.

“Some-se a isto a ausência de concertação com níveis estaduais e municipais, o enxugamento – ou, desmontagem – das agências estatais de monitoramento e as PLs pró-grilagem e decretos que limitam a demarcação de territorialidades originárias”, afirmou na resposta às perguntas enviadas por e-mail.

 Wajãpi repudiam mineração

Indígenas Wajãpi serão afetados pela mineração na Renca (Foto: Heitor Reali/Iphan)

Entre as populações tradicionais que podem ser afetadas pela mineração na área, estão os índios Wajãpi. Eles vivem em uma área parcialmente sobreposta a Renca, que se espalha por 607 mil hectares, de acordo com o decreto de homologação, contíguos ao Parque Nacional do Tumucumaque, no Amapá. Na região vivem mais de 1.220 índios da etnia, que faz parte do tronco linguístico Tupi-Guarani.

O líder líder Jawaruwa Wajãpi e vereador de Pedra Branca de Amapari, no Amapá, pela Rede Sustentabilidade, gravou um vídeo de repúdio a medida tomada pelo presidente Temer.

 “Isso para nós indígenas é um absurdo”, afirma Jawaruwa Wajãpi na gravação divulgada pela Rede. “Isso não vai trazer desenvolvimento para nós. Isso só vai trazer catástrofe para a floresta na Amazônia brasileira”, continua o indígena, afirmando que ocorrerá mobilização contra a decisão do presidente Michel Temer.

Até a década de 1970, os Wajãpi enfrentaram a invasão das terras onde viviam por garimpeiros, que acabaram expulsos. Ainda há registro de garimpos nas imediações da TI, mas não no interior dela.

Jawaruwa critica ainda a falta de consulta às comunidades indígenas antes da decisão ser tomada pelo governo federal. Ele cobra o cumprimento da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que obriga, segundo o líder indígena, o governo brasileiro a consultar os índios em questões que afetem as suas vidas. Em outro trecho, faz críticas diretas a Temer.

“Você não é representante do dinheiro, senhor presidente “, afirma. “Dinheiro é apenas um papel, dinheiro não é gente, senhor presidente. Gente é que precisa de terra, precisa de floresta, precisa de biodiversidade, precisa viver com suas culturas”, completa.

 

Renca protegeu a floresta

Mapa do ICMBio mostra as reservas sobreposta à Renca

A Renca ocupava uma área de 4,7 milhões de hectares nos estados do Amapá e Pará (ou 46.450 km, uma para quase do tamanho do Estado do Espírito Santo). Ela havia sido bloqueada pelo governo militar à pesquisa e exploração mineral em 1984.

Embora a intenção da reserva fosse garantir interesses nacionais sobre a exploração de minérios da região, tornou-se também um obstáculo à devastação da floresta. Nove áreas protegidas estão sobrepostas à área da Reserva de Cobre. O governo federal garante que nenhuma dessas áreas protegidas vão ser afetadas pela medida, mas ambientalistas apontam o risco de conflitos entre a intenção de incentivar a mineração e a proteção do meio ambiente e o modo de vida de populações tradicionais.

Para o coordenador-executivo do Instituto de Educação e Pesquisa Indígena (Iepé), Luís Donisete Grupione, as áreas protegidas correm o risco de ser sacrificadas para que a região atraia os investimentos vislumbrados pelo governo federal. “Eu não consigo vislumbrar como o governo faz uma propaganda de uma região que está tomada de áreas protegidas, onde não é permitida a mineração”, afirma.

Apenas duas unidades de conservação afetadas diretamente pela Renca abrem a possibilidade de exploração mineral. Na Floresta Estadual Paru, o plano de manejo prevê mineração, mas em uma área diminuta e onde, em princípio, não há grande potencial, segundo Donisete Grupione. Já a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Estadual Rio Iratapuru ainda não tem plano de manejo, portanto a atividade mineradora pode ser incluída quando o documento for produzido.

“Só posso vislumbrar que ato contínuo a esse vai ter aí para a frente a transformação das categorias das áreas protegidas, o que significaria que unidades de proteção integral passariam a ser de uso sustentável ou vai ter redução”, completa o coordenador-executivo do Iepé, organização não-governamental que atua na TI Wajãpi, no Amapá.

O coordenador de Políticas Públicas do WWF-Brasil, Michel de Souza, lembra também que existem diversas outras iniciativas do governo federal e do Congresso que ameaçam terras protegidas, sobretudo na Amazônia.

Para ele, há um ataque sistemático às unidades de conservação, terras indígenas e quilombolas, em favor de quem desmata.“Ao sinalizar que aquela área ali tem relevância mineral e que não possui uma governança, neste contexto onde as leis ambientais estão sendo flexibilizadas, o que a gente enxerga é um futuro tenebroso “, afirma Michel de Souza.

Decretos no Legislativo

Mobilização #TodosPelaAmazônia em Manaus(Foto:Alberto César Araújo/Amazônia Real)

No Congresso, pelo menos dois Projetos de Decretos Legislativos já haviam sido apresentados para tentar derrubar a decisão do presidente Temer. As propostas do senador Paulo Rocha (PT/PA) e do deputado federal José Guimarães (PT/CE), líder da minoria na Câmara, possuem textos praticamente idênticos.

Na justificativa apresentada ao Senado, Paulo Rocha argumenta que menos de 30% da Renca está liberada para atividade mineral. O restante da área estava sobreposta a nove áreas protegidas, a maioria delas proibindo mineração dentro de seus limites.

“Dessa maneira, compreende-se o risco de um potencial conflito entre os interesses do setor mineral e a conservação das áreas protegidas com interferência na Renca”, afirma, no documento, o senador. O texto destaca que a região é uma das mais preservadas da Amazônia, havendo o risco de conflito de interesses de mineradoras e das populações tradicionais que vivem na região.

Parlamentares do Amapá que fazem oposição ao governo também se manifestaram contra a medida. A deputada federal Janete Capiberibe (PSB/AP) apresentou um requerimento para que seja realizada uma audiência conjunta entre as comissões de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e da Amazônia e a de Direitos Humanos e Minorias para discutir a medida.

O senador Randolfe Rodrigues (Rede/AP) já vinha demonstrando preocupação com a região. Em abril, poucos antes do Dia do Índio, ele criticou em plenário a Portaria 128 do Ministério de Minas e Energia que permitiu a tramitação de pedidos de lavra e pesquisa feitas no quadrilátero da Renca, antes de 1984. Essa portaria foi uma preparação para a extinção da reserva. Ele apresentou ao Senado um decreto legislativo para suspender o decreto de Temer que abriu a Renca à mineração.

Um estudo do WWF-Brasil de julho deste ano chama a atenção para as consequências dessa portaria. De acordo com o estudo, existem 28 autorizações de pesquisa e concessão de lavra e outros 154 requerimentos de pesquisa, todos anteriores a 1984, que poderiam voltar a tramitar graças à portaria.

Nesta segunda-feira, antes de anunciada a revisão do decreto, o Ministério Público Federal no Amapá havia pedido à Justiça a suspensão imediata da extinção da Renca. Para o MPF, embora a Reserva de Cobre tenha sido criada para proteger o patrimônio mineral, criou também uma área de proteção ambiental.

A Procuradoria da República argumenta que, a partir da Constituição de 1988, áreas de proteção ambiental passaram a ter regime jurídico próprio. A extinção da Renca, no entender do MPF, por um decreto presidencial “representa invasão da competência legislativa do Congresso Nacional, dado que apenas a este caberia desafetar ou restringir os limites de uma unidade de conservação, por meio de lei específica”.

Outro argumento apresentado na ação é a falta de consulta às comunidades indígenas, o que contraria a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho). (Colaborou Elaíze Farias)

Protesto #TodosPelaAmazônia em Manaus (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)