A utilização desta expressão é preocupante em mais de um sentido. Primeiramente, ela é mais uma evidência da aprovação e do apoio conferido por Crivella à escalada da militarização nas favelas da cidade do Rio de Janeiro. O nosso mandato acompanha ativamente os inaceitáveis desdobramentos desta política genocida de guerra às drogas não apenas na Rocinha, mas em diversas favelas da cidade. A mesma política fracassada, utilizada insistentemente há mais de uma década.
A insistência nas operações, confrontos e outras falsas soluções militarizadas vem, entretanto, como parte de um cenário muito mais complexo que envolve o lucrativo comércio ilegal de armas e drogas e a corrupção de agentes de Estado. Só será possível avançar na quebra deste perverso e inaceitável ciclo de repetições a partir da adoção urgente de uma nova política de drogas, que aponte para o fim do proibicionismo. É por isso que o nosso mandato saúda iniciativas como o MOVIMENTOS, que tem como eixo a construção de uma nova política de drogas pensada por jovens de favelas e periferias. É esta juventude negra o alvo da política genocida estatal, e isso precisa urgentemente ter fim.
Há também outra faceta perversa do “banho de loja” sugerido por Crivella. Esta expressão torna evidente a confusão entre a prestação de serviços públicos essenciais e a exploração da favela como um nicho de mercado.
Educação, saúde, transporte, saneamento básico, iluminação e conservação das vias públicas NÃO SÃO BANHO DE LOJA, são direitos fundamentais das moradoras e moradores de favelas. É inaceitável que a linguagem mais pueril do mundo do consumo sirva de lógica norteadora das políticas públicas essenciais que o Estado deve prover aos moradores. Não é sobre consumo, é sobre DIREITOS sistematicamente negados à maior parte da população carioca. É sobre um Estado que atue a serviço de todas e todos, e não como uma trincheira que protege privilégios de classe e de raça, às custas dos nossos corpos, das nossas vidas – dos corpos negros, das vidas negras.
Mas há ainda uma outra declaração de Crivella que eu gostaria de comentar. O prefeito também anunciou no último fim de semana que seria muito bom para a segurança que o Rio de Janeiro tivesse “uma Olimpíada a cada mês”, e que tem a intenção de impulsionar um calendário constante de grandes eventos na cidade. Esta declaração só mostra o quanto os megaeventos serviram e ainda servem como uma grande farsa violadora de direitos humanos nesta cidade.
Neste ponto, é importante ressaltar que a mídia tem um papel central na transformação da tragédia em espetáculo, sintoma que acompanha toda a saga dos megaeventos na cidade. A transmissão ao vivo da invasão do Exército à Rocinha na última semana guarda evidentes relações com outros episódios recentes, como o ingresso das Forças Armadas nos Complexos do Alemão e da Penha, em 2010, transmitida durante toda uma tarde em rede nacional.
Sob a ponta do fuzil e a lente das câmeras, o Rio de Janeiro vem garantindo a realização dos grandes eventos em detrimento dos direitos dos moradores de favelas e periferias.
Este novo período de invasão do Exército à Rocinha, encerrado na última sexta-feira, repetiu a mesma lógica de operação, no momento em que era o Rock In Rio o megaevento da vez.
Como nascida e criada na Maré, não posso também deixar de lembrar todo o terror promovido pelo Exército durante os 14 meses de invasão à favela da Maré, iniciada às vésperas da realização da Copa do Mundo. A farsa das mega operações militares como suposto instrumento de garantia de direitos precisa acabar. Não serão elas que darão fim ao confronto entre facções, simplesmente porque o confronto de facções não existe em desacordo com a política de insegurança em curso. São duas partes de uma mesma moeda.
FONTE: http://midianinja.org/mariellefranco/direitos-fundamentais-nao-estao-a-venda-nas-lojas/