por Gibran Mendes
Michel Temer pode ter cometido crime de responsabilidade. A análise é de especialistas ouvidos pelo Porém.net a respeito da divulgação da delação do doleiro Lúcio Funaro, que entre outras revelações, mostrou que o pemedebista utilizava uma conta do Gmail, sistema de correio eletrônico do Google, para trocar informações.
O uso da conta privada, e não institucional, pode comprometer a segurança institucional e é veementemente condenado. Caso este e-mail tenha sido utilizado para trocar informações de relevância para o Estado, Temer pode ter incorrido em crime de responsabilidade, inclusive, por colocar em risco a segurança nacional.
“Ao se utilizar de e-mails particulares (e de empresas privadas), para fazer circular documentos sigilosos, estratégicos, pode incorrer em crime de responsabilidade ou até envolvendo a segurança nacional. Temos uma lei de 1950 (Lei 1079/50), entre outras possibilidades. Irá depender de o e-mail cair em mãos de terceiros, e ser possível provar a procedência e originalidade do que ali estiver escrito, e levantar as possíveis consequências”, avalia o advogado especialista em novas tecnologias, Omar Kaminski.
De acordo com ele, há o risco de ao utilizar contas privadas, informações classificadas como sigilosas ou confidenciais serem interceptadas pelo serviço de inteligência de um país espião. Em 2015, a presidenta eleita Dilma Rousseff, foi grampeada pela NSA, serviço estadunidense, a partir de grampos telefônicos. A situação gerou, à época, um desconforto diplomático.
Publicado em 2012, o decreto 7.845, regulamenta procedimentos para credenciamento de segurança e tratamento de informação classificada em graus de sigilo. Em sua Seção VII, que trata dos sistemas de informação, o documento explicita que “A transmissão de informação classificada em qualquer grau de sigilo por meio de sistemas de informação deverá ser realizada, no âmbito da rede corporativa, por meio de canal seguro, como forma de mitigar o risco de quebra de segurança”, entre outros alertas.
Segurança digital
Mas qual exatamente a diferença entre usar uma conta privada, uma conta privada gratuita e um e-mail institucional? Na avaliação do perito em crimes digitais, Wanderson Castilho, no caso do Gmail, se por um lado a empresa oferece uma ampla fonte de segurança para seus usuários, por outro a privacidade da troca de mensagens não existe. “Você quando assina o termo digitalmente está dando a total acesso ao Google. Ele poder ler e ele lê. As informações são dele também”, relata.
Por este motivo, segundo Castilho, é desaconselhável que representantes do estado utilizem esse tipo de ferramenta de comunicação. “É completamente contra qualquer tipo de segurança colocar em um e-mail público (informações de Estado), não apenas no GMail, mas qualquer outra empresa que proporcione esse tipo de serviço gratuito”, completa o perito.
Questionado sobre a atuação da atuação da Agência de Segurança Nacional (NSA), dos Estados Unidos, neste tipo de situação o perito foi enfático. “Ninguém sabe até onda vai a capacidade da NSA. É sabido que ela tem poderio tecnológico muito grande, mas nem precisamos entender da NSA para isso. O ponto básico da informação de um presidente de estado é que ela precisa permanecer dentro da jurisdição do próprio Estado, sendo que o GMail não está mais dentro do estado brasileiro. Particularmente eles conseguem monitorar tudo, mas não há prova e nunca vai ter. A empresa Google se resguarda dizendo que ela não repassa essa informação”, pondera o especialista.
Se todos podem estar sendo monitorados, no caso de um chefe de estado, a situação é bem mais complicada na avaliação de Castilho. “(Faz) toda a diferença. Um cidadão comum tem as informações sigilosas e precisa ter resguardado a privacidade das suas informações. Mas essas informações se restringem a ele, enquanto um líder de estado, as informações que ele detém, se expandem para toda a população. A segurança dele não pode ser só física, também tem que se expandir para o mundo virtual”, garante.
Polêmica nos EUA
O uso de e-mails não institucionais, ou seja, não fornecido pelo governo tem sido alvo recorrente de polêmica nos Estados Unidos. No final de setembro o jornal Daily Mail destacou que a filha do presidente Donald Trump, Ivanka Trump e, ao menos, outras cinco pessoas com relevância na Casa Branca utilizaram e-mails pessoais para troca de informações envolvendo o governo estadunidense.
Curiosamente, durante a última campanha presidencial, Donald Trump criticou duramente a ex-secretária de Estado, Hillary Clinton, por ter utilizado um servidor pessoal, instalado em sua casa, para troca de e-mails fora do sistema oficial da Casa Branca. Ela teria utilizado esta conta para correspondência eletrônica entre 2009 e 2013. O caso é investigado pelo FBI.
Contudo, segundo o perito em crimes digitais Wanderson Castilho, neste caso ainda haveria um pouco mais de privacidade nas informações, por tratar-se de um servidor próprio e não uma conta de e-mail hospedada em um provedor gratuito. “Ela se resguardou de um servidor particular. Sabia que em um e-mail publico não teria a menor condição de fazer qualquer controle. No caso do e-mail gratuito é certeza absoluta que outras pessoas vão ter acesso. A única forma que você pode utilizar com certa segurança estes provedores gratuitos é fazer sob anonimato, colocar outros nomes, outros assuntos, porque nestes casos não será possível monitorar que aquele assunto está sendo dito. É a única forma” garante o especialista que hoje trabalha nos Estados Unidos.
O Brasil tem leis suficientes para garantir essa segurança? Questionado pela reportagem sobre qual seria a melhor forma de adequar a legislação à nova realidade virtual, Kaminski, que é um dos pioneiros no estudo de legislação online, garantiu que isso já existe. “Já há legislação suficiente, e há necessidade de boas práticas, e de efetivamente cumpri-las. É necessário uma mudança de mentalidade no funcionalismo público em geral, e nos escalões mais baixos acaba acontecendo o inverso: a utilização de emails profissionais (gov.br, por ex) para fins pessoais. Existe uma legislação que deve ser seguida por todos os funcionários públicos, incluindo o Presidente. Existe um Gabinete de Segurança Institucional da Presidência de República que lançou mão de dezenas de documentos sobre Segurança da Informação no âmbito da Administração Pública”, comenta.
Já Wanderson Castilho, se pudesse, daria o seguinte conselho a Temer e qualquer outra figura pública com informações de estado. “De forma alguma, se (o assunto) for de conteúde de líder de estado, use e-mail gratuito ou pago. Acredite na competência da equipe de tecnologia (do Governo Federal) que é eficiente e eficaz”, finalizou.
Edição: Ednubia Ghisi