De Rafael Lima*

Paulo Fonteles Filho, Paulinho, como carinhosamente era conhecido se foi, partiu pra outra dimensão. Impulsionado não sei porque, talvez pela nossa proximidade, nossa amizade, fui visita-lo, no hospital, no domingo, 22/10, porque me ausentaria de Belém, por uma semana, no dia seguinte. Não pude vê-lo, não tive permissão de entrar, por conta da UTI, horário, etc. Fiquei meio com uma interrogação esquisita na cabeça, mas relaxei… Na volta, vejo esse sacana. Não vi!

Na quinta, 26/10, já em Melgaço, vou entrando no restaurante pra almoçar, e vejo a noticia de sua partida, pelo jornal, na TV… Me deu aquele aperto… Que é isso??? E a primeira reação de indignação: Com tanto FDP por aí pra morrer… E fiquei assustado, porque passei pela mesma situação no ano passado, e de alguma forma fui poupado… não parti, não fui…

Fui advertido por uma amiga: não fale assim; não divide de Deus! e engoli em seco. Na rede, no barco à noite no Marajó, continue pensando e o aperto foi maior. Paulinho. Puta q Pariu!!! Me perdoem!!! Mas com tantos, tantos, FDPs, pra ir, pra morrer!!! Chorei de raiva, de impotência, sei la de que; Com tanta gente ao redor, com tanta rede no barco, e ao mesmo tempo, sozinho numa rede pensando… E a Angelina? e o q dizer pras crianças?? E Hecilda como estaria??? Mulher, mãe guerreira, que carregou no ventre, e sofreu no ventre, os chutes, as torturas, as porradas, das botas da ditadura, (do golpe dentro do golpe do Medici), gritando, xingando, os piores impropérios, tentando matar, um Paulinho ainda bem pequeno, crescendo no mesmo ventre que nunca se entregou, nunca se vendeu… E me lembrei do poema, que Paulinho escreveu la do Araguaia pra Hecilda, naquela busca dele, incansável pela “memoria”dos guerrilheiros mortos pela Ditadura Militar…

Paulinho… Queria tanto ter podido ver o teu sorriso pela ultima vez… Mas não passei da portaria, da burocracia burra, que tanto combatemos; talvez tenha sido melhor não ter podido entrar, porque assim conservo na memoria, teu sorriso, tua alegria, assim como me vem agora, misturado ao teu, o sorriso largo de teu tao querido e saudoso pai, que sempre que me via cantando, me pedia que cantasse Antonico do Ismael Silva. Onde quer q estejas, vais com certeza estar com ele, e vocês vão encontrar a Elis (Regina), que não sei porque me vem à cabeça, agora, no momento em que penso em vocês dois. Deve ser talvez, por causa da musica, da cultura, da arte, do respeito e da dignidade, que voce herdou do seu pai, e de sua mãe, a quem os conheci desde a fundação da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos, quando, eu ainda engatinhava no combate à Ditadura, nos idos de 1977, e eles já estavam comprometidos até a alma com a causa dos oprimidos, dos excluídos, com a causa da maioria do povo brasileiro.

Tchau Paulinho. Até já meu filho. Ou como eu diria na canção minha e do Antonio Juraci Siqueira, homenageando Ruy Baldez: “vai cantador, vai na frente, vai cantar pra outros bois, segue em paz, voa contente, que a gente se vê depois…”


*cantor e compositor paraense, Rafael Lima,
Violonista autodidata, cantor e compositor, Rafael está na estrada desde o final dos anos 80. Possui cinco CDs gravados: três de estúdio e dois ao vivo – todos gravados na Suíça. Seu próximo disco se chama “Nômade”, o primeiro feito em terras brasileiras. Já se apresentou em eventos como Montreux Jazz Festival (Suíça), Stelli Sotto State (Milão), Otawa International Jazz Festival, Festival de Jazz de Barcelona, Projeto Pixinguinha Nacional e muitos outros.