Cortes em ciência e tecnologia expulsam pesquisadores e estudantes para o exterior. Buscam melhores condições para desenvolverem suas pesquisas. Estas são suas histórias.
Por Felipe Betim
“Para mim, cortar o dinheiro da ciência é uma improbidade administrativa muito grande. Se for pra ficar no Brasil infeliz… Já morei cinco anos na Alemanha e não teria problema em sair de novo”, diz Rodrigo Nunes da Fonseca. Pesquisador da UFRJ da área de Biologia, ele trabalha com vetores de doenças tropicais como o mosquito Aedes aegypti, transmissor da Zika e da dengue, ou barbeiro Rhodnius prolixus, vetor da doença de chagas. Mas hoje se encontra na Holanda com uma bolsa internacional de três meses.
O laboratório de Fonseca, assim com os demais centros de pesquisa do Brasil, se encontram sem dinheiro para tocar novos e antigos projetos. “O país investiu milhões em equipamentos de primeiro mundo, mas eu não tenho dinheiro para comprar um tubinho de plástico”. Após esta breve temporada na Europa, retornará ao Brasil e decidirá se fica no país ou se o deixa definitivamente.
A fuga de cérebros é um dos impactos mais imediatos e visíveis dos cortes no orçamento em ciência e tecnologia promovidos pelo Governo Federal nos últimos anos, algo que vem congelando pesquisas e bolsas e ameaçando laboratórios de fechar.
Só em 2017, Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), responsável por dezenas de unidades de pesquisa, laboratórios em universidades e bolsas de estudos cedidas pelo CNPQ, sofreu um corte de 44% do orçamento que estava previsto para este ano. A previsão era de 5,8 bilhões de reais, mas apenas 3,3 bilhões foram liberados pelo Governo de Michel Temer (PMDB).
A perspectiva é de que em 2018 haja um corte de mais 25%. Em 2010, quando a pasta de Comunicações ainda não estava incorporada ao ministério, o orçamento teve um pico de aproximadamente 8,6 bilhões de reais — corrigido pela inflação, o equivalente a 10 bilhões de reais hoje.
“Estão entrando em contato com nossos cientistas e oferecendo oportunidades lá fora. Eu mesmo recebo uma oferta a cada dois meses. Aumentou muito a frequência. Sempre perdemos pesquisadores para o exterior, mas agora, com a falta de perspectiva, estamos perdendo muito mais”, explica João Fernandes Gomes de Oliveira, vice-presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC).
Para ele, o impacto maior é “parar de fazer atividades e colocar uma massa de pessoas em posição de stand by”. Isso ocorre porque os pesquisadores fixos dos centros de pesquisa federais são concursados e, portanto, não podem ser demitidos. “Você cria uma cultura em que você paga salário mas não dá recursos para desenvolver uma pesquisa. É uma coisa horrorosa. É como abrir um restaurante, contratar o melhor cozinheiro, e não dar os ingredientes para ele fazer a comida”, acrescenta Oliveira.
Ronald Cintra Shellard, diretor Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), acredita que os cortes em ciência são “estúpidos” por um motivo muito simples: “Se paramos de produzir, como muitos de nós somos servidores continuamos recebendo salários. O custo disso é muito alto. Então eu continuo a receber, mas sem pesquisar. Mais adiante os impactos econômicos do que a gente faz não aparece. O investimento não é só em dinheiro, mas em inteligência”, diz.
Mas o corpo científico não está formado apenas por servidores, mas também pelos pesquisadores terceirizados e os que apenas possuem uma bolsa de mestrado, doutorado ou pós-doutorado. Sem a estabilidade e o salário do funcionalismo e sem a perspectiva de melhora, muitos acabam atraídos de forma mais imediata pelas ofertas de emprego no exterior e pelas facilidades de países como Estados Unidos e Alemanha, menos burocráticos e com um farto financiamento público para a pesquisa básica.
“A fuga de cérebros é algo secundário diante da cicatriz que vai ficar no sistema de ciência brasileiro com este gap de financiamento. E agora ainda temos um teto de gastos”, lamenta Oliveira. “Os resultados de pesquisas duram cinco ou dez anos. Em um ano não percebemos, mas em 10 anos vamos perder muita coisa”, completa.
“Meu interesse sempre foi ficar”
Vinícius Alves tem 28 anos e um extenso currículo acadêmico. Fez sua graduação em Farmácia, seu mestrado em Ciências Farmacêuticas e seu doutorado em Inovações Farmacêuticas. Nesta última etapa, se especializou na área de quimioinformática, uma área da química que usa ferramentas da ciência de dados e inteligência artificial para resolver problemas da química. “Tenho trabalhado para desenvolver métodos computacionais que possam ser empregados para avaliar moléculas químicas em computadores. Durante o meu doutorado, trabalhei para desenvolver um modelo computacional que pudesse identificar se compostos químicos são tóxicos ou não quando entram em contato com a pele”, explica Alves.
“O método padrão para essa análise envolve o uso de animais. Hoje em dia já existem métodos alternativos, mas vários deles são caros e inviáveis de serem realizados no Brasil devido à burocracia associada à importação do material. A grande vantagem do método que desenvolvemos é que ele possui baixo custo, é rápido e altamente eficiente, podendo contribuir para diminuir o uso de animais em laboratório”, acrescenta.
Seu trabalho foi publicado na revista Green Chemistry no ano passado, uma publicação que divulga trabalhos que reportam tecnologias sustentáveis e não tóxicas a seres vivos e ao meio ambiente. Atualmente ele diz estar interessado em aplicar esses métodos computacionais para encontrar moléculas promissoras no tratamento de doenças raras, “que atingem uma parcela muito pequena de pessoas e, por isso, possuem pouco interesse de grandes indústrias farmacêuticas”, diz.
Mas suas pesquisas continuarão a ser desenvolvidas na Carolina do Norte, Estados Unidos, a partir de março de 2018. “Estava sem perspectiva de arrumar algo por aqui. Não tem concurso e o corte em bolsas foi muito grande”, conta. Nos últimos meses, desde que terminou seu doutorado, tem feito serviços de consultoria para uma indústria de São Paulo e para uma empresa americana.
Alves também participou de processos seletivos na Alemanha e na Suécia. Foi aprovado em todos. Devido aos planos profissionais de sua esposa acabou optando pelos EUA. Lá, vai ganhar salário, ter direito a férias e voltar a trabalhar com pesquisa. “Meu interesse sempre foi ficar, sempre disse que queria me consolidar como pesquisador no Brasil. Tenho um sentimento de que posso contribuir para a ciência brasileira aqui dentro. O governo investiu muito em mim e eu tenho condições de devolver pra sociedade”, explica.
“Mas a gente fica de mãos atadas. Agora, tendo uma oportunidade, melhorando as coisas… Penso em voltar depois do pós-doutorado. Mas não basta conseguir uma vaga como pesquisador, tem que ter recurso para pesquisa também”.
“A frustração é muito grande”
Rodrigo Nunes da Fonseca começou na UFRJ como aluno da graduação de Ciências Biológicas. Emendou um mestrado em bioquímica na mesma instituição, mas, depois, decidiu ir para Alemanha fazer doutorado e pós-doutorado. Lá ficou por cinco anos. Até que em 2009, “quando o Brasil estava com muito dinheiro na ciência e expandindo as universidades públicas com o Reuni”, resolveu voltar. Foi para o campus da UFRJ em Macaé, no interior do Estado do Rio, para seguir trabalhando com biologia no campo de biologia evolutiva do desenvolvimento, uma área nova que utiliza conceitos de genética, evolução e ecologia.
Concursado, ajudou a montar, junto com outros 30 docentes, o Núcleo de Ecologia e Desenvolvimento Socioambiental de Macaé, do qual hoje é diretor. Mas está frustrado e pensa em largar tudo. “Com essa crise, estamos com os equipamentos parados. Tenho projetos aprovados desde 2014 que ainda não foi liberado o dinheiro. Só da FAPERJ tenho um milhão por receber”, explica. “Como as coisas estavam indo bem, tivemos dois programas de mestrado e doutorado, e estávamos num processo de expansão muito bom. Neste ano ainda publiquei um artigo com dinheiro de projetos antigos. Mas agora acabou”, completa.
Sua pesquisa está centrada nos vetores de doenças tropicais como o mosquito Aedes aegypti (Zika e dengue) ou barbeiro Rhodnius prolixus (doença de chagas). “Nossa grande pergunta é como as moléculas (genes, proteínas, açúcares, etc) fazem para, a partir de uma única célula, termos a formação de uma larva que sai nadando. Isso é importante pois a fase dentro do ovo é a única da vida do inseto que ele não consegue se dispersar (voar, nadar)”, explica. Ele diz que seu laboratório já identificou vários genes que são essenciais para a vida do ovo do mosquito e do barbeiro “Ou seja, se retiramos alguns desses genes, o embrião não vira larva, e assim o ciclo de vida não se completa. Não teríamos mosquitos ou barbeiros adultos, logo não teríamos os vetores da doenças, pelo menos não em grande número”, acrescenta.
Neste ano, viu uma oportunidade de ficar três meses na Holanda com uma bolsa de estudos internacional. Aproveitou a oportunidade para visitar o laboratório de seu ex-orientador na Alemanha e já faz planos de renunciar ao seu posto no Brasil. Mas ainda não bateu o martelo. “O que eu queria mesmo era fazer pesquisa no Brasil, contribuir com o país. Talvez eu segure mais um ano”, diz.
Sua posição permanente na UFRJ e seu salário são fatores que prendem Fonseca no Brasil. “Mas o emprego público é uma armadilha. A gente tem salário, mas quem faz ciência, quem gosta de estar no laboratório e no campo, sente numa frustração muito grande. É um sentimento horrível”, explica. “No fundo é o que move a gente. Mas é uma pena. Já tive dois alunos que foram fazer doutorado fora”, acrescenta. E conclui: “Quando eu estava na Alemanha, meu orientador mandou eu voltar para o Brasil porque era o país do futuro. A expectativa era a de que fôssemos uma das grandes potências na área. Eu acredito no país, apesar de todos os problemas”.
Fonte: El País, republicado em: http://www.vermelho.org.br/noticia/306088-1