Para ex-diretor do banco dos Brics e do FMI, não existe debate de ideias na economia e na mídia: prevalece a visão da “turma da bufunfa”, como ele se refere ao sistema financeiro
por Vitor Nuzzi, da RBA
“Eu não vejo como um país possa emergir de uma posição periférica para uma posição central sem ser profundamente nacionalista”, diz o economista Paulo Nogueira Batista Jr., para quem atualmente não há debate de ideias, mas um pensamento único – “Não é pensamento, é único” –, predominante, do que ele chama de “turma da bufunfa”, do sistema financeiro, nas políticas e na mídia. “Pensar é visto com desconfiança”, afirma, em entrevista a blogs e sites, ontem (5), no Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, na região central de São Paulo.
Diretor até setembro do Novo Banco de Desenvolvimento, mais conhecido como banco dos Brics (o bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – ele prefere o termo “mecanismo de cooperação”), Paulo Nogueira aponta a soberania como uma questão central. “Eu não gostaria que o tema fosse apropriado pela direita, como é na Europa e nos Estados Unidos hoje”, diz, citando os parceiros brasileiros. “China consistentemente, desde o Mao (Tsé-Tung), tem políticas nacionalistas, Rússia (com Vladimir Putin) consistentemente nacionalista, a Índia, com Modi (o primeiro-ministro Narendra Modi), se tornou mais nacionalista do que era.”
Mas o nacionalismo à brasileira não deve ser igual ao desses países, acrescenta o economista. Seria “genuinamente aberto a importar valores, a absorver lições do exterior, e também a exportar”. Em sua visão, o país atravessa um momento de fraqueza nesse campo. “O Lula tentou superar (o complexo de vira-latas), mas voltou com força total.” Não só no Brasil, diz ele, o poder político e econômico do sistema financeiro não mudou: “A fração hegemônica do capital é a financeira”.
Ainda em relação ao “pensamento único”, ele aponta uma cultura criada nos Estados Unidos do pós-guerra “que é um desastre, um descaminho de décadas”. Uma linha “estruturalmente incapaz de lidar com problemas concretos”. Confrontados com a realidade, acrescenta, esses economistas “abandonam as doutrinas ensinadas nas universidades”.
Submissão
Entre vários episódios de suas passagens pelo banco dos Brics e também pela direção do Fundo Monetário Internacional (FMI), ele contou uma passagem recente para ilustrar os efeitos práticos do chamado pensamento único. Na preparação para o encontro de cúpula do Brics, que ocorreria em setembro do ano passado, os chineses pediram que o banco preparasse um trabalho analisando a economia internacional. Em uma reunião, o representante do Ministério da Fazenda brasileiro (“Economista, passou 20 anos nos Estados Unidos) pediu a palavra e disse que não via necessidade desse estudo, porque os relatórios do FMI já eram suficientes. O representante do Banco Central emendou: e também temos os relatórios dos Bancos Centrais.
Nogueira replicou: “Os relatórios do FMI são úteis, mas têm um viés que nós, diretores do Brics, combatemos aqui, discutimos aqui. Olha o nível que caiu o governo brasileiro. É um governo com pouco horizonte, pouco prestígio, com o terceiro, quarto time da bufunfa”.
Para ele, hoje não existe debate econômico. “Antes, quando eu lia os economistas ortodoxos brasileiros, eu aprendia”, afirma, citando nomes como Eugenio Gudin, Mário Henrique Simonsen, Roberto Campos, em contraponto com personalidades como a de Celso Furtado, no campo desenvolvimentista. Irônico, ao voltar ao Brasil disse ter sido informado que o atual “líder intelectual” do pensamento ortodoxo é o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, e pesquisou suas publicações: “Não encontrei nada”.
Segundo ele, o Brasil, no período Lula e no primeiro governo Dilma, teve um papel importante na formação dos Brics, mas perdeu espaço no período recente. Nogueira observa, porém, que nenhum governo brasileiro pode se distanciar do bloco, canal direto com a China, principal parceiro comercial. “Qualquer governo que ganhar essa eleição vai manter o Brasil nos Brics.”
O economista dá outro exemplo da fraqueza da atual gestão brasileira, na mesma reunião de cúpula, em setembro. O presidente chinês, Xi Jinping, entra primeiro, e os mandatários da África do Sul (Jacob Zuma) e do Brasil (Michel Temer) vêm depois, “como se fossem vassalos”. Jinping discursa e diz que não poderá ficar para ouvir as falas dos outros governantes – e sai. Temer e Zuma o acompanham, para só então voltar e discursar.
China e EUA
O tema China foi abordado várias vezes durante a conversa. O país tem “um plano global”, lembra Nogueira. “Por paridade de poder de compra, já é a principal economia do mundo. O plano de voo chinês é, primeiro, deslocar os Estados Unidos do leste da Ásia.” Já os norte-americanos, observa, “ainda vivem em um mundo unipolar, não sabem atuar em parceria”, e ainda estão se adaptando à nova realidade global.
Ele vê uma situação internacional melhor nos dois últimos anos, com crescimento da economia dos Estados Unidos, recuperação da União Europeia (UE) e China ainda crescendo a taxas altas, a despeito de seguidas “previsões” sobre o colapso do boom chinês, e a Índia crescendo ainda mais. Mas vê uma “fase muito difícil” para americanos e europeus do ponto de vista político e social: “(Donald) Trump e Brexit (a saída do Reino Unido da UE) são sintomas”.
Bem-humorado, fez alertas sobre projeções feitas por economistas, que segundo Nogueira não devem ser ouvidos em questões centrais. “John Kenneth Galbrait (economista norte-americano) disse que as projeções dos economistas são uma tentativa de recuperar a credibilidade dos astrólogos”.
No Brasil, ele vê melhoria em alguns indicadores (inflação, PIB, safra, juros, setor externo), que apontam para uma recuperação, mas insuficiente para influenciar no processo eleitoral. “O mercado de trabalho demora a reagir, o emprego gerado é muito precário. As políticas são regressivas e devem piorar a distribuição de renda.” Mesmos nos Estados Unidos, lembra, “o hiato entre ricos e pobres estão aumentando enormemente”.
Para Nogueira, é importante que a governança dos bancos públicos seja “blindada”, o que não estaria acontecendo no próprio banco dos Brics. “Minha demissão (no ano passado) não teria sido possível. Foi uma quebra da governança, que a meu ver vai deixar um rastro de destruição”. Ele foi desligado do NBD após publicar artigos sobre a situação política e econômica do Brasil, após o impeachment. De volta ao Brasil, onde é professor pela Fundação Getúlio Vargas, ainda não definiu novos rumos profissionais.